Abertura econômica e processo de integração regional: Uma perspectiva política

Segundo Ministro das relações Exteriores, Celso Amorim, a linha de atuação do presidente Lula para a política externa brasileira prevê um esforço interno de aumento da competitividade dos produtos brasileiros e a diversificação da pauta de exportações, deixando claro que o país não pode deixar de pressionar as principais potências econômicas por regras mais justas, respeitando o direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre seu modelo de desenvolvimento. Na mesma medida em que o país desistiu, no início dos anos noventa de manter uma política protecionista, passa a atuar de forma cada vez mais contundente na defesa da liberalização e no patrulhamento da atitude de seus parceiros comerciais, buscando não ter seus próprios interesses prejudicados por atitudes protecionistas de governos estrangeiros.

A luta pelo desenvolvimento econômico e social passa, portanto, a estar cada vez mais vinculada ao mercado globalizado. Ainda segundo Amorim, o governo Lula tem procurado reforçar os laços econômicos e de amizade no Mercosul (Mercado Comum do Sul, processo de integração Regional envolvendo Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai), promovendo a integração da América do Sul e explorando novas parcerias comerciais -sobretudo com os grandes países em desenvolvimento.

Estes são os princípios norteadores da ação brasileira no que diz respeito às relações exteriores: as questões econômicas estão no topo da lista de prioridades, sendo consideradas vitais para a solução de outras questões. Na medida em que a busca pelo desenvolvimento econômico traz em seu bojo a justiça social pelo aumento da riqueza disponível – segundo a visão do Itamaraty – justifica-se a adoção de uma linha de condução de política externa focada basicamente sobre o liberalismo econômico ou sobre seu oposto, o protecionismo. Como a linha histórica de condução de política externa do Itamaraty tem se mantido bastante homogênea não é de se estranhar que os processos anteriores de integração regional tenham falhado, na medida em que eles não transcendiam estas questões.

Historicamente no Brasil tem se adotado uma política de defesa dos interesses “nacionais” das empresas instaladas em nosso território baseadas no protecionismo tarifário, sem a contrapartida de políticas de incremento de produtividade. A ausência ainda mais sentida de políticas públicas de justiça social, e a incapacidade governamental de fazer com que fosse estabelecida no país a racionalização no aproveitamento dos recursos econômicos – seja no sentido de reduzir desperdícios no sistema produtivo e de distribuição de mercadorias, seja na distribuição racional dos benefícios do progresso econômico – levam a que apesar do viés econômico da política externa, pouco se tenha conseguido avançar nesta área durante muito tempo, justamente devido à incapacidade de se conseguir uma coordenação minimamente coerente de política econômica voltada para o aumento de competitividade. A dificuldade de coordenação na ação governamental não permitiu que processos de integração regional pudessem ter se desenvolvido “de cima para baixo”, como foi pretendido pelos governos autoritários que buscaram promovê-los. As características centralizadoras presentes nos estados latino-americanos, que tanto contribuíram para o célere desenvolvimento do Mercosul não obtiveram anteriormente o mesmo efeito, de modo que per si, elas não explicam seu desenvolvimento.

O nacionalismo econômico agia como uma grande trava para o entrelaçamento entre estes países. Tal isolamento baseado no impedimento da entrada de produtos importados e no cerceamento da entrada de investimentos externos reduziu – ou não permitiu que passasse a existir – a competitividade dos vários setores econômicos desses países, constituindo mais um elemento a dificultar o surgimento e a reduzir o interesse dos empresários e agricultores no processo de integração regional, mesmo que este fosse apenas uma empreitada localizada.

É importante notar, no entanto, que medidas protecionistas não necessariamente conduziriam a este tipo de resultado. Os países chamados tigres asiáticos, mantiveram durante muitos anos políticas protecionistas que visavam proteger e incentivar a indústria nacional e permitiram que seu parque industrial se desenvolvesse, atingindo altíssimos índices de produtividade e de qualidade, além de dota-las da capacidade de produzir inúmeras inovações tecnológicas, a ponto de faze-las concorrer com as principais potências econômicas do globo. A Coréia do Sul é um caso exemplar.

Pode-se também fazer uma clara distinção entre a atuação das grandes e pequenas empresas no que diz respeito à sua estratégia de inserção no mercado regional e global, há também uma clara convergência de interesses.

O interesse das médias e pequenas empresas pelos processos de integração regional é determinado, em larga medida, por sua capacidade de vinculação com outros setores da economia, e esta vinculação está diretamente relacionada com sua capacidade competitiva para participar de determinados nichos de mercado.

Desse modo, se o grande empresariado sempre viu com bons olhos a abertura e estaria mais bem preparado para enfrentá-la, o pequeno e médio empresariado tinha grande interesse (embora de forma pouco homogênea; não se pode dizer que todos ou mesmo a maioria dos empresários deste porte seriam beneficiados por este processo, mas havia sem dúvida a atração da potencialidade que pairava no ar a atiçar-lhes a cobiça) em atuar nos possíveis novos nichos de mercado, que em momento de crise e de estagnação econômica poderia exercer um fator de atratividade ampliado. Como há um óbvio desnível na capacidade de pressão destes grupos, apesar das vantagens relativas de que poderiam dispor, o fato é que diante das políticas unilaterais de liberalização comercial, os pequenos e médios empresários foram forçados, de uma forma ou de outra a abandonar as práticas empresariais típicas de um mercado fechado e sem competição, caracterizado pelos monopólios ineficientes.

A estas empresas restava apenas aceitar o desafio de modernizar os modelos tecnológicos e de gestão e partir em busca de sócios dentro e fora do país, além de partir para a conquista de novos mercados, visto que com a abertura do mercado interno para a concorrência estrangeira, as oportunidades caseiras escasseavam. O apoio governamental a este desafio pode ser considerado pífio em todos os países membros do Mercosul, embora no Brasil, os mecanismos de apoio tenham sido superiores àqueles oferecidos pelos outros países membro.

A despeito de seu viés eminentemente economicista, a força motriz do mercosul é política. Isso significa que a América do Sul é a prioridade da política externa brasileira, e o objetivo da integração econômica e da cooperação política e social deveria levar a uma atitude brasileira que reconhecesse as assimetrias e procure equacioná-las de forma generosa. Ao menos este é o teor do Discurso Proferido pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Geral das Relações Exteriores, por ocasião da Transmissão do Cargo de Secretário-Geral das Relações Exteriores em 09/01/2003 em Brasília.

O equacionamento das assimetrias de forma “generosa” como propôs o embaixador, só pode ser possível a partir de uma tomada de posição que privilegie não apenas os resultados econômicos da integração, mas também – e talvez, principalmente – seus dividendos políticos no cenário mundial. Este é mais um paradoxo neste processo tão complexo: a política externa do país privilegia as questões econômicas, entretanto, ela é vista não como um fim em si mesma, mas como uma forma de se obter outros resultados; desta forma, constituiu-se um processo de integração regional baseado no liberalismo econômico com o objetivo de se atingir dividendos políticos como meta principal. Tais dividendos políticos se refletiriam numa posição de liderança do Brasil na América Latina e numa participação mais ativa no cenário mundial, na condição de potência regional.

Este objetivo não vem se traduzindo em conquistas reais de forma tranqüila, na medida em que o surgimento de uma classe empresarial disposta a apostar suas fichas no Mercosul gerou também interesses próprios de um grupo de pessoas que não têm a intenção de fazer concessões do porte pretendido pelo poder público.

O fato é que abertura comercial por si só de nada serve para desenvolver um país.

Rodrigo Alves Correia [email protected]

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