Manifesto pela conservação da Amazônia

Será encaminhado ao congresso nacional em breve um projeto de lei que dispõe sobre a concessão de exploração de florestas públicas para a iniciativa privada. Segundo um acordo do Ministério do Meio Ambiente com o setor madeireiro do Pará, este encaminhamento se dará já neste mês de fevereiro. O projeto baseia-se tecnicamente em visitas de campo realizadas por especialistas brasileiros a experiências similares na Malásia, onde, supostamente, o sistema de concessões florestais funciona bem. Ponto importante: tais visitas foram integralmente custeadas por empresas madeireiras, particularmente estadunidenses.

Saindo da pretensamente imaculada esfera da técnica e descendo à realidade econômica concreta subjacente a esta matéria identificamos, sem muita dificuldade, os verdadeiros motivos e implicações de tal projeto de lei.

Fato 1: A cobertura florestal da Malásia foi drasticamente reduzida nas últimas décadas, período exato quando se iniciaram os projetos de concessão florestal naquele país. Lembremos o papel desempenhado pela Malásia nos anos 80, como periferia dos Tigres Asiáticos e acompanhando a reboque a onda de privatizações e desregulamentação econômica que invadiu a vizinha Cingapura, por exemplo. Com a explosão da bolha de crescimento insustentável que assolou os Tigres Asiáticos em decorrência da fuga de capitais especulativos na década de 90, associada à vertiginosa e drástica redução das madeiras de boa qualidade exploradas imprudentemente pelas concessionárias florestais, houve uma massiva migração das madeireiras malásias para a Amazônia.

Fato 2: Poucos anos antes da expansão da fronteira da soja como principal vetor do desflorestamento da Amazônia, as madeireiras malásias (ou, mais significativamente, madeireiras sediadas em países industrializados que mantinham concessões no sudeste asiático) respondiam como principais agentes de uso insustentável da floresta amazônica. Extensas áreas privadas vendidas a preços irrisórios ou, em maior grau, hectares e hectares de terras públicas escandalosamente grilados serviram de base para a sanha predatória da exploração madeireira neoliberal e insustentável.

Fato 3: A ocupação da Amazônia pelo grande capital já não é mais uma hipótese. Nas maiores cidades amazônicas (Manaus, Belém, Boa Vista) proliferam vertiginosamente empresas multinacionais e ONGs financiadas pelo capital neoliberal internacional. Companheiros que moram na Amazônia relatam estupefatos o crescimento de concessionárias de carros importados e de imigrantes empreendedores internacionais que vêm à Amazônia atrás de lucro fácil. Não custa reiterarmos aqui a importância estratégica da Amazônia para o século que se inicia, seja pelas reservas da commodity mais preciosa das seguintes décadas: água potável, seja pelas reservas da commodity mais preciosa do presente: o petróleo, que jaz abundante em várias pontos daquela extensa bacia sedimentar. Secundariamente, lembremos também do potencial para a indústria farmacêutica, comandada pela perversa lógica das patentes e royalties oriundos das mesmas, escondido na riquíssima diversidade de princípios ativos florísticos e faunísticos amazônicos.

Fato 4: A ocupação amazônica do grande capital privado é evidentemente estimulada pela política externa do império estadunidense. O Plano Colômbia é a manifestação mais evidente desta asserção. Revestido de iniciativa anti-terrorista e contra o narcotráfico, trata-se, na verdade, de ocupação militar pura e simples. Se as ONGs neoliberais, pretensamente ambientalistas, e as grandes empresas madeireiras são a faceta econômica da ocupação imperialista da Amazônia, o Plano Colômbia é a faceta militar. São sinistras as consequências que podemos imaginar da junção destas duas forças.

Fato 5: A campanha ideológica mundial pela internacionalização da Amazônia, alardeada como única saída para a contenção do desflorestamento, é hoje mais forte do que nunca e cresce a cada dia. Ingenuamente muitos ambientalistas endossam a idéia, sem alcançar os verdadeiros motivos econômicos e políticos ocultados por trás da falsa carapaça ambiental desta propaganda ideológica. Recentemente os propagandistas capitalistas passaram a vincular a resistência ainda existente à internacionalização da Amazônia à herança militar nacionalista remanescente dos anos da ditadura. Astutos são os propagandistas burgueses. Desviam a questão de seu cerne. O nacionalismo xenofóbico da era militar é um fantasma quase esquecido que os propagandistas tentam convenientemente ressuscitar. A negação consciente às propostas atuais de internacionalização da Amazônia não se sustenta no nacionalismo xenofóbico, praga militar que objetivava o enfraquecimento do internacionalismo socialista, mas sim na ameaça concreta de entrega de um dos maiores patrimônios ambientais da humanidade ao imperialismo e à grande burguesia, seja ela estadunidense, européia, malásia ou brasileira. Não tenhamos a ilusão de que capitalistas brasileiros são mais preocupados com a conservação da Amazônia do que seus pares do Norte. Basta lembrarmos da (des)preocupação dos produtores de soja brasileiros com o aumento voraz da fronteira agrícola rumo ao Arco do Desflorestamento.

O projeto de lei que em breve tramitará no congresso é a cartada final para a ocupação da Amazônia pelo capitalismo internacional. É a entrega de áreas públicas, fundamentais à saúde ambiental do planeta a longo prazo, às mãos da iniciativa privada predatória, movida pela lógica do lucro a curto prazo. O projeto prevê a concessão das áreas florestais por até 60 (!) anos. Depois disso será que ainda restará algo a ser conservado? Se na Malásia não foi assim, o que nos faz crer que aqui será?

Conclamamos, portanto, aqueles preocupados com as questões ambientais, aqueles que discordam da mercantilização capitalista da natureza, que divulguem a infâmia deste projeto de lei. Que mobilizem-se contra sua aprovação. O projeto caminha curiosamente sorrateiro, na surdina. Evidenciemo-lo aos quatro ventos, em nome da preservação da Amazônia à sociedade futura.

Breno Herrera Coelho

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