Portugal: A passagem da pandemia ao aprisionamento do trabalho (2)

A passagem da pandemia ao aprisionamento do trabalho (2)[1]

1 - Qual a pior pandemia? Um Estado totalitário ou um covid-19?

  

As fronteiras nacionais, numa lógica de gestão de grandes espaços, no âmbito excepcional da covid-19, fecharam-se, por razões sanitárias, para evitar uma expansão acelerada da presença do vírus, como uma primeira e generalista abordagem, a exigir complementos menos latos do que isso. E, como se viu, a pandemia não deixou de alastrar após o fecho das fronteiras, como iria também resistir aos confinamentos dentro dos espaços nacionais. Mas, aplicar o mesmo modelo - fecho de fronteiras - a regiões, cidades, vilas, aldeias e chegar à mónada habitacional ou familiar, é um exemplo de gestão ditatorial, massificada, não tipificada nem inteligente, cega e cara, passados três meses de aplicação; e, acrescente-se a punição da vida social que chega ao sagrado futebol, retomado com bancadas vazias, os milhões de mascarados (em plena canícula), os transportes condicionados e ... 1.5 M de trabalhadores em layoff e muita reivindicação por parte dos chamados empresários; estes que, no caso português, são verdadeiros campeões na fuga fiscal e na fraude contributiva. Os Estados e as classes políticas gostam de exibir o seu poder e de ver a plebe submetida; isso garante a sua parasitária sobrevivência. 

  

Observem-se alguns marcos da evolução da atuação governamental, em Portugal, para com o coronavírus;

  • 4/3- Registo de 6 infetados;
  • 18/3- Estado de emergência - a situação era então, de 2 mortos e 642 infetados
  • 31/3- 160 mortos e 7443 infetados repartidos por 142 concelhos (com os restantes 163, sem casos)
  • 30/4- 989 mortos e 24692 infetados repartidos por 225 concelhos (80 sem casos)
  • 3/5- Fim do estado de emergência e início e do estado de calamidade - 1063 óbitos e 25524 casos confirmados (79 concelhos sem casos)
  • 5/6- 1465 mortos e 33969 infetados repartidos por 230 concelhos (75 sem casos)
  • A situação excepcional decretada para a Área Metropolitana de Lisboa revela o fracasso da contenção da pandemia, nomeadamente na Azambuja que... fica fora da AML

Teria sido mais inteligente, atuar localmente, com quarentenas ou isolamento de áreas circunscritas onde se tenham detetado infeções, com pesquiza junto de familiares e outras relações pessoais ou de trabalho, para a deteção de contagiados;

  

Não é difícil verificar que a pandemia progrediu mesmo no contexto de repressão massificada expressa entre estados de emergência e de calamidade. E isso, porque;

  

·         o combate terá começado demasiado tarde (18/3, com o estado de emergência) tendo em conta o período de duas semanas que o vírus pode esperar até encontrar uma vítima. Assim, alguém contaminado depois de 3/3 teve possibilidades de espalhar o vírus, impunemente, até ao início da quarentena;

  

·   não se atuou, prioritariamente, na defesa da população mais frágil - os idosos - nomeadamente internados em lares, bem como nas pessoas que deles cuidam;

  

·      preferiu-se, em contrapartida, fechar escolas e, implacavelmente confinar crianças a uma clausura absoluta, com o resto da família, eventualmente com alguém em teletrabalho:

  

·         nesse seguimento, o dueto Marcelo/Costa colocou problemas logísticos às famílias que sob o nome de quarentena para promover uma enorme reestruturação no mundo do trabalho, com layoffs e despedimentos;

  

·      e, logo se tornou claro que o empresariato luso iria encontrar terreno macio para gerar condições de obter financiamentos públicos, como referimos na ocasião, em abril; tendo como padrinhos, Costa e Marcelo. 

  

Ainda recentemente, na Suíça, a deteção de uma família com três casos obrigou à inventariação de possíveis contaminados, mantendo-se os não suspeitos no seio das suas atividades normais; e, certamente, não irá fechar nenhum cantão. A Suíça tem um histórico de infeções com um número semelhante ao de Portugal, com uma muito elevada taxa de recuperados (92%) ainda que com um número maior de óbitos.

  

Em Portugal, certamente, em óbvia cópia do observado na maior parte da Europa, toda a vida social e presencial foi abolida, mesmo nos concelhos (cerca de 80 onde nunca se detetou caso algum) e onde uma infeção só poderia vir do exterior ao concelho. Entre esses casos, contam-se quatro ilhas açorianas onde uma idiotia cega aplicou a receita global - fechar todas as escolas e não colocar o nariz fora de casa que não para ir ao supermercado ou, passear o cão!

  

Em vez de se apurar os casos, as ramificações sociais dos infetados, para uma atuação específica e orientada preferiu-se um "fecha-se tudo e logo se vê". E, entretanto surgiram os casos da Azambuja que determinaram uma condição de maior rigor na circulação em toda a Área de Metropolitana de Lisboa... a qual não inclui a Azambuja mas engloba concelhos onde os casos de infeção foram de escassas dezenas (Alcochete, Palmela e Sesimbra).

  

A situação na Azambuja - mormente em áreas logísticas de supermercados - resultou de dois factores. O primeiro é o devido respeito que a classe política tem para com os herdeiros das duas maiores fortunas portuguesas, muito ligadas à exploração de grandes superfícies[2]; o segundo, é o desprezo manifestado para com os trabalhadores, muitos deles imigrantes, vindos do Brasil e da Ásia. 

  

Nos casos de concelhos com poucos casos (78 com 10 ou menos casos, entre os quais 25 concelhos com 5 ou menos infetados) não seria mais inteligente uma avaliação dos contactos familiares, de trabalho ou integrados em viagens para se proceder então a eventuais confinamentos? Sabendo-se que na maioria desses casos se trata de concelhos com pouca e envelhecida população, eventualmente, muito sedentária, a matriz de relacionamentos sociais seria de fácil identificação, não?

  

Está em curso uma vasta gama de apoios às empresas, que se desdobram em reivindicações junto do Estado e, particularmente das suas figuras de cúpula - Marcelo e Costa. Os comensais da dita Concertação Social consideram mais interessante manter disponível a bolsa de trabalhadores em regime de layoff simplificado - isto é uma reserva de mão-de-obra - do que pagar subsídios de desemprego. Circulam por aí, muitas ideias e reivindicações cujo ponto comum é, em regra, a mão estendida ao apoio estatal. Assim, 

  

·      O empresariato prevê recuperar um Pedip 5.0 (que vigorou nos anos 90) e adorná-lo com € 10000 M. Outro projeto é a entrada de dinheiro público nas empresas sob a forma de capital de risco. Outros pedem a suspensão de parte da fiscalidade. Mira Amaral entende poder atrair investimento chinês, talvez tendo em conta que, desde 2013, os salários chineses se situam acima dos níveis portugueses; 

  

·    É sabido que as empresas da hotelaria e da restauração sofreram um rude golpe com os encerramentos forçados e, tendo em conta a ausência de turistas e os distanciamentos nos restaurantes, a recuperação estará para durar;

  

·   Por seu turno, metade dos trabalhadores por conta própria apontam para perdas de rendimento dos 60-80%;

  

·   O António Saraiva, da CIP, informa que é preciso um layoff simplificado para 12000 trabalhadores qualificados do setor automóvel, até setembro e, não até junho como previsto... e em setembro vão prorrogá-lo até quando? Segundo um inquérito da CIP realizado em fins de abril/princípios de maio, 84% das empresas consideram os apoios insuficientes e 40% revelam ter pedido financiamento bancário; e teriam pedido layoff simplificado 48% das empresas contra 44% que o não iriam pedir. A crise está aí, para durar e, desta vez, na Europa todos vão vestir-se de PIIGS!

  

Desde sempre, os trabalhadores foram coagidos a ser moderados nas suas reivindicações, cabendo aos capitalistas a total responsabilidade pela viabilidade das empresas, pelo seu devido financiamento. Ora, o layoff consiste em colocar trabalhadores numa bolsa - que não é emprego, nem desemprego - a que se recorre para ajudar as empresas, com efetiva redução dos salários tendo como contrapartida de subsistência fundos da Segurança Social. Isto é, a viabilidade financeira das empresas não depende dos fundos aplicados pelos seus proprietários, da agressividade nas vendas, da qualidade dos bens ou serviços mas, da aceitação (por obrigação estatal) pelos trabalhadores de entrarem num género de fundo de desemprego, esperando tempos melhores. Como sempre, o Estado ajuda os empresários (é para isso que foi criado, como capitalista coletivo ou coletivo dos capitalistas) e obriga os trabalhadores a contribuir solidariamente para essa ajuda; um corporativismo descarado que nem Salazar praticou. O custo da operação de layoff, até julho será de € 2500 M... o que até nem é muito, se se pensar nos € 11900 M que o empresariato deve à Segurança Social (em ... 2017 porque nenhum governo consegue divulgar dados da Segurança Social com menos de dois anos de atraso).

  

2 - O negro cenário para o ano de 2020 e seguintes

  

No contexto europeu marcado pelo baixo crescimento (e subsequente decrescimento) do santificado PIB e, de grande incerteza no âmbito dos chamados "mercados financeiros", a pandemia veio dar uma boa oportunidade para o reforço do caráter oligárquico e autoritário dos regimes de democracia de mercado e do poder dos seus governos, parlamentares e mandarins incrustados no aparelho de esta

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https://grazia-tanta.blogspot.com/2020/06/a-passagem-da-pandemia-ao.html

 

 

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