Contra a xenofobia institucionalizada em Portugal

Qual foi a resposta? Do Bloco de Esquerda, uma proposta de lei para alterar a lei de nacionalidade, dando a nacionalidade portuguesa a aqueles que nascem em solo português. Do Partido Comunista, apoio total pela iniciativa. Da direita, silêncio. Do governo, nada por enquanto e da imprensa portuguesa, muito, no sentido negativo.

Pode ser coincidência ou não mas esta semana se realçou a origem dos autores de crimes, um porque era “luso-brasileiro”, outro porque era “de origem africana” e por aí fora. Se o primeiro era luso-brasileiro, era português, além de brasileiro e de qualquer modo, o que importa a origem?

Vamos descer a um nivel de reportagem que diz “Uns pretos de merda assaltaram uma loja duma senhora branca, limpinha e decente”? É precisamente aqui que temos a origem da estigma negativa que rotula as pessoas, os de cá e os de fora, os brancos, os negros, os russos ou ucranianos. São seres humanos, as suas lágrimas sabem a sal, o sangue que corre nas suas veias é vermelho.

Outra história que apareceu esta semana na primeira página do jornal diário “Público” , na sexta-feira dia 25 de Março, portanto cinco dias após a manifestação e bem dentro da onda de xenofobia que vassalou o país durante a mesma semana, é titulada “Reposição de fronteiras fez recusa de entrada de estrangeiros triplicar em 2004”.

Está estabelecido um clima de Fortaleza Portugal, cujos fronteiras estão sendo sacudidas pelas forças do Mal, com rios de malfeitores jorrando pelos país dentro, prontos para tirar os empregos aos bons trabalhadores portugueses, violar suas mulheres, destruir seus lares, comer seus filhos e sem dúvida, vomitar o passeio da Pizza Hut depois duma sexta-feira de bebedeira e brigas amiúde.

“Mais de 10.000 estrangeiros foram travados nas fronteiras em 2004 por não terem documentos válidos para entrar em Portugal”, começa a notícia, que explica que a reposição das fronteiras durante o Euro 2004 “deixa claro que, quando não existe controlo fronteiriço e vigora a livre circulação, entram no país dezenas de milhares de migrantes ilegais”.

Dezenas de milhares, no plural, notem, quando a notícia citou a cifra de uma dezena de milhar de pessoas umas linhas acima. De acordo com o relatório do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o número exato de pessoas que foram barrados a entrar em Portugal foi 10.787.

Quais foram as vítimas? Principalmente os cidadãos do país-irmão, o Brasil, aonde foram os portugueses aos milhões, de onde saquearam tudo que havia para saquear, aonde residem dezenas de milhões de descendentes de portugueses, aonde o português nem sequer precisa de documentação especial para iniciar uma firma, aonde, só no estado de Ceará, há cerca de 40.000 portugueses. Porém para as autoridades portugueses, isso não conta.

3044 brasileiros foram travados no aeroporto de Lisboa. Por quê? Por não terem o visto actualizado, ou por não terem o visto adequado à actividade que vinham realizar (1072 casos), 994 por não terem motivos que justificassem a entrada e 840 por não terem meios de subsistência e 138 por outras razões.

O quê é que se pode concluir disso? Em primeiro lugar, nem todos os estrangeiros que vêm a Portugal vêm para ficar, pois muitos querem receber mais que os parcos 610 Euros mensais que são o salário médio em Portugal (que tem preços à europeia) e em segundo lugar, a grande maioria, digamos 99.9%, vêm para trabalhar honestamente, fazendo o tipo de emprego que os portugueses não querem fazer, contribuindo para o desenvolvimento de Portugal, pagando as pensões de muitos portugueses e contribuindo para o sistema de segurança social que beneficia toda a gente.

Ainda por cima, o sistema de quotas iniciado pelas autoridades portuguesas fracassou. Em 2004, o Instituto de Emprego e Formação Profissional estabeleceu a meta de 8500 postos de trabalho para imigrantes, a ser controlado através dos consulados. O quê é que aconteceu? Um magnífico fiasco, que vai de mãos dados com a absurda burocracia dum país que esforça uma pessoa a perder um dia de trabalho para receber um carimbo no passaporte.

Para estes 8.500 postos de trabalho, foram concedidos 641 vistos de trabalho, o que quer dizer que, enquanto as autoridades portuguesas estão barrando a entrada às pessoas que eles consideram como intrusos, futuras prostitutas e assassinos, o país carece de pelo menos 8.000 postos de trabalho e contribuintes para o fisco e para a segurança social.

Embora haja milhares de boas pessoas em Portugal que acolhem os imigrantes com aquela hospitalidade à portuguesa, não é isso que se vê num nivel institucional. Se o imigrante vem cá trabalhar e contribuir para o desenvolvimento do país, tal como milhões de portugueses fizeram no estrangeiro ao longo da história, têm direito a serem tratados como seres humanos. O tempo de escravatura acabou.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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