Agronegócios e a servidão

Clarissa Taguchi explora as idéias de Sebastião Pinheiro, engenheiro, agrônomo e membro da Fundação Juquira Candirú, e fala da importância da Jornada Paranaense de Agroecologia. Da Revista Consciência.Net, 29 de janeiro, 2005

Quem tem orgulho de ser agricultor? Onde está a juventude na agricultura?

A resposta a estas duas perguntas representa o pensamento de toda a população, em todo o planeta. No Brasil, na China, na África, na Alemanha, quem quer ser agricultor? Qual pai quer que o futuro de seus filhos seja no campo, trabalhando com a terra?

Cada vez menos pessoas permanecem no campo. Em todo lugar são os mais velhos que permanecem na terra, são os mais velhos que continuam produzindo os alimentos que chegam a nossa mesa. O trabalhador rural está envelhecendo. Quase não há escolas para uma juventude rural, logo não haverá juventude rural. Então, não haverá agricultores?

Cerca de 70% dos alimentos consumidos pelo brasileiro são fruto da agricultura familiar. 70%. Se somente os agricultores familiares deixarem a profissão, o que acontecerá em nossa mesa?

Através destas perguntas, o engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro chamou a atenção para o modelo do agronegócio em todo o mundo. Segundo o vice-presidente da Cargill - gigante norte-americana de alimentos, sementes, agrotóxicos e recentemente de construção civil -, Robbin Jonhson, romper o ciclo da pobreza é trocar a agricultura familiar pela industrializada. Lembrando que expressões como Jeca Tatu, Capial e bicho-do-mato foram utilizadas há decadas, dimunuindo o valor daqueles que tem as mãos calejadas e sujas de terra.

A produção de alimentos faz parte de um processo complexo até chegar ao consumidor. No começo do século passado os produtores escolhiam os produtos que iriam plantar, trocavam com os vizinhos por outros que não plantavam e o excedente era levado até o mercado local, realizando as feiras que deram o nome aos nossos dias de semana.

Atualmente quem faz as feiras, em sua maioria, não são os produtores. Existem produtos que passam por uma dezena de atravessadores antes de chegar ao supermercado ou à feira. O frango, o leite, os ovos e os grãos são produzidos pelos agricultores familiares, vendido a empresas que irão pocessá-los e vendê-los nos supermercados.

Restrições ao agricultor

A agricultura tornou-se uma indústria onde o produtor rural apenas fornece a matéria-prima, deixando o armazenamento, o processamento e a venda ao agronegócio, às grandes corporações que, ao longo do tempo, estão impondo seu modelo de negócio cada vez mais restrito e prejudicial ao homem do campo.

O agricultor não mais escolhe o que plantar, para quem vender e a que preço vender. O mercado é quem diz e este mercado não são os consumidores, pois os consumidores não participam disso.

Caso japonês

Um caso interessante na história, que não é muito lembrado, é que quando o Japão perdeu a guerra, o imperador fez apenas uma clemência à nova constituição montada com a ajuda norte-americana: Não ofenda nossa cultura impondo uma importação de arroz. Todos os meninos japoneses, logo após a guerra, eram obrigados a comer pão de trigo norte-americano, e isso fazia os meninos vomitar. A cultura japonesa é arroz e os japoneses recontruíram sua nação sobre seu arroz.

A agroecologia é muito importante porque garante a soberania alimentar. O que chamam de segurança alimentar é, na verdade, comer o que Eu quero. Eu Cargill, Eu Monsanto, Eu Syngenta. É aquela mãe que gostaria de dar aquele leite mais seguro ao seu filho, mas que sabe que não tem as moedas - a renda - para comprar. Então se violenta, violenta ao seu filho e assim violentamos a todos.

Este é o problema.

Vamos correr e seguir o modelo japonês, o modelo alemão, que depois da guerra disse: “Vamos viabilizar a pequena propriedade familiar”. Isso não é nostalgia. É um exemplo para nós. Quem faz a mesa da família brasileira? Não é a propriedade familiar? Mas isso é subversivo, como é subversivo aos interesses da grandes empresas.

Vejamos o exemplo do México, um país que tem 100 milhões de habitantes, 40 destes camponeses que não compram alimentos, que só comem o que cultivam. O mercado baixou o preço de milho, base da alimentação mexicana, enquanto que o preço das tortilhas - o pão mexicano - aumentou. Hoje quem fabrica tortilhas no México são as grandes empresas, que compram o milho do pequeno agricultor. Isso é programado não pelo governo - o governo é obrigado a ter um populismo funcional e propagandista, imposto pelo Banco Mundial e pela OMC.

O mesmo deverá ocorrer com o biodiesel. A estratégia de combustível é a soja, soja da Amazônia, do Cerrado... Quem tem controle da cadeia da soja? É o pequeno produtor que irá competir? Ou é uma empresa como a Cargill, que tem a semente, o crédito, a tecnologia, o transporte, o armazenamento e ainda a concessionária do transporte pelos rios? Ela tem tudo, tem a indústria. Acha que será a mamona? Com toda a estrutura nas mãos, tais empresas impedem a concorrência e novamente o pequeno agricultor perde.

Agricultura familiar: a esperança

Por isso é estratégico recuperar, restaurar, restabelecer a estrutura da pequena agricultura familiar para a reconstrução nacional. Há um fator muito importante, caso declaremos que nós, camponeses da pequena agricultura familiar, descendentes de alemães, italianos, quilambolas... estas são populaçoes tradicionais e, como tais, a OMC não pode impor normas internacionais. Se temos três gerações de poloneses, italianos, negros, brancos amarelos e ainda temos suas características, é uma estratégia.

Mas a quem interessa? À Cargill, à Monsanto? Não, a eles não interessa. Eles querem criar massa de salário para pagar uma dívida externa que cresce cada vez mais e cria mais problemas pela sua concentração. Quanto mais concentra, mais tem.

Por isso querem concentrar com o biodiesel, porque o biodiesel não vai ser uma licitação para assentamentos que plantam mamona. Os países irão comprar biodisel brasileiro? Não, será da Cargill. O custo para combustível da mamona, do pequi, do babaçú - de forma autônoma - será mais alto que o custo da soja da Cargill em escala planetária.

Esta é uma daquelas idéias vendidas onde, por trás, há uma máscara. Por isso o principal da agricultura ecológica é que consigamos, por meio da Jornada Paranaense de Agroecologia, construir consciência, uma consciência que a cada dia aumenta mais. Nâo é uma amarra econômica, mas uma construção consolidada de consciência, e isso nos dá uma possibilidade muito maior - a possibilidade de resistir para seguir.

“Aqui presenciei uma das histórias mais tristes nesse sentido. Uma jovem suíça veio fazer sua tese de doutorado em agroecologia no RS. Disse: 'A rentabilidade é baixa, e isso é baixo e isso aqui e aquilo também'. Ouvindo a conversa, uma pequena menina questinou de forma bem sensível: 'É, pode estar correto, mas há uma pergunta que não fizeste: Se nós somos felizes'.”

Sebastião Pinheiro conclui: “É muito difícil alguém que tenha trabalhado com agroecologia, tenha vivido isso – volte ao passado da agricultura convencional. Eu não conheço. A agroecologia tem uma nova concepção de vida e isso tem um valor, um valor maior, de transcendência”.

Clarissa Taguchi

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