Prisões em Portugal: Carta aberta ao Senhor Ministro da Justiça

Lisboa, 27-07-2005 N.Refª n.º 43/apd/05 Carta aberta ao Senhor Ministro da Justiça

Pela implementação em Portugal do Protocolo Adicional da ONU contra a tortura

A respeito do sistema prisional, anunciou V. Exa. ter decidido terminar com a fase histórica do vetusto balde higiénico. De facto é uma prioridade pragmática que ninguém poderá contestar e para cuja realização, estamos de acordo, será preciso um investimento político determinado, sob pena de voltar a não ser cumprido.

Nesta nossa carta, porém, queremos chamar a atenção do senhor Ministro para o facto, incómodo mas real, de as práticas de tortura nas prisões portuguesas estarem – tanto quanto nos é possível observar pelos relatos que nos chegam – a tomar proporções cada vez mais gravosas, sem que as instituições que directa ou indirectamente tutelam o que se passa nas prisões esbocem sequer reacções, de todo em todo, exigíveis num Estado que se auto-declara de Direito.

Principalmente numa conjuntura onde os Direitos Humanos e o respeito pela dignidade humana estão no centro do debate político nacional, europeu e internacional, a propósito da guerra do Iraque, do terrorismo e especialmente do futuro das nossas sociedades civilizadas e dos nossos filhos.

Para nós, na associação, é intolerável qualquer margem de manobra oferecida à tortura. E temos vindo a reclamar, durante todos os anos da nossa curta existência, pelo respeito pelos direitos consignados na Lei portuguesa, sabendo que seria demasiado radical pedir o respeito pela dignidade dos seres humanos sem um suporte normativo.

Temos constatado o repúdio surdo, mas virulento, de algumas personalidades com altas responsabilidades públicas neste domínio, a quem custa a impossibilidade de poder negar aquilo que temos vindo a deixar cada vez mais claro aos portugueses e portuguesas: nas prisões campeiam a impunidade criminal e a arbitrariedade conspiratória, com conhecimento e indiferença (impotência?) das instituições tutelares. Para desespero dos verdadeiros profissionais do sector e dos detidos que querem fazer da Justiça uma ideia positiva.

Não é nossa intenção fazer política. Temos consciência clara da herança absurda que V. Exa. herdou. Provam-no as diversas estratégias políticas – todas falhadas – que desde o investimento tecnológico, ao endurecimento dos regimes penitenciários – aliás à margem da lei, à privatização ou à Reforma Prisional vivemos desde que o Provedor de Justiça mostrou aos portugueses, no seu primeiro relatório de 1996, a situação das prisões em Portugal. Quando escrevemos que estamos de acordo com o empenho do vosso ministério na erradicação do balde higiénico não é por ironia.

É porque sabemos – e temo-lo afirmado publicamente – que o sistema prisional não responde ao comando político. E, nessas condições, há que ir passo a passo. Firme e atentamente.

Por isso nos dirigimos a V. Exa., para lhe chamar atenção, bem como aos portugueses, do processo em curso a nível global de organização do combate contra a tortura, com base numa decisão do plenário da ONU que juntou ao tratado já existente contra a tortura – e actualmente insuficiente, também subscrito por Portugal – um Protocolo Adicional, a cuja subscrição e ratificação o governo espanhol atribui recentemente prioridade.

A implementação de sistemas de prevenção contra a tortura não bole com questões orçamentais. Decorre sim de um imperativo ético e das competências morais implantadas nas diferentes sociedades.

E é indispensável ser entendido, na actual conjuntura de crise económica mas também moral, como um investimento estrutural capaz de ganhar para o Estado a sua credibilidade fundadora: a de ser capaz de garantir a contenção da violência através de instituições apropriadas.

Numa época de perda de Direitos – económicos e de circulação, por via das crises e de segurança – é indispensável incrementar fortemente a racionalidade, isto é dar luta à “cunha” e à informalidade nas organizações, em especial as que dependem directamente da tutela judicial, como são as prisões.

A Direcção SOS Prisões

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