A História da Educação no Timor-Leste e os seus distintos Processos de Alfabetização

Autora: Nilce da Silva

Profa. Dra. Da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

Coordenadora do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão: Estudos sobre Populações (I)migrantes no Brasil e no Mundo: o papel da instituição escolar. SITE: www.projetoacolhendo.ubbi.com.br

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A História da Educação no Timor-Leste e os seus distintos Processos de Alfabetização.

O Crocodilo andou, andou, andou. Exausto, parou, por fim, sob um céu de turquesa e - Oh! Prodígio - transformou-se em terra e terra para todo o sempre ficou. Terra que foi crescendo, terra que foi se alongando e alteando sobre o mar imenso, sem perder por completo, a configuração do crocodilo. O rapaz foi seu primeiro habitante e passou a chamar-lhe Timor, isto é, Oriente. (Mito timorense: O Primeiro Habitante do Timor)

Resumo:

Este artigo trata da história da educação do Timor-Leste com foco na temática da alfabetização e propõe reflexão que pretende envolver o mundo da lusofonia. Timor-Leste, país de colonização portuguesa até os anos 70 do século passado, tornou-se de modo violento colônia da Indonésia, e assim permaneceu, durante as três últimas décadas do século XX, até que se tornou país independente. Neste processo, distintas foram as tentativas de alfabetização implantadas neste país. Neste contexto, faremos algumas considerações. Palavras-chave: alfabetização; Timor-Leste; lusofonia

Abstract This article is about the history of education in Timor-East with focus in the thematic of the literacy. We do some reflection that intends to involve the world of the lusophonie. Timor-East, country of Portuguese settling until years 70 of the passed century, colony of Indonesia became in violent way, e thus remained, during the three last decades of century XX, until independent country became. In this process, it had been implanted many literacy process in this country. In this context, we will make some considerations.

Key-words: literacy; Timor-East; lusophonie Situando o Timor-Leste: aspectos geográficos

Um dos grandes estudiosos do Timor-Leste é Maurício Waldman, por isso, baseamo-nos em suas obras, citadas na bibliografia deste artigo, para fazer uma breve descrição acerca da localização geográfica do Timor. O Timor-Leste situa-se no Sudeste da Ásia, bem perto da Oceania. É uma área de transição, ou seja, é um pouco Ásia e um pouco Oceania. O formato desta ilha, que compõe o arquipélago de Sonda, é como o contorno de um crocodilo, sendo que, justamente por isso, este animal é um dos símbolos do país. Ao Sul e Leste é banhado pelo Oceano Índico (Mar de Timor) e ao Norte, pelo Mar de Banda. Porém, não é toda a ilha que é Timor-Leste, uma parte dela ainda é jurisdição da Indonésia. Sendo assim, podemos perceber que Timor, país equatorial, possui dois vizinhos “importantes”. Um, a própria Indonésia, com quem forçosamente faz fronteira; e outro, a Austrália, cujo ponto mais próximo está a 650 km. A ilha de Timor é de origem vulcânica – faz parte do conhecido Anel de Fogo – local de intensa atividade geomorfológica, pois nas suas proximidades há uma fossa oceânica ativa. O seu ponto mais alto é o Monte Ramelau ou Tatamailau, com 2.963 metros de altitude, situado nas proximidades da fronteira com a Indonésia e, de Leste a Oeste é cortado por uma extensa cadeia e montanhas da onde saem diversos rios caudalosos especialmente na época das chuvas, entre outubro e dezembro. Possui inúmeros vales férteis nesta cadeia. Ao longo do litoral da Ilha, há uma planície, assim como, banco de corais de extrema beleza.

O Timor - Leste Hoje: indicadores sócio-econômicos

A situação da República Democrática do Timor-Leste, cuja capital é Díli, hoje é uma das mais miseráveis do planeta. De acordo com fontes oficiais do Fundo Monetário Internacional, 20% da população timorense é obrigada a viver com menos de um dólar por dia, algo em torno de R$2,50 reais; 63%, com R$ 5,00 por dia. Ressalta-se que mais de 70% desta população vive da agricultura; 22%, de serviços e apenas, 5%, da indústria. Tem população absoluta de, em torno, 800.00 habitantes que ocupa seus 18.899 Km2. O seu atual presidente, José Alexandre “Xanana” Gusmão enfrenta esta dura realidade que, dentre outros dados, aponta para uma expectativa média de vida de apenas 57 anos e apresenta uma taxa de mortalidade infantil de 86 por 1.000 nascimentos; aumentando para 144 por 1.000 nascimentos quando a idade limite é de cinco anos. Mais de 50% da população timorense não tem água tratada o que faz com que algumas doenças sejam as principais causas de muitas mortes no país. Como se não bastassem estes dados, 30% das moradias estão danificadas pelos anos de luta deste país, sendo que, desta cifra, 80% ainda está totalmente destruída. Conta com, aproximadamente, 60% de pessoas em situação de pouco ou nenhum domínio da língua escrita, seja o Português e ou o Tétum. Porém, além destas duas línguas consideradas oficiais, tem-se que: Aproximadamente, 24%, 200.000 pessoas falam Tétum; em torno de, 180.000, Mambae; perto de 13%, 110.000 pessoas, Macassae; o Bunak é falado por, aproximadamente 7% da população; 5,4%, o Baequeno; 5,4%, Kemak; já o Fatalucu é falado por 4,5% da população e ainda, tem-se o Isni que é a língua de 290 pessoas. Sendo assim, tratar da História da Alfabetização neste país, propósito deste artigo, além do pesar que sentimos pelo sofrimento da população decorrente de anos de colonialismos e dura resistência, aliado ainda à diversidade lingüística da população, é uma tarefa que nos parece muito promissora em termos do debate sobre a alfabetização nos países que constituem o “mundo da lusofonia”.

A história de Timor: pré-colonização aos dias de hoje.

De acordo com as pesquisas realizadas por Serrano e Waldman (1997), o Timor, na Antigüidade mantinha laços comerciais com diferentes fontes: indianas, árabes, malaias, entre outros povos. Apenas no século XVI, na época do Mercantilismo e das Grandes navegações, países europeus, sobretudo Portugal e Holanda, começam a se interessar pela posse deste território. Até o século XX, Timor foi considerada colônia de Portugal, sempre em combate com os holandeses e, somente em 1914, a linha fronteiriça com os Países Baixos foi fixada definitivamente, consagrando a divisão de Timor entre as duas potências européias. Mesmo sendo colônia de Portugal, as estratégias de dominação deste país europeu não alcançaram o interior do Timor:

Nas preocupações da metrópole quando ao destino império colonial, o primeiro pensamento fixava-se em Angola, a mais importante colônia sob todos os aspectos, a ‘jóia da coroa do Império Português’ que abrigava uma população metropolitana e branca superior a 300.000 pessoas (CUNHA, 2001, p. 26).

Com a libertação de outras colônias portuguesa da África, no período da eclosão da Revolução dos Cravos em Portugal, 1975, o povo timorense preparou-se também para a sua libertação. Porém, tal fato não ocorreu no tempo e na maneira esperada. A Frente Revolucionária do Timor Leste Independente (FRETILIN) durou muito pouco tempo, pois logo após a proclamação da independência de Portugal por Timor, a Indonésia, com apoio dos EUA, anexa este país ao seu território. Mortes, repressão, rios de sangue tomaram conta do país, sob a liderança do General Suharto, sem qualquer amparo legal e à revelia do posicionamento da Organização das Nações Unidas (ONU) que considerava Timor como colônia de Portugal. Apenas em 2002, Timor-Leste alcança o estatuto, reconhecido mundialmente, de país independente. Vejamos em seguida, em que consiste a história da educação em Timor, em seus diferentes períodos, salientando as questões referentes às alfabetizações implantadas neste país.

As alfabetizações em Timor: em português, em inglês, em tétum.....

Na medida em que Timor possui uma variedade geográfica exemplar (montanhas, vales férteis, planícies etc), nele existem diferentes ecossistemas e grupos populacionais distintos. Assim também, há uma grande diversidade de “culturais locais” que fazem da história da alfabetização deste país, processo extremamente complexo e diversificado, tendo em vista também, as diferentes dominações às quais foi submetido. Mesmo os mauberes, dos quais falamos acima, já que descendentes de diferentes populações e instalados há milênios no país, diferenciam-se entre si. Portugal, conforme já adiantamos, não obteve por resultado a inserção no interior do país e assim, com relação à história da alfabetização neste país, temos, um sinuoso caminho a percorrer. A língua utilizada pelos timonerenses, sem a exclusão das outras línguas da ilha, tem sido o Tétum. Na medida em que esta língua goza de prestígio entre a população. Durante muito tempo, os portugueses colonialistas – missionários e administradores - utilizaram o Tétum para iniciar seus trabalhos de evangelização e de imposição do catolicismo. Com este contato próximo, forçado e pelo período de 470 anos, a cultura portuguesa, especialmente, a língua e a religião acabaram por fazer parte da cultura timorense. Desta maneira, ao contrário da vizinha Indonésia Muçulmana, Timor consolidou-se como um país católico. Na medida em que Timor era a colônia portuguesa mais afastada da Europa, os timorenses dirigiram seus relacionamentos comerciais com os países próximos na Ásia e Oceania. Sendo assim, tampouco Portugal investiu de modo intensivo em Timor, contrariamente do que fez em Angola, por exemplo, e assim, de uma maneira ou de outra, Portugal abriu as portas de entrada do Timor para a invasão pela Indonésia.

Timor Leste sempre foi uma colônia bastarda, a mais remota, rebelde e negligenciada. Era a antecâmara do inferno. O período de 1945 e 1965 não registrou qualquer avanço digno de menção no desenvolvimento da colônia. Nem um quilômetro de estrada asfaltada, nem uma ponte sobre as inúmeras ribeiras que sulcam o território e o tornam intransitável na estação das chuvas. Díli viu sua primeira central elétrica inaugurada em meados dos anos sessenta... Apenas um liceu em todo o território e até 1970 meia dúzia de timorenses tinha conseguido chegar a uma Universidade na Mãe Pátria (Ramos-Horta, J. in CUNHA, 2001, p. 27).

Acrescenta-se a esta situação de descaso que ainda pesava moralmente aos portugueses ter perdido Goa, Damão e Diu, em 1961, para as tropas indianas. Sendo assim, a questão timorense transformou-se para Portugal em um caminho para projetar-se honrosamente no âmbito internacional, especialmente e ,sobretudo, quando a dois timorenses foi atribuído o Prêmio Nobel da Paz em 1992, D. Ximines Belo e Ramos-Horta.

Assim, os condicionantes da atitude de Portugal diante da questão do Timor-Leste situam-se, antes, na esfera do orgulho nacional e não propriamente na dos interesses políticos e econômicos concretos em relação àquele território. Bem diversa é a perspectiva indonésia da questão (CUNHA, 2001, p. 61).

Antes de tratarmos do processo de alfabetização prório do período de dominação da Indonésia no Timor, vejamos um pouco mais a respeito do Tétum que conviveu (e ainda convive) com a Língua Portuguesa. Tétum ou Tetun é uma língua Austronésia e tem muitas palavras advindas tanto do Português como do Malaio. Tem como característica fundamental ser uma língua de contato, de comunicação, mesmo depois da colonização portuguesa e inclusive por ela, conforme já assinalamos anteriormente. Em Díli, capital e principal cidade do país, fala-se o Tétum com algumas pequenas variações e por isto ele ganha diferentes dominações: Tetun-Prasa, em justaposição com o Teten-Terik, dentre outras. De acordo com da Silva, a Língua Portuguesa teve o auge da sua difusão no Timor na metade do século XIX. Por isso, o tétum e os outros vernáculos ficaram impregnados de expressões, vocábulos e estruturas sintáticas portuguesas. Sendo assim, as pessoas que freqüentavam a escolas eram alfabetizadas em Língua Portuguesa, entretanto, naturalmente, falava-se me locais públicos do país o Tétum-Dili (Tétum de Praça) que se constitui em uma variante do Tétum mesclado à Língua Portuguesa. Com relação ao processo de alfabetização em Língua Portuguesa, a metrópole foi de uma debilidade total. Portugal construiu, em torno de, 40 escolas durantes séculos de dominação e em período tardio.

Em 1953, apenas 8.000 estudantes freqüentavam as 39 escolas primárias existentes no território. Em 1974, aqueles números cresceram para 60 mil e 456 respectivamente. Embora o ensino secundário fosse quase inexistente e a taxa de analfabetismo permanecesse acima dos 90%, uma incipiente elite timorense floresceu nos principais centros urbanos. Seu destino era geralmente o funcionalismo público – cujos quadros eram integrados por 81% dos timorenses-, as forças armadas ou, em casos mais raros, a continuação dos estudos na metrópole (CUNHA, 2001, p. 117).

Vale à pena também destacar a seguinte passagem escrita por L. F. Thomaz:

Em Timor-Leste, a difusão do ensino, como veículo de implantação da língua portuguesa, foi lenta e tardia: em 1970-71, freqüentavam a escola básica 28% das crianças em idade escolar; em 1972-73, aquela porcentagem ascendia a 51%, para atingir em 1973-74, os 77%...só em 1938 foi inaugurado o primeiro liceu. Segundo o último censo populacional realizado no período colonial português, em 1970, a taxa de analfabetismo situava-se, então, em 92%. Se aos alfabetizados que falam, lêem e escrevem o português, juntaram-se is analfabetos que bem ou mal o falam, chega-se a uma porcentagem de 15 a 20% da população total que era capaz, às vésperas da ocupação indonésia, de expressar-se no idioma de Camões. (CUNHA, 2001, p. 182)

Na década de 70, quando houve a tentativa de libertação do Timor Leste, o Tétum apenas recebeu reconhecimento e promoção oficial como Língua escrita com a criação do Instituto Nacional da Lingüística (INL) que estabeleceu uma ortografia padronizada para esta língua, apoiada pela FRETILIN. Deste modo, lançaram-se campanhas de alfabetização no Timor em Tétum, inclusive com o apoio da Igreja Católica. Esta “reforma”, “adaptação”, ou melhor, fusão entre L. Portuguesa e Tétum se constituiu em resistência à dominação da Indonésia. Este processo incluiu a simplificação de palavras portuguesas, a assimilação de palavras Tétum à grafia da L. Portuguesa. Um exemplo disto é o próprio nome do país: em Tétum “Timor-Leste” é “Timor: o país do sol nascente”. Por curiosidade, vejamos um pouco das palavras da Tétum: barak - muito bo'ot - grande ki'ik - pequeno mane - homem fetu - mulher foho - montanha tasi - mar malae - estrangeiro liafuan - palavra rai - país Agora, observemos palavras derivadas do Português que compõem o léxico Tétum: aprende - aprender demais - mesmo em português (tambem 'barakliu') entaun - então eskola - escola igreja - mesmo em português istoria - história paun - pão povu - povo relijiaun - religião serveja - cerveja tenki - tem que

Excetuando os poucos letrados dos meios urbanos de Timor, o português não chegou a ser língua de comunicação no referido país e esta função tem sido ocupada pelo Tétum. Cunha afirma que, em 200 /01, apenas 3% da população fala português. Além disto, há que se destacar que a Igreja Católica administrava estas poucas instituições educacionais. As primeiras delas foram fundadas por missionários no século XVIII e, em meados da década de 60, a Igreja controlava 60% da instrução primária. Na medida em que a Indonésia interessava-se sobremaneira pelo petróleo e gás natural do Timor, este país invade o Timor de modo truculento, não medindo a força da violência física e cultural e o número de mortos que causaria. Neste período, ano de 1975, dentre outras medidas, a Indonésia declara o Timor como a 27ª. Província da República Indonésia e proíbe o uso da Língua Portuguesa, declarando a língua Bahasa Indonésia como “nova” língua do Timor Leste, e assim, a partir de lei nacional de 25 de maio de 1974, o ensino da língua indonésia torna-se obrigatório. Obviamente, esta “nova” língua não era compreendida pelos timorenses e por isso, no ápice do domínio indonésio em Timor-Leste (1975-199), as escolas que ainda alfabetizavam e ensinavam em Língua Portuguesa, passaram a ensinar em Indonésio e a cultura e a história indonésia. Tal processo ocorreu sob o domínio de Suharto, que aplicava, além desta política ideológica por meio das escolas, da imprensa etc, por meio do exército aterrorizava a população. Cabe ressaltar que além de banir as línguas locais, a Língua Portuguesa e outras, mais precisamente o holandês, as autoridade de Jacarta elegeram o Inglês como língua a ser ensinada nas escolas como língua estrangeira, pois a Bahasa Indonésia não tinha condições de se comunicar com o mundo.

De olhos postos na nova geração de timorenses, o governo central tem realizado vultosos investimentos na área da educação. Em discurso pronunciado em julho de 1996, por ocasião do aniversário da Província do Timor-Leste, o Ministro do Interior indonésio, para enfatizar os significativos progressos decorrentes da anexação, citou o número de escolas de todos os níveis introduzidos no território após a saída dos portugueses. O empenho indonésio na melhoria do setor educacional timonense constitui exemplo expressivo das intenções de Jacarta em relação ao futuro: ao inculcar valores javaneses na juventude timorense... Coerentemente, o ensino dos idiomas Tétum e Português... são desestimulados, em prol do baixa indonésio, a língua da unidade (CUNHA, 2001, p. 94 e 95).

Ao lermos na íntegra o discurso do referido ministro, temos que a Indonésia, neste período, criou 55 escolas para a educação infantil, 709 unidades para o Ensino Fundamental e , portanto, para a alfabetização propriamente dita, que comparadas com as 47 escolas feitas em todo o período da colonização portuguesa, mostram a força e o peso do investimento indonésio na escolarização. Apesar disto e, talvez por isto, o povo timorense não esmoreceu frente à violenta invasão indonésia, física e simbólica, e durante quase duas décadas lutou pela sua independência. Nesta luta, o Tétum destacou-se e ocupou o lugar de língua de unidade nacional.

A aversão da maioria dos timorenses à idéia da integração explica-se por a Indonésia continuar historicamente o império holandês, a que Timor, sob a proteção portuguesa, resistira durante quatro séculos a deixar-se integrar... Estão de fato ausentes de Timor os elementos fundamentais da ossatura indonésia e lhe dão certa unidade através da diversidade de etnias que a compõem: o Islão, a língua indonésia e a elite malaio-javanesa que constitui os seus quadros (THOMAZ, L. F. in CUNHA, 2001, p. 135).

Ou seja, o povo timorense não estava optando na sua resistência apenas pela língua portuguesa ou não, estava também optando pela religião. Conforme o estudioso da questão, João Solano, ao longo de quatro séculos de colonização portuguesa, os missionários católicos converteram apenas 30% dos timorenses e, no período da invasão indonésia, a porcentagem subiu para 90%. É neste turbulento período que os trabalhos de Paulo Freire na área de alfabetização foram utilizados pela resistência timorense, liderada por Xanana Gusmão, e muitas pessoas alfabetizaram-se em Tétum à luz das idéias deste educador. Depois de ressaltados estes aspectos da história, da luta do povo timorense, em 2002, quando este conseguiu sua independência, torna-se um dos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e neste grupo encontrou-se com parceiros solidários, que por conta das suas histórias de libertação, como ex-colônias de Portugal tinham muito em comum com Timor, dentre tantos aspectos a negação frente a uma globalização da anglofonia. Da mesma maneira, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) – Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, apoiaram as lutas do povo maubere. Em 2001, foi instituído o Instituto nacional de Lingüística (INL) que teve e tem como missão tratar ortografia timorense a fim de que todas as línguas deste país possam ser escritas com as mesmas convenções. Esta tarefa, ainda que de passagem, sabemos que não é fácil, pois, para tanto, especialistas do INL precisam dominar as línguas do país, a Língua Portuguesa, o Tétum, a lingüística românica, dentre outros tantos conhecimentos. Feitos estudos por este Instituto, em 2002, ano da restauração da independência, já todas as marcas essenciais inerentes à ortografia nacional de Timor-Leste estavam no seu devido lugar. O grande desafio residia em coordenar estas convenções e eliminar as incoerências que ainda permaneciam e permanecem. Infelizmente existe um grande obstáculo para uma democrática implementação de tal método de alfabetização nas escolas primárias: a falta de um adequado programa de estudos em Tétum. Outro importante obstáculo é a poliglossia: na maioria dos distritos, quando principia a instrução primária, as crianças de tenra idade ainda não falam o Tétum. Para compensar tamanha lacuna seria necessário criar simples materiais pedagógicos na língua materna que, à exceção de algumas cartilhas e livros de contos em tétum, não existem. De acordo com da Silva, mesmo com o apoio do governo, vai demorar bastante até que os lingüistas, colaborando com os educadores, produzam um programa de estudos integral em Tétum, baseado em Língua Portuguesa, para não falar nas outras línguas, com o objetivo maior de fazer com que os professores dos anos iniciais da escolarização não ensinem mais em Indonésio. Para este famoso lingüista, o inglês, o indonésio poderiam ser ensinados nas escolas, em estudos secundários, no mesmo plano em que outras línguas estrangeiras podem ser estudadas: alemão, italiano, francês... O Brasil, pela segunda vez, já que a primeira conforme mencionamos, refere-se á contribuição de Paulo Freire, colabora com o Timor – Leste, sobretudo, no âmbito da lusofonia. Muitas universidades brasileiras e Organização Não-Governamentais (ONGs) engajaram-se no processo de colaborar para que a Língua Portuguesa consolide-se no país.

Também de setores não-governamentais da sociedade têm partido manifestações de apoio à causa maubere, incluindo a constituição de grupos solidários e outras iniciativas diversas. A Diretoria da Associação Brasileira de Imprensa propôs, num gesto simbólico, acolher o líder timorense Xanana Gusmão (que em agosto de 1996, recebera o título de Cidadão Honorário da Capital federal) como sócio honorário daquela influente instituição. O líder do Conselho Nacional de resistência Maubere, Jose Ramos-Horta, recebeu o título de Doutor Honoris Causa de uma importante universidade brasileira, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Algumas ONGs brasileiras dedicam-se à questão timorense. Recentemente, partiu de entidade brasileira uma campanha, circulada por meio da internet, incitando o boicote a produtos oriundos da Indonésia (Barbosa Lima SOBRINHO, Revista Lusofonia in CUNHA, 2001, p. 218).

Atualmente, um dos programas brasileiros que tem se destacado neste sentido é o Programa de Qualificação de Docentes e Ensino da Língua Portuguesa no Timor-Leste, que tem contato com a participação de profissionais que colaborarão para a formação de professores de Língua Portuguesa, na elaboração de currículos, na gestão administrativa e, ainda, na área da pesquisa.

Considerações finais

Destacaremos alguns aspectos que permanecem no Timor Independente e mostram como é longo ainda o caminho que este país tem para percorrer no sentido de construir sua unidade nacional, sobretudo no que diz respeito às questões da alfabetização. De acordo com a resolução da UNESCO de 1953, temos que:

O melhor meio para ensinar é através da língua materna do aluno. Em países bilíngües, a alfabetização consiste em ensinar às crianças em primeiro lugar a ler e escrever a língua materna. Depois, nas classes superioras da escola primária, principia o estudo da segunda língua.

Discutimos: e, em Timor-Leste, como se aplica este princípio? Os prováveis alunos em fase de alfabetização neste país têm diferentes línguas maternas. A maior parte delas não tem transcrição escrita. Sendo assim, na impossibilidade, ao menos momentânea de se alfabetizar em língua materna para muitos, o Tétum poderá assumir esta função. Porém, caso isto ocorra, a comunicação escrita entre os timorenses e o mundo não poderá ocorrer, tendo em vista a não utilização da língua em outros locais. Neste sentido, deparamo-nos com a seguinte situação, tanto para o futuro aluno como para o professor que atuará com ela em sala de aula: uma criança com língua materna “A”, que será alfabetizada em Tétum e que deverá também ser alfabetizada em outra língua. Neste contexto, o professor precisará ter noções da língua materna “A”, dominar o Tétum e ainda uma terceira Língua. E qual seria esta terceira Língua? Hoje, a população timorense apresenta uma clivagem: existe uma nova e uma velha geração. A primeira é composta por pessoas da “velha guarda” que conhecem a Língua Portuguesa; já, as pessoas mais jovens, que vivenciaram o rápido processo de colonização da Indonésia, aceitam o Tétum, porém fazem restrições com relação ao aprendizado do Português, pois muitos afirmam que o Inglês seria uma Língua de maior comunicabilidade entre Timor e o mundo. Não podemos nos esquecer, neste sentido, que ainda há os que defendam o uso do idioma Indonésio como oficial na medida em que por meio dele se faz a maior parte das relações comerciais do país na Oceania e na Ásia. Dito de outro modo há pessoas em Timor que internalizaram o modo de colonização salazarista e outras, o modelo cultural indonésio. Importantes estudiosos da questão agrupam as línguas utilizadas em Timor em duas categorias: a-Línguas que desde há muito fazem parte da cultura local das línguas que só há pouco tempo foram introduzidas: o Tétum, os outros catorze vernáculos e a variedade timorense do português. b-O Português, o Inglês e o Indonésio. Neste debate, há que se levar em consideração também a influência cultural da Língua Portuguesa, mais especificamente, a religião católica, que além de disseminada pela população timorense, continuou com suas práticas no domínio indonésio, em Tétum. Sendo assim, a população, em sua maioria, é católica, e ficaria incompatível desvincular, neste caso, Língua e Religião. Além disto, na medida em que o Português e o Tétum têm um estreitamento em nível lexical, da pronúncia e das estruturas gramaticais, construído ao longo dos anos, a alfabetização em Língua Portuguesa não massacraria as línguas locais, diferentemente se o Inglês tomasse este lugar. Ou seja, a Língua Portuguesa, como língua de alfabetização para Timor Leste carrega com ele a outra vantagem de ser fácil para os timorenses na medida em que estes conhecem o Tétum-Dili, conforme assinalamos acima. O português não é um idioma demasiado difícil para os timorenses, pois estes já possuem um relativo conhecimento passivo do português devido ao fato de que já falam o Tétum-Díli. Talvez, consideramos, para a sobrevivência do Tétum, o seio da Língua Portuguesa é o mais indicado. Apesar deste raciocínio, que parece ser o mais adequado, não há como negar que os timorenses, especialmente os negociantes, precisarão do indonésio para continuar com seu trabalho juntos aos países vizinhos. E por isto, para muitos, a alfabetização na Língua Indonésia será necessária. O mesmo argumento pode ser usado com relação ao Inglês. Há o medo, por parte da geração de jovens timorenses, que ao aprenderem a Língua Portuguesa, percam lugar no mercado nacional e internacional, pois abandonarão o Inglês, língua dominante, praticamente, no mundo todo. Dito de outro modo, o aprender a ler e a escrever em Língua Portuguesa é considerado uma ameaça para estes jovens. É neste momento que o apoio do Brasil e dos demais países de língua oficial portuguesa faz-se necessário, desde que, aprendam o Tétum para manter a cultura original no país e colaborem com a reconstituição deste país. O governo timorense, neste sentido, precisa continuar com as medidas que já vem adotando no sentido da promoção do Tétum como Línguas Modernas, dentre elas, destacam: o estudo e aprovação do sistema ortográfico apropriando, publicando dicionários e gramáticas; o acolhimento dos falantes desta Língua; a criação de uma editora nacional para possibilitar a publicação de livros em Tétum e em outros vernáculos, obviamente que com valores de venda compatíveis com a população local. Além destas medidas, é importante que se crie também, como diversos lingüistas deste país têm destacado, fundações timorenses que incentivem a preservação e a difusão da cultura oral, da arte, do canto, da dança e de outras manifestações culturais. Finalmente, a mais forte das instituições que pode promover a solidificação da independência neste país, é a escola, sobretudo junto às novas gerações e especificamente no período da alfabetização.

Bibliografia

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