Democratizando o Brasil

Esse é um acontecimento muito importante para o aperfeiçoamento da democracia brasileira, mas a falta de hábito e de informações mais precisas sobre o significado do referendo está gerando dúvidas e até mesmo suscitando objeções. Muitos ainda não perceberam a utilidade dessa consulta e acham que se está gastando dinheiro inutilmente com a publicidade do referendo e sua organização e que se está impondo ao povo mais um sacrifício, obrigando-o a ir votar.

O primeiro ponto que deve ser ressaltado é o sentido democratizante do referendo. Nos séculos 16 e 18, combatendo os excessos dos reis absolutistas e da nobreza privilegiada e arbitrária o povo conquistou o direito a um governo democrático, que fosse a expressão da vontade geral e que, portanto, agisse dando prioridade aos interesses comuns de todos os governados. Tendo em conta as limitações da época, reconheceu-se que o ideal seria que o povo decidisse diretamente sobre os assuntos de seu interesse, mas, pela impossibilidade prática de ter um povo numeroso reunido a cada dia, a democracia seria indireta. As decisões deveriam ser tomadas com base nos princípios democráticos, mas o povo elegeria representantes para decidir em seu nome. Daí nasceu a moderna democracia representativa.

Com a experiência adquirida até o século 20, já ninguém tinha dúvida de que o sistema representativo continha imperfeições, a começar pela dificuldade para o estabelecimento de um sistema isento de falhas e imune às diversas formas de corrupção que distorcem o processo eleitoral. Verificou-se que muitas vezes o representante, motivado por outros interesses, põe os representados em segundo plano e decide contrariamente à vontade do povo. Por esse motivo foram implantados mecanismos de participação popular mais direta, que os teóricos classificam como institutos de democracia direta ou semi-direta. Entre esses é que se encontram o plebiscito e o referendo. O primeiro é para consultar o povo sobre assunto de seu interesse que deverá ser objeto de futuras decisões, enquanto o referendo é usado para que o povo diga se está de acordo com alguma decisão já tomada. Referendar a decisão é confirmá-la.

No caso do Brasil, a Constituição de 1988 previu o plebiscito e o referendo, mas já na Assembléia Constituinte ficou patente que muitos representantes não viam com simpatia essas formas de manifestação. Contrariando os princípios democráticos, os representantes do povo restringiram um direito fundamental do povo, o de manifestar sua vontade. Essa restrição é inconstitucional, porque contraria os fundamentos da Constituição, mas ainda não houve esse questionamento perante o Supremo Tribunal Federal, o que, muito provavelmente, acabará acontecendo.

O povo deverá manifestar sua concordância com o que foi decidido pelo Congresso Nacional quando aprovou projeto de lei sobre o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição, que resultou na Lei número 10.826, de 22 de dezembro de 2003. De acordo com esta lei, ''é proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no artigo 6º'', no qual foi feita a enumeração, em nove incisos, das entidades que podem ter armas, entre elas ''as de desporto legalmente constituídas''. No parágrafo 1º do artigo 35 está previsto expressamente o referendo: ''Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005''.

A realização desse referendo é um fato extremamente importante para o aperfeiçoamento do sistema democrático brasileiro e por isso o custo está justificado. É preciso que o povo adquira o hábito de se pronunciar diretamente sobre as decisões que são importantes para a sociedade brasileira, pois desse modo os representantes serão forçados a prestar mais atenção à vontade do povo e estarão menos livres para negociar suas posições. E os que fazem do mandato um balcão de negócios ou um instrumento para a defesa de seus próprios interesses terão mais dificuldade para trair a vontade dos eleitores. Longe de ser um sacrifício imposto ao povo, o referendo é um valioso instrumento de ação política, que deverá ser usado muitas vezes para que o Brasil seja governado mais democraticamente.

*Jurista

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