Brasil é um Paraíso

MN : Dr. Timothy, me lembro da nossa primeira entrevista há precisamente um ano atrás, quando o senhor me falou acerca da sua impressão sobre o Brasil, país que na altura disse que ia conhecendo aos poucos e de que gostou muito. Um ano depois, como vê as coisas por aqui?

TBH: Primeiro nada de doutores nem de Timothy's, sou Timi. Bem, não é que não tenha tido contacto com o Brasil ao longo deste ano, pois temos na PRAVDA.Ru uma grande equipa de jornalistas aqui, grande em todos os sentidos, que me mantêm informado sobre os acontecimentos, e alem disso há muitas instituições políticas e ONGs brasileiros que enviam material original para nós. De facto os brasileiros abraçaram o projecto PRAVDA.Ru com muito entusiasmo e amor, mostrando o tamanho daquele coração...por isso não houve uma pausa entre as visitas deste ano e o ano passado mas evidentemente, estando cá é que uma pessoa sente mais a realidade e não só lê sobre ela.

MN: E qual é esta realidade?

TBH: Bem, o que eu sinto, é que há duas correntes, dois assuntos de grande relevo neste momento – no nível político, uma certa histeria acerca do financiamento dos partidos e no nível social, muito relevo sendo atribuído à falta de segurança.

MN: Usa o termo “histeria” por quê?

TBH: Bem, há que realçar que a corrupção nos partidos políticos, que foram democraticamente eleitos, é um insulto às boas pessoas que tiveram o trabalho de irem às secções de voto depositar sua fé neles e que é completamente inaceitável em qualquer situação.

Mas acho que aqui há um certo oportunismo daqueles que tiveram suas facas afiadas, esperando a oportunidade de as enfiar nas costas do PT também. Primeiro, temos de ver que não se trata do Partido dos Trabalhadores, se trata de um número reduzido de deputados de vários partidos apanhados a fazer o que historicamente muitos fazem há muito tempo, nomeadamente angariar fundos de forma ilegal para suas campanhas políticas. Quem for apanhado ]e que paga a conta mas aqueles que não são apanhados não fazem a mesma coisa?

Segundo, será que durante o governo de FHC nada disso acontecia? Será que deputados do PSDB nunca receberam nenhum pagamento para financiar suas campanhas? Será que a direita no Brasil é um anjinho político que nunca fez nada que não devia? Claro que não e você sabe melhor que eu dos muitos casos documentados disso.

Terceiro, o escândalo não atinge as bases do PT e não ofusca o excelente trabalho que está sendo feito. Os indicadores falam por si, afinal. Menor desemprego, maior taxa de escolarização, exportações aumentadas, produção superior, desinflação, comparado com a hiper-inflação dos tempos dos governos da direita e a corrupção amiúde.

Quarto, há muita gente a falar sobre a corrupção mas quantas destas pessoas nunca pagarem vinte reais ao polícia de trânsito para fazer vista grossa a uma transgressão, quantas destas pessoas não pagaram uma quantia ao fiscal que veio ver se a barraca que construíram atrás da casa era legal?

Apoiar o PT nesse momento evidentemente não inviabiliza os projectos dos partidos da esquerda mas sinto que há um grande perigo no Brasil das forças de direita entrarem pela porta de trás nas próximas eleições só porque todos decidiram cair por cima do governo PT.

MN: E não considera o PT como partido da esquerda?

TBH: Não, francamente. Acho que há gente na ala esquerda do PT que têm um projecto político da esquerda – como houve no caso do grupo que teve a coragem de sair do PT e formar o P-SOL – e penso mesmo que no início, houve uma grande vontade de instalar uma política de esquerda, mas que o PT ficou refém de certas forças institucionais aqui no Brasil que puxam os cordéis do poder e que realmente controlam os acontecimentos no país.

Acho mesmo que há muita gente no PT que acreditam numa política de esquerda, por isso acho que é um partido esquerdista mas sem ser propriamente da esquerda porque uma vez no poder, viu que as forças da direita eram bem mais implantadas do que suponharam muitas pessoas.

Acho que o PT depressa entendeu que se não jogasse a bola com esses entidades, então o programa seria inviabilizado e que, em aceitar jogar com estas forças, o PT se distanciou das suas bases e das pessoas que quiseram ver um projecto de esquerda. Mas isso é a realidade política, ninguém vai mudar isso de um dia para o outro e se os partidos da esquerda pensam que vão vencer as próximas eleições, acho que não vai acontecer.

MN: Então o que deve a esquerda fazer?

TBH: Sabem eles muito melhor do que eu, mas eu vejo a manutenção do PT por pelo mais outro termo no governo como sendo imperativo para toda a esquerda, mesmo que o PT não seja propriamente uma formação aceite por toda a esquerda. Aliando-se ao PT e viabilizando seus projectos, mas a uma certa distância, é que a esquerda garante que partidos mais a direita do PT não voltem ao poder, enquanto estes partidos de esquerda cresçam gradualmente.

Quem pensa que por exemplo o P-SOL vai formar governo nos próximos 12 anos ou é diminuído mental ou então não percebe nada da política. Porém, que o P-SOL tem um espaço válido e espaço para crescer, tem. É ver o exemplo do Bloco de Esquerda em Portugal, que soube gerir seu espaço e que está a crescer gradualmente sem a paranóia de vencer eleições, até um dia talvez. Co-existe ao lado do PCP e as duas formações já têm cerca de 17% de intenções de voto, expressa já este ano nas legislativas.

Por isso penso que a manutenção do PT é imperativo, enquanto as formações da esquerda, assumida, criem seu espaço e cresçam. Está visto que o modelo capitalista monetarista não funciona e as pessoas um pouco por todo o mundo estão virando à esquerda. Mas a esquerda tem de se organizar e não fragmentar-se.

MN: E referiu a falta de segurança no Brasil?

TBH: Sim, é interessante que todo o mundo fala disso. As pessoas falam de quantos assaltos assistiram, falam de quantas vezes foram assaltadas, que têm medo de sair de casa e que a vida social é ir de carro visitar amigos ou familiares num condomínio fechado, sempre evitando os pontos quentes. Mas eu continuo a não ver absolutamente nada em termos de insegurança e posso dizer já que conheço muito bem o Ceará e várias cidades no Brasil, como Fortaleza, Recife, Natal, Salvador de Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro e um pouco do interior do país também. Vi uns rapazes a snifarem cola uma vez, outra vez fui abordado por um indivíduo que me pediu dinheiro de forma mais agressiva. Levou com a resposta “Vai assaltar os seus, seu filho da p...” e foi-se embora com cara de quem tinha visto um fantasma. Isso a parte, só vejo pessoas educadas e agradáveis, seja qual for seu nível socio-económico, se se pode falar nestes termos sem snobismo.

MN: Mas o Timothy é uma pessoa muito viajada e tem um sexto sentido, conhece a rua, por assim dizer, não será mais assim?

TBH: Sim, talvez sem aperceber disso, quando estou por cá não ando como os turistas porque tenho casa aqui, vivo como um brasileiro, com minha esposa brasileira, visto-me como um brasileiro e de facto não ando com uma seta na testa que diz “Turista! Me assalte!”

Acho que cá no Brasil são muito frontais com esse assunto, não tentam esconder a questão e qualquer assalto faz manchete. Se fizessem isso nos países europeus, nem haveria espaço para mais notícias! Acho que os mídia realçam a falta de segurança porque é isso que vende, é isso que o povo quer e por isso é o prato que lhes é servido.

Que há problemas sociais, sem dúvida. Mas será que é tão perigoso assim andar pelas ruas deste lindo país? Será essa a mensagem que querem passar para o exterior?

MN: E qual é sua ideia sobre o Brasil de forma geral? Gostaria de viver aqui entre nós?

TBH: Já resido de facto, porque tenho aqui casa e me sinto em casa quando estou aqui. Acho que o Brasil é um Paraíso e tem muito mais a favor do que contra. Tem um povo maravilhoso, alegre, simpático, pronto para ajudar na hora, tem uma gastronomia variadíssima, tem paisagens lindas e é importante dizer que o Brasil não é só praia e bola e mais do que todo isso, tem aqui um espírito especial, que acaricia o visitante com um sentido de bem-estar. É agradável estar no Brasil.

MN: Para terminar, três coisas que queria que fossem melhoradas até a altura da sua próxima visita no próximo ano?

TBH: Sim, Fevereiro, provavelmente, depois Abril e depois Setembro. A melhorar? Primeiro, a confiança na classe política que não é tão má como dizem por aí; segundo, mais confiança nas forças de manutenção de ordem e terceiro, a continuação dos níveis de progresso social atingidos nos últimos três anos.

Ordem e progresso, afinal, são duas palavras que muito tem a ver com o espírito do Brasil.

Por qualquer razão as pessoas votaram em Lula nas últimas eleições, não se esqueçam disso...porque a memória é curta às vezes e no calor do momento poder-se-á fazer mais estragos do que remédios.

Melton NASCIMENTO

* Timothy Bancroft-Hinchey é director e chefe de redacção da versão portuguesa da PRAVDA.Ru

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