Fome e discurso

O presidente Lula costuma dourar a pílula ao sabor de suas conveniências. Conforme o caso enaltece um feito ou reduz a importância de uma notícia. Se há um grave problema em Roraima envolvendo índios e agricultores, ele diz que “uns arrozeiros ficam criando caso”; quando o tema é desmatamento, contesta até sua ministra do Meio-Ambiente, dizendo que “as pessoas transformam um tumorzinho em um câncer”, e por aí vai, construindo sofismas com a segurança de quem profere grandes verdades.

Agora, profetiza com a maior singeleza que a crise de alimentos “é passageira e não é perigosa”. Já seu aliado, o governador mato-grossense e grande produtor de soja Blairo Maggi (PR-MT), disse, com palavras um tanto amenas, que "não há como produzir mais comida sem fazer ocupação de novas áreas e a retirada de árvores". Contra a sabedoria de Maggi, que vai contra tudo o que se tem dito a respeito da fartura de terras no País para suprir o mundo de combustíveis e alimentos sem necessidade de desmatar, não há argumentos.

Lula, que, evidentemente, está certo ao defender o etanol, disse que “os Estados Unidos fazem biocombustível de milho, que é comida de galinha e porco; não pode”. É verdade, mas o Brasil faz biodiesel de soja, o que certamente contribui para o encarecimento do grão. Além disso, os americanos produzem bioplásticos a partir do ácido poliláctico (PLA) feito de milho, trigo e outros grãos, embora também possa ser obtido da cana-de-açúcar.

A verdade é que a atual escassez de alimentos não é uma questão tão simples como quer fazer crer o voluntarismo presidencial. O Brasil, a que tantos gostam de se referir como o “celeiro do mundo’, poderia estar caminhando mais rapidamente para merecer o epíteto se os agricultores não tropeçassem o tempo todo na sabotagem de suas atividades pelas ações ominosas do Movimento dos Sem-Terra (MST), financiadas pelo governo federal e toleradas por governadores de vários Estados; ou, ainda, na desconcertante decisão do governo federal de reduzir em 44% o orçamento do Ministério da Agricultura.

Um governante que tolera a destruição de mudas pelas mulheres da Via Campesina e chega a anunciar a tresloucada decisão – da qual voltaria atrás no dia seguinte – de suspender as exportações de arroz não pode estar falando sério quando diz que defende nossa agricultura, o que não vai além da retórica de sempre.

Se duas grandes empresas acabam de despejar enormes investimentos em usinas de álcool, não é porque o poder público lhes facilita a vida, mas, sim, apesar dele. Graças a uma delas, a Cosan, que comprou os ativos da Esso no Brasil, a Petrobrás terá concorrência na distribuição de etanol e o consumidor poderá, enfim, passar a beneficiar-se disto.

Os países pobres sofrem muito mais com o aumento dos preços dos alimentos, experimentam revoltas populares e sofrem com a recessão. Agora que os americanos estão tendo dificuldades para comprar arroz, talvez alguém deva dizer-lhes que esse, em parte, é o preço a pagar pela política de subsídios agrícolas de seu governo. Sem ela, agricultores em regiões menos favorecidas do mundo poderiam estar produzindo localmente, e a pressão sobre os preços seria bem menor ou mesmo circunstancial.

Contra a influência das cotações do petróleo e dos subsídios dos países ricos nos preços dos alimentos praticamente nada pode ser feito até porque, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a produção no ano que vem não deve crescer porque os produtores dos países pobres terão dificuldades para encontrar sementes e outros insumos agrícolas. Ainda de acordo com a entidade, entre 40 e 60% (!) da produção mundial de alimentos é perdida por deficiências de armazenagem.

Luiz Leitão

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