Consumado o golpe militar de 1964 no Brasil, dominado o Congresso Nacional, através da cassação de mandatos parlamentares, exiladas as principais lideranças do país, reprimido com violência o movimento estudantil, presos políticos abarrotando penitenciárias em todo o país. Eis o cenário imposto pelos militares no poder. Cerceada a oposição legal, através de extinção dos partidos políticos tradicionais e com o bipartidarismo imposto pela força, emergiu a inevitável opção pela luta armada. Organizações revolucionárias surgiram às dezenas. O capitão Carlos Lamarca se rebela, deserta do Exército e parte para a ação armada contra o regime, até que tomba na Bahia, em 1971.
Essa história é contada no livro "Lamarca, o capitão da guerrilha" (Global Editora) dos jornalistas Emiliano José e Oldack de Miranda. A 17ª edição revista e ampliada, lançada no dia 22 de maio de 2015, às 18h, na Livraria Cultura do Shopping Salvador, representa um ressurgimento da obra que, lançada em 1980, foi desaparecendo das livrarias ao longo dos anos. Parece um novo livro, a começar pela capa, assinada pelo artista gráfico Elifas Andreato, o mesmo que criou a capa da primeira edição. Na primeira, ele trabalhou uma foto do militar, dando um toque de tristeza em seu semblante. Agora, ele inova e pinta um quadro: um homem coberto por um manto vermelho, quepe verde, sem rosto, fuzil na mão ao lado de um ramo verde, acolhendo a bandeira nacional, como se estivesse plantando uma semente de esperança em pleno sertão.
Segundo o jornalista Emiliano José, não é aleatória a presença da arte de Elifas Andreato. Na década de 1970, ele foi criador de capas antológicas de LPs de artistas da MPB, como Paulinho da Viola, Martinho da Vila e Gal Costa. Também antológicas foram as capas criadas por ele para jornais da imprensa alternativa que enfrentavam a ditadura, como Opinião e Movimento. Recentemente, em 2013, um imenso painel do artista, óleo sobre acrílico, de 5,5m por 1,6m foi instalado no corredor da Câmara Federal, no Espaço Rubens Paiva, deputado seqüestrado e morto por agentes da ditadura em 1971. O painel foi doado em 2013 ao acervo da Câmara por ocasião da exposição "Parlamento Mutilado: deputados cassados pela ditadura de 1964", uma homenagem aos 173 deputados que tiveram o mandato cassado pelos militares. As imagens são fortes: mulher no pau-de-arara, uma pessoa afogada em balde, homem amarrado na "cadeira do dragão" com a "coroa de cristo" esmagando seu cérebro. Há torturadores nus, com uma arma no lugar do sexo. Assim, a escolha de Elifas Andreato tem tudo a ver com os autores, jornalistas, ambos ex-presos políticos, ambos militantes da imprensa alternativa nos anos de chumbo.
FILMES - A partir do livro, duas produções cinematográficas se destacaram: "Portas de fogo" (1984), um curta-metragem do cineasta baiano Edgard Navarro, que demorou a ser exibido publicamente. A pré-estreia, em julho de 1984, foi impedida à força pela Polícia Federal. Ao tentar mostrar o filme para um público reduzido, em recinto fechado, foi detido por três horas na sede da PF. A obra que continha elementos de ficção, numa referência à tragédia de Antônio Conselheiro, só foi liberada com a chegada da Nova República, em julho de 1985. Dez anos depois, em 1994, o cineasta Sérgio Rezende apresentou o longa-metragem "Lamarca", com Paulo Betti no papel do guerrilheiro e Carla Camuratti na pele de Iara Iavelberg. O filme representou a retomada de público do cinema nacional e foi lançado sob pressão de Nilton Cerqueira, o militar que executou Lamarca, já como general. Ele tentou através da Justiça impedir o lançamento do filme, em vão.
Na parte da revisão, os autores corrigem um erro essencial. Iara Iavelberg, a companheira de Lamarca, não se suicidou como a versão oficial noticiou, mas, foi assassinada no cerco ao apartamento da rua Minas Gerais, na Pituba. O que foi comprovado por exaustiva e longa investigação da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos e por uma persistência incansável de familiares, que lutaram durante décadas pela exumação dos restos mortais da guerrilheira. Da mesma forma, os questionamentos sobre a versão de suicídio do professor Luiz Antonio Santa Bárbara, durante a operação de cerco militar foram registrados.
Na parte da ampliação, o livro, além dos detalhamentos de muitos episódios dos bastidores das organizações armadas, acrescenta um posfácio. Nele, os autores respondem a uma pergunta: o que aconteceu no sertão da Bahia depois daquele sangrento 17 de setembro de 1971, de terror militar, violência, execuções e prisões? Durante décadas prevaleceu o medo. Entretanto, esse sentimento foi mudando com as seguidas romarias e cultos religiosos organizados pelo frei dom Luiz Flávio Cappio, bispo da Diocese e Barra. Uma cruz foi fincada no local em que Lamarca foi abatido. Depois, no mesmo local um Memorial foi construído. As câmaras municipais de Brotas de Macaúbas e Ipupiara aprovaram leis decretando feriado o 17 de setembro. Em Ipupiara, o prefeito batizou a Praça Carlos Lamarca. Fóruns e atos políticos foram realizados com presença de ministros, parlamentares e secretários de estado. Essa nova realidade é contada no posfácio. Há também o acréscimo das Referencias Bibliográficas, com citação de livros consultados, documentos e entrevistas.
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