Defender o galheteiro

Bruxelas pretende acabar com o galheteiro nas mesas dos restaurantes em Portugal e não só. Este acto de terrorismo cultural e culinário demonstra a pior faceta de Bruxelas, na sua mania de regular, que neste caso constitui um insulto aos devotos da cozinha Mediterrânica.

A decisão de banir o galheteiro tem todos os aspectos dum cinzento Eurocrata, aborrecido até dizer chega num restaurante de Bruxelas, comendo os mexilhões e batata frita, regado sem dúvida com qualquer cerveja cor-de-rosa chamada delirium tremens, ou quê, fermentada por monges trapistas algures nas entranhas da Bélgica.

Regular, regulamentação, ad infinitum. O ideal eurocrata vai mais ou menos assim: a Euro-maçã mede 5,3 centímetros na circunferência. O bravo de esmofe, uma maçã portuguesa absolutamente deliciosa, pode medir por exemplo 3,5 centímetros. Ai, que horror! Destruam-na! Queimem-na na estaca! Esmaguem-na com o pé! Assim, os europeus nunca irão saber como é desfrutar dum bravo d’esmofe, que é basicamente semelhante a ficar no paraíso enquanto suas papilas gustativas explodem à sua volta numa êxtase, num tipo de orgasmo culinário sem sexo, mas bem melhor que isso.

Assim vai o mesmo argumento relativamente à cozinha mediterrânica. Venham a Portugal no verão e peçam umas sardinhas assadas na brasa, deliciosas, suculentas, servidas com pão (pão português bom, não aquela porcaria em fatias que vem embalado em plástico), batata cozida e salada de pimentos verdes. Qualquer português decente e com P grande, estica o braço, pega no galheteiro e rega a salada e a batata como um teimoso e desmesurado, a seguir mergulhando um bom bocado de pão no restante azeite.

Agora, a União Europeia decide que o galheteiro é anti-higiénico. Por quê? Depois de tantos milhares de anos na mesa de almoço e jantar de praticamente todas as famílias na região, e a população ter sobrevivido a este equipamento tão perigoso?

Pode ser que irá explodir? Alguém pode cuspir no azeite e ficar a rir à gargalhada quando o próximo cliente rega seu bacalhau a lagareiro com o mesmo? Será que batata ao murro fique tão venenoso assim com uma boa regada com azeite de galheteiro? Ou será que Bruxelas está tão preocupada com a qualidade do conteúdo deste?

Até hoje, parece que a gente na região mediterrânica tem-se safado. Graças a Deus, não é? Não, não queremos aqueles saquinhos de plástico tipo McDonald’s, obrigado, aqueles que nunca se consegue abrir e quando abre, fica regado por uma substância absolutamente diabólica que sabe a plástico. E fede.

Ou será isso tudo a ver com a regulamentação, por regulamentar? Pois bem, com tantos assuntos tão importantes pelo mundo fora e especialmente neste momento, os eurocratas da U.E. estão tão preocupados com um galheteiro?

Será que a gente vai consumir azeite a mais? Ai meu Deus!! Você colocou 230 gramas de azeite no seu bacalhau!! Santíssimo sacramento!! Diz aqui nas directivas que só se pode ingerir 50 gramas de azeite de 73,4 em 73,4 horas!!

Ou haverá um problema com a qualidade? Pois é, esses eurocratas que nos permitem comprar maços de tabaco, completos com avisos que vão nos dar cancro e uma série de doenças, se calhar estão mais preocupados com o galheteiro.

Então, se o azeite no galheteiro é assim tão perigoso, então os cigarros? Ainda se vendem?

Dêem-me o meu galheteiro, por favor, todos os dias e todo o dia e deixem-me colocar a dose que eu entender, uma dose desmesurada e agradavelmente saudável, de azeite no meu bacalhau, de vinagre na minha salada, ou os dois nos pimentos, nos tomates, na minha sopa, no meu prato para a seguir deliciar a chupar o meu pão ensopado, ou então regar minhas azeitonas, minhas batatas, meu peixe, enfim deixem-me gozar minha dieta mediterrânica, que vou viver bem mais anos do que aqueles que comem mexilhão e batata frita, sem galheteiro.

Por qualquer razão, essa dieta considera-se das mais saudáveis do mundo e por qualquer razão, os ingredientes básicos desta dieta constam no galheteiro. Se quiserem comer mexilhão em Bruxelas, com batata frita e sem azeite, tudo bem, mas deixem-nos comer orelhada, salada de polvo, peixe e saladas, com nosso material ao lado, sem se intrometerem.

Vou defender o galheteiro, pois. E peço que todos os nossos leitores defendam o galheteiro. Vamos formar um Movimento pela Defesa do Galheteiro, vamos comer em restaurantes que têm o estômago de manter o galheteiro nas mesas ou então que nos deixem levar nosso galheteiro portátil.

Eu vou levar meu galheteiro portátil comigo quando quero comer minha comida na região que eu escolhi, para proteger a herança e património cultural, porque temos de ver bem, o galheteiro é a ponta do iceberg.

O que está em questão é a americanização/banalização/plastificação dos hábitos culinários/culturais na Europa. Proibir o galheteiro e substitui-lo com o pacote de plástico. Comecem a colocar ketchup na dolma, metem maionese na moussaka, reguem bem as suas sardinhas com uma salsa-tipo-verde com só Deus sabe o que tem lá dentro e já agora, vamos substituir as sardinhas grelhadas por um verdeburguer com batata de plástico.

Ou então, um Duplo Macksalada com Fritos de Saúde, Carnuda de Liberdade e Sundae Democrática? Isso, com três saquinhos de plástico com molhos artificiais e uma merda dum brinquedo de plástico que se desfaz na boca do seu filho de três anos. Morre, claro mas ainda bem que não usou o galheteiro, porra!

Não, eu vou arriscar-me ainda com o galheteiro a ver se me safo. Fico nervoso, claro, com o estômago assim aos saltos, com a boca a parecer mata-borrão e com as mãos a tremer mas acho que aguento. De qualquer modo prefiro morrer com o galheteiro ao meu lado do que aceitar terrorismo cultural por Eurocratas. Especialmente na minha mesa.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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