O economicismo ou o discurso do empobrecimento compulsivo

1 - A magia do excel

Recentemente, foram emanados pela escolástica economicista portuguesa dois textos. Uma "Proposta de Programa de Estabilidade 2015/19" vindo da área governamental e um relatório designado "Uma década para Portugal" encomendado por uma área política que quer ser governo.

O primeiro tem o selo de um ignorante chamado Passos e o segundo não é assumido pelo manhoso Costa. Neste último caso, não é preciso vários doutoramentos para perceber a jogada; o homem manda 12 sumidades configurar o futuro dos portugueses para uma década, como balão de ensaio, resguardando-se, para mais tarde aparecer como o corretor ortográfico do documento ou, um género de polícia bom que se demarca do polícia mau.

O excel pode ter muitos defeitos mas um não tem; não deixa de reproduzir de modo irrepreensível o resultado dos números que lhe metem dentro. O problema, naturalmente, não é do instrumento mas, de quem o manuseia e do que vai na sua cabeça. Se tiver bom senso e ética, procura incorporar e relacionar variáveis que conduzam ao bem-estar coletivo; se ética e cidadania lhe tiverem sido ensinados como reles produtos sem cotação na bolsa, sobressai o ridículo ou o prejuízo da coletividade.

O excel do Gaspar falhou e o homem, reconhecidamente lento na expressão, precisou de dois anos para ver que os dados que havia colocado na folha de excel obedeciam a uma aritmética diferente da que revela as relações económicas e sociais. Bateu com a porta e cedeu o lugar ao Portas, bem mais habilidoso a gerir numerário.

Simbolicamente, a folha de excel do Gaspar terá ficado perdida num computador do ministério e encontrada pelas duas turmas de economicistas.

Do ponto de vista dos interesses da esmagadora maioria da comunidade dos sobreviventes em Portugal, o resultado das folhas de excel dos entes encarregados de os produzir é um aglomerado de bestialidades bem adornadas pela insípida linguagem técnica que disfarça a petulância, o espírito antissocial ou a desonestidade intelectual de muitos universitários de topo.

Será algo semelhante a folhas de excel que emite as previsões do FMI, corrigidas constantemente para que no final batam certo com a realidade, numa esperteza infantil indigna de crânios viciados na laboriosa configuração das reformas estruturais, cujos benefícios os povos - ignorantes - nunca conseguem almejar. O excel também veicula as previsões dos resultados da denodada ação governamental que a realidade se recusa a subscrever, como no caso da dívida pública, do deficit, das exportações, do investimento estrangeiro, etc. Ainda não havia excel e já o planeamento soviético se mostrava expedito na aldrabice; os dados que descreviam a realidade eram inventados para ultrapassarem as previsões do plano e revelarem assim a maestria dos gloriosos líderes da classe operária.

Os sacerdotes do excel, como aqueles que na Antiguidade antecipavam o futuro lendo as vísceras de uma galinha inscrevem-se numa longa linhagem. A modernidade na história da aldrabice é hoje bem representada pelos economicistas.

2 - Universidade, fábrica de obediência

Num país de pacóvios, com o nível de instrução mais baixo da Europa (se excluirmos a Turquia) e onde muitos se inscrevem na categoria de homo videns, dado o tempo passado defronte da televisão, é cultivada a deferência por políticos comentaristas ou por produtos da universidade, sobretudo se bem-falantes, de onde sai, empacotado, o "Conhecimento", a escolástica economicista, neoliberal.

Essa deferência tem raízes que remontam a uma passada e miserável ruralidade, à Inquisição e ao fascismo. No tempo de Salazar era hábito, em Coimbra, tratar-se por doutor qualquer adolescente com capa preta. Hoje, continua a usar-se, na linguagem verbal ou escrita, como prefixo para o nome de qualquer produto da universidade, um Dr., um Doutor, um Professor, quando não um Professor Doutor. E, entretanto, voltou a usar-se em escolas superiores aquela farda que se tornou símbolo da idiotia alcoolizada das praxes, que merecem a infinita benevolência de acomodados reitores.

É evidente que este modelo cultural elitista se esboroa quando dezenas de milhares de jovens doutrinados na obediência emigram sem retorno, como quaisquer reles proletários; ou, quando se observa, nos que ainda vivem em Portugal - desobedecendo a Passos, com a recusa da emigração - um desemprego massivo ou pagas precárias de € 500. Mas, mantém-se, na plebe, a deferência pela opinião de uns quantos comentaristas, construtores do conservadorismo que torna passiva e atávica a sociedade portuguesa. Veja-se a notoriedade televisiva daquele lente capaz de ler 50 índices e prefácios de livros por dia e de promover um livro sobre caroços de pêssego, entre duas irrelevâncias de caráter político. Na realidade, o pior não é o lente nem as suas vacuidades mas, os que se apoucam ao sorver as suas palavras.

A universidade tornou-se uma fábrica de especialistas apesar de a palavra apontar para o conhecimento da globalidade, da realidade, forçosamente una. A universidade é capaz de promover a ciências, simples técnicas empresariais ou contábeis e o empreendedorismo, a competição e o individualismo são os instrumentos privilegiados de atuação, em detrimento da lógica colaborativa que promoveu o alargamento, a densificação e a difusão do conhecimento, desde os tempos mais remotos. Nessa lógica competitiva, o desempenho mede-se pelo número de papers, de bolseiros precarizados, em rácios de custo/benefício, com a utilização frequente de colagens de textos retirados da internet e longas referências bibliográficas para impressionar; a criatividade será a possível desde que se não melindre as opiniões expendidas pelo supervisor e não sejam esquecidas as referências aos seus papers. Por último, o produto final tenderá a não ser grande coisa.

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