O Estudo das Literaturas Africanas

Refere-se à importância das Literaturas Africanas enquanto possibilidade de estudo pelos alunos, jovens e adultos, afro-descendentes nas salas de aula de alfabetização na cidade de São Paulo que não tiveram condições de estudar quando crianças.

Pretende-se discutir aspectos relacionados ao ensino das literaturas africanas em salas de aula de Educação de Jovens e Adultos (EJA); levantar alguns dos aspectos relacionados ao estigma da população atendida nesta modalidade de ensino e, finalmente, apontar elementos que contribuam para a discussão da formação do professor dos anos iniciais da escolarização de jovens e adultos. Para tanto, este texto seguirá a seguinte ordem: 1. A importância do estudo da Literatura Africana; 2. Reflexões acerca da identidade do afro-descendente e 3. A formação do professor alfabetizador.

Sendo assim, em primeiro lugar, apresentamos elementos que indicam a importância do debate nos diferentes níveis de ensino acerca da conexão Atlântica – Brasil e África – no que diz respeito à história, memória e identidade destes dois “continentes”.

A história de Brasil e África aproxima-se com o início do tráfico negreiro, promovido e sustentado pela colonização portuguesa, do continente africano para o Brasil para que esta população escravizada realizasse os trabalhos “pesados” na colônia.

Esta exploração bestial ocorreu durante o período imperial brasileiro e foi até às vésperas do período republicano, deixando suas conseqüências sócias, econômicas e culturais até os dias de hoje.

No momento da abolição da escravatura no Brasil, 1888, os africanos e seus descentes que aqui se encontraram ganharam o status de homens e mulheres livres, porém em uma condição de extrema desigualdade frente aos portugueses e seus descendentes que aqui se encontravam: estavam sem terra, sem trabalho e sem escola. Dito de outro modo, na história do Brasil, depois da Abolição, o negro pegou em fuzis, mas não foi incorporado, na mesma medida, como cidadão; e sob o pretexto do analfabetismo, o negro ficou fora dos processos eleitorais, como eleitor e eleito, durante muito tempo.

Hoje constatamos que os descendentes destes homens e mulheres encontram-se, não em sua maioria – note-se bem - nos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da cidade de São Paulo. Paralelo a este fato, sabe-se que no Brasil nega-se a questão do preconceito racial, posição política que é a pior forma de racismo que pode existir em uma sociedade.

Neste contexto, é de suma importância, por mais difícil que seja para todos, promover, conforme já apontamos anteriormente, o debate sobre a conexão no Atlântico que funcionou no período de 1850 a 1889 com os navios negreiros.

Por isso, apresentamos como proposta para esta “conexão”, uma metodologia de ensino que aborde a relação Brasil / África, inicialmente por meio das Literaturas Africanas, inclusive para ressaltar a beleza destas populações que formam este continente em termos da riqueza cultural, da diversidade que nele se encontra. Assim, defendemos uma proposta de ensino para os primeiros anos da escolarização de jovens e adultos que se inicie pela difusão da cultura africana, raízes do povo brasileiro, antes e fora da escravidão; da tradição e da contemporaneidade.

Ilustramos esta abordagem de ensino, utilizando-nos de um dos grandes nomes das Literaturas Africanas: Pepetela, autor de magnífica obra que pode apresentar parte da África para alunos de EJA e por meio desta, promover o debate sobre questões que surgirem pertinentes à temática deste artigo.

Para que a obra de Pepetela faça parte de uma aula de alfabetização, faz-se necessário que o professor de EJA em questão apresente para seus alunos, junto com o mapa do mundo, um pouco da história de Angola.

Sendo assim, o tráfico de escravos, o longo período em que Angola ficou sob o domínio português, a Guerra Civil de Angola, dentre outros aspectos históricos, geográficos, sociais, econômicos e culturais precisam ser estudados em sala de aula. Dito de outro modo sugere-se que seja apresentado, em linhas gerais, o contexto em que a produção literária ocorre ou ocorreu.

Feita esta contextualização mínima em sala de aula, isto, em maior ou menor profundidade, dependendo do grupo de alunos com o qual se trabalha, há que se conhecer um pouco da biografia de Pepetela, escritor angolano e um dos nomes mais relevantes da Literatura contemporânea de Língua Portuguesa, já que conhecer a vida do autor auxilia na compreensão da usa obra e, neste caso, facilita o conhecimento sobre o país estudado o que implica na construção de conhecimento sobre a história de Angola, seus povos e suas lutas.

Feitas estas apresentações acerca de Angola e Pepetela, país e autor que tomamos como exemplo, sugerimos aos professores de EJA que apresente aos seus alunos o livro “As Aventuras de Ngunga” já que, do nosso ponto de vista, ele é interessante para adolescentes e adultos, público-alvo nesta modalidade de ensino, pois descreve os percursos pelo interior do país dando a imagem dos ideais políticos do povo angolano, remetendo-nos à história das tradições de Angola que o autor retrata e à geografia deste país: sua fauna, flora do país e seus pássaros com suas cores.

Deste modo, ler para os alunos, pouco a pouco, dia a dia, esta obra; fazer com que o próprio aluno de EJA leia este trabalho; é um incentivo para que questões relativas a preconceito, discriminação, desigualdade social, ações afirmativas, enfrentadas no cotidiano por afro-descendentes em situação de baixa escolarização, sejam discutidas. Ou seja, por meio de uma obra literária forte, bem escrita podem-se discutir questões relevantes para alunos que sofrem forte processo de exclusão social e que, ao discuti-las, possam construir um conhecimento necessário para o enfrentamento da realidade brasileira em que estão inseridos.

Nesta acepção, podemos dizer que a comunidade negra que atua em grupos de ações afirmativas tem buscado criar uma identidade que não se relaciona diretamente com a cor da pele ou com a ascendência africana, mas que busca demonstrar uma certeza de que somente quem vive as raízes culturais africanas encontrará forças para se sentir capaz de argumentar a favor da inserção do afro-descendente na sociedade brasileira.

Dito de outro modo, cultura africana nesta perspectiva do “ser” passa pelo “ter” conhecimento e implica em inconformismo, na permanente disponibilidade de transformação, rejeitando toda e qualquer forma de atrelamento, enquadramento, tutelagem. Quem não conhece formas estabelecidas corre o risco de repeti-las sem nada trazer de novo. Os dados sobre cultura e civilização africanas aos quais se tem acesso instruem a tomada de decisão, permitindo que se percebam as contradições da vida coletiva, no momento e no tempo, bem como na vida pessoal nas suas relações com o mundo.

Em outras palavras, se a “cultura” é a realização de múltiplas atividades culturais que não serão realizadas para as pessoas, mas com elas... Como por exemplo, em bairros periféricos da cidade de São Paulo, com matriz cultural afro-descendente, é fundamental que os responsáveis por suas atividades culturais estejam integrados no seu cotidiano, que conheçam os seus códigos e falem a sua linguagem, e para tanto, questões relativas à formação do professor de EJA são de suma importância, especialmente porque estes não tiveram em sua formação inicial a possibilidade de adquirir conhecimento relativo às culturas africanas que lhes permitissem a apropriação de elementos essenciais pertinentes à civilização africana.

Em suma, esta proposta aponta caminhos para a descoberta de saberes escondidos pelos colonizadores.

Autora: Nilce da Silva. Profa. Dra. da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Coordenadora: Projeto Acolhendo. E-mail: [email protected]. Site: www.projetoacolhendo.ubbi.com.br

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