Resposta ao artigo "Antibrasileirismo"

Está de moda na imprensa brasileira, e também na Argentina, afirmar que o Mercosul está por um fio, que os dois principais membros são hostis um ao outro, e que o presidente argentino Nestor Kirchner é contrário à integração sul-americana. Sem dúvidas, existem divergências dentro do Mercosul, e mais ainda entre Brasil e Argentina: por serem os maiores países, são também os que têm mais interesses por defender. Mas também não cabe dúvidas de que essas divergências são exageradas, como os próprios chefes de governo e outros importantes funcionários atestaram inúmeras vezes. Remeto ao meu artigo “O Fim do Mercosul?”, que rebate os exageros e mostra que o Mercosul vai bem, e os problemas são muito menores do que alguns pretendem.

Porém, o artigo de José Schettini merece algumas correções, por mostrar uma imagem errônea do presidente argentino que se está propagando pelo Brasil. Sim, Kirchner é populista e quer mostrar liderança forte – mas não pretende enfraquecer o Mercosul, e muito menos cancelá-lo. Como já afirmei antes, o Brasil é o principal destino das exportações argentinas, e vice-versa. O fim do Mercosul seria uma tragédia econômica para ambos países.

O que Kirchner realmente quer é fortalecer a indústria de seu país. A Argentina era, até a década de 80, o país mais industrializado da América Latina, com excelente infra-estrutura e um nível de vida consideravelmente superior ao da média da região. A hiper-inflação, na década de 80, causou grandes estragos. E a convertibilidade, que estabeleceu a paridade entre o peso e o dólar durante o governo Menen, gerou o desmantelamento de grande parte do parque industrial argentino. Exportar era muito caro, importar muito barato, e isso arrasou a produção local.

Depois de mais de 10 anos sem política industrial, o governo interino de Eduardo Duhalde e o atual de Nestor Kirchner querem restaurar a produção, para diminuir o alto desemprego e melhorar o nível de vida. Tiveram sucesso com a desvalorização da moeda, que permite exportar e produzir para o mercado interno, e muitas indústrias foram recuperadas. Agora, com o fim do default da dívida externa, é de se esperar que os investimentos estrangeiros voltem aos poucos.

Kirchner não é contrário à integração com o Brasil ou o fortalecimento do Mercosul, porque são imprescindíveis para a reativação econômica de seu país. O que ele quer é diminuir a disparidade comercial entre os dois países: hoje o Brasil exporta principalmente produtos industrializados, e a Argentina matérias-primas e produtos agrícolas. Talvez se equivoque em pedir proteções alfandegárias, mas isso não significa que ele deseje o fim do Mercosul. E o governo de Lula tem agido corretamente e se mostrado disposto a corrigir essa disparidade, oferecendo não só à Argentina, mas a todos os membros do Mercosul, financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).

Seja como for, afastar a Argentina do Brasil e do Mercosul não seria um ato muito popular: duas pesquisas de opinião, realizadas nas duas últimas semanas, mostraram que a maioria dos argentinos desejam uma maior integração, e não o oposto.

Mas onde o artigo de Schettini mais peca é ao descrever o racismo argentino, como se neste país houvesse uma espécie de doutrina racista de “pureza racial”. Sim, há racismo na Argentina, como também há no Brasil e em qualquer outro lugar do mundo. Mas, como brasileiro morando em Buenos Aires, posso afirmar que o problema é pouco grave, e não existe ódio generalizado contra nenhum grupo racial ou nacional. Os argentinos adoram os brasileiros, todos os que têm algum poder aquisitivo foram pelo menos uma vez a Florianópolis ou a Camboriú, consomem muita cultura brasileira (principalmente música), e muitos se interessam por aprender português.

O caso de racismo no jogo entre o Quilmes e o São Paulo também é exagerado. Como disse Pelé, que é não apenas um grande jogador mas também um homem de muito bom-senso, no campo se dizem coisas muito piores que chamar alguém de “negro”, e isto não é motivo para processo penal. E mesmo que De Sábato tenha sido racista, não significa que todos os argentinos sejam.

Os argentinos talvez tenha sido mais arrogantes, nos tempos de bonança econômica. Hoje, não se sentem superiores a ninguém, e talvez agora o problema seja o oposto: há uma sensação de inferioridade bastante forte, inclusive em relação ao Brasil. Alguns inclusive mostram este país como exemplo de sucesso, que deveria ser seguido.

Existe até hoje, tanto no Brasil quanto na Argentina, uma certa rivalidade entre ambos países, apesar do Mercosul e de uma possível Comunidade Sul-americana. Ainda perdura enfraquecido o antigo projeto de alguns brasileiros e argentinos de fazer com que seu país seja o líder único e indiscutível da região. Este projeto não é apenas indesejável, mas irrealizável. Como bem afirmou Lula, Brasil e Argentina tem que gostar um do outro porque se necessitam. Sem integração, não é possível o desenvolvimento econômico e a projeção estratégica.

Carlo MOIANA Buenos Aires Pravda.ru

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