Paralisia internacional

Chico Guil

O soldado brasileiro que serve ao exército americano no Iraque sentia culpa nos primeiros dias, vendo jorrar o sangue das crianças nas ruas de Bagdá.

 Mas agora está tranqüilo, pois o capitão ensinou a ele que todas essas mortes são responsabilidade do exército. Ele não tem culpa, sua alma está limpa. O salário do mercenário gira em torno dos R$ 12 mil mensais. Um valor razoável para quem está sendo pago para matar. Equivalente à tabela de qualquer matador de aluguel no Brasil. O jornal publicou suas palavras como quem explica um detalhe importante da guerra santa que Bush pratica no Oriente Médio.


Há quem ainda acredite nesses depoimentos emocionantes, por conveniência, por medo, ou por ignorância. Mas a transparência proporcionada pelos modernos instrumentos de comunicação deixa cada vez menos margem para a manipulação. É verdade que ainda uma boa parcela de mal informados segue iludida com as historinhas de heróis contadas pela grande mídia. Mas os fatos vazam, numa concentração muito maior do que gostariam os filhos do cão. As fontes alternativas de informação multiplicam-se, os grandes sentem que estão perdendo o controle e começam a agir com histeria, revelando sem querer seu estado de nervos. Basta ver a expressão facial de certos “âncoras” de telejornal, tradicionalmente impecáveis e agora meio gaguejantes.


Mas não é apenas a imprensa mundial que perdeu a credibilidade nos últimos anos. Caiu a máscara dos mocinhos. Os lindinhos mostraram sua essência monstruosa e a humanidade já sabe que foi ludibriada. Quem não leu as histórias incríveis da luta dos bondosos judeus contra os diabólicos árabes? Quem não viu a heróica luta dos americanos contra os diabólicos comunistas? Quem não chorou com eles em suas batalhas contra o mal?


Mas os mocinhos bombardearam o Afeganistão, o Iraque e o Líbano, espalharam o terror em escolas e hospitais, roubaram a vida de centenas de inocentes, e quem pode esconder esses crimes? Alguém ainda acredita que os terroristas são os árabes, os palestinos, o Hezbollah? Os âncoras estão gaguejantes, e os editoriais de certas revistas tradicionais estão cada vez mais patéticos.


A semelhança entre 2007 e 1939 é que 68 anos atrás as “nações civilizadas” também fecharam os olhos, perante o evidente propósito expansionista de Hitler. Somente quando se instalou o horror na Europa eles admitiram as reais intenções do bigodinho. Enquanto Hitler recuperava uma economia em ruínas (jogando os empresários desobedientes em campos de concentração), criava seis milhões de empregos e armava até os dentes a derrotada Alemanha, os vizinhos seguiam preocupados cada um com seu próprio umbigo, sem imaginar que aquele baixote brilhante poderia levar o mundo ao holocausto. O alarme soou na cabeça de certos governantes somente quando os nazi invadiram a Polônia. E então os líderes descobriram que havia um fenômeno fora do comum instalado na Europa. Uma vontade de uma força avassaladora.


Os “líderes” atuais parecem estar sofrendo daquele mesmo amortecimento mental. A história ensina o beabá com letras graúdas, mas há quem não queira ver. Os EUA invadiram dois países no espaço de dois anos e assassinam anualmente dezenas de milhares de cidadãos inocentes, sem sofrer qualquer sanção internacional. Israel bombardeou e arrasou o Líbano com uma desculpa esfarrapada de seqüestro, como se seqüestros não fossem notícia banal naquela região. E nenhum país civilizado deixou de fazer negócios com Israel durante e depois do bombardeio! Nem sequer se cogitou desarmar esse sobrinho malcriado de Tio Sam.


As revistas ilustradas e as telinhas de todo o mundo noticiam como uma grande vitória da ciência a criação de armas americanas sofisticadíssimas, que “causam grande dor sem provocar a morte”, ou que produzem “ruídos ensurdecedores e paralisam o inimigo”. Os mesmos veículos explicam que Bush quer destinar 20% de seus recursos às forças armadas. Quando vai cair a ficha dos “líderes mundiais” de que há uma nova vontade, uma força neurótica avassaladora preparando-se para dominar o mundo? Até o momento, parece que somente Chávez percebeu que as garras da Grande Águia estão prestes a abarcar o mundo, e reage armando-se contra ela. Mas Chávez, para a mídia internacional, é o ditador, o “seguidor de Fidel”, “um perigo para a democracia”.


Um garoto frustrado, mal instruído e malcriado botou o mundo de pernas para o ar, é o que vemos. Mas a verdade profunda é que há um homem determinado, que seja um gênio ou débil mental, jogando todas as suas fichas na dominação global e isso, infelizmente, não é um filme de ficção!

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Author`s name Pravda.Ru Jornal
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