Intervenção de Abertura de Carlos Carvalhas

Camaradas e amigos

Permitam-me que vos saúde e que por vosso intermédio saúde todos os militantes e simpatizantes do PCP de Aveiro.

Estas nossas jornadas decorrem numa altura em que o Governo vai preparando o terreno e avançando com novos ataques à bolsa dos trabalhadores e das camadas médias.

É a preparação do terreno para que os aumentos dos trabalhadores da Administração Pública não encorporem os ganhos de produtividade, continuando a desequilibrar a distribuição do Rendimento Nacional num país que tem a maior concentração de riqueza e as maiores desigualdades da União Europeia; é o aumento dos combustíveis e a preparação do terreno para introduzir portagens na generalidade das auto-estradas. É a preparação do terreno para o pagamento dos serviços de saúde; é o aumento dos transportes públicos. Tudo em nome da justiça social, como se fossem os banqueiros e os grandes senhores do dinheiro aqueles que andam em transportes públicos, ou nas urgências hospitalares e consultas públicas, ou como se a declaração de rendimentos traduzisse alguma verdade fiscal, num país em que é generalizada a evasão fiscal, num país em que os bancos pagam de taxa efectiva de IRC 12 e 13%.

Depois das férias de verão e dos fogos e das populações arruinadas, que já todos esqueceram, as notícias são ainda mais deprimentes e assustadoras.

É a trapalhada e a incompetência na abertura do novo ano escolar e na colocação de professores, que o Governo resolve pedindo desculpas aos portugueses. Se a moda pega, com os estragos provocados por este Governo, vamos ter todas as semanas um ministro a fazer o seu acto de contrição. Vamos ter o contrito Ministro das Finanças, o contrito Ministro da Saúde, o contrito Primeiro-Ministro e o penitente Ministro da Defesa. Seria um fartote.

Mas não é só a abertura do ano escolar.

É a alteração à lei do arrendamento apresentada com grande propaganda, mas que muitos técnicos denunciam que o que está em causa não é a introdução de mais justiça relativa, ou a preocupação com a recuperação das habitações degradadas, ou com os jovens, mas sim a satisfação dos grandes interesses imobiliários e da banca, designadamente no assalto aos centros históricos das grandes cidades, e a liberalização total das rendas.

O presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses afirma mesmo que o Governo se prepara para estender à habitação o flagelo da precariedade, que já grassa no emprego, e que “a lei vai criar novos pobres e atingir duramente a classe média portuguesa”.

Para encobrir ou disfarçar esta desgraçada política, lá está a central de informação, a pressão sobre os meios de comunicação social, o ruído mediático do Primeiro-Ministro e os sound bytes de Paulo Portas, as críticas e a queixa do Ministro dos Assuntos Parlamentares à Alta Autoridade da Comunicação Social e a recente descoberta, depois de vários anos, que Marcelo Rebelo de Sousa tinha 45 minutos dominicais de opinião pública!

Está à vista que o Governo pode gastar milhares e milhares de contos em assessores de comunicação e em campanhas publicitárias, mas nem isso o livra de cair numa infindável sequência de escândalos, trapalhadas e tiros no pé, quase se podendo dizer que a este Governo se aplica bem a frase de: “a cada cavadela, sua minhoca!”.

Neste contexto, as pressões governamentais para condicionar as opiniões de Marcelo Rebelo de Sousa, (as opiniões sobre o Governo entenda-se, porque nunca o Governo protestou contra as opiniões de Marcelo Rebelo de Sousa sobre os partidos da oposição) e o imediato acolhimento que estas pressões tiveram da parte da Administração da TVI constituem um facto de extraordinária gravidade, sendo essencial para a transparência da vida democrática que venham à luz do dia os interesses e contrapartidas que explicam esta articulação entre os desejos do Governo e as eventuais pressões e ralhetes da TVI sobre um seu comentador.

Mas há mais uma reflexão que importa fazer: é que este escândalo e este “caso” só rebentou, com as proporções e o impacto que se conhece, porque Marcelo Rebelo de Sousa é quem é e tem o estatuto social, patrimonial e político que lhe permite repelir as pressões e condicionamentos resultantes da articulação de interesses entre os proprietários da TVI e o Governo.

Sem a atitude tomada por Marcelo Rebelo de Sousa, o assunto ficaria apenas pelas catilinárias dos membros do Governo e rapidamente morreria.

Com isto, o que queremos dizer, é que este caso permite chamar a atenção para uma realidade quase sempre encoberta e silenciosa, que são os condicionamentos e constrangimentos exercidos sobre muitos e muitos profissionais de informação e que, sob pena de perderem o emprego e o salário, não podem reagir como reagiu Marcelo Rebelo de Sousa.

É preciso pois que a árvore nos lembre a floresta, e que haja uma acrescida atenção e denúncia de que a crescente concentração dos meios de comunicação social, em poucos grupos, esconde graves condicionamentos e restrições à liberdade e independência dos jornalistas, cerceando e enfraquecendo elementos essenciais da democracia.

Quanto à questão da Audição Parlamentar a Pães do Amaral, alguém está convencido de que este com os negócios à vista iria dizer que sim, que houve pressões directas…

Mas então Senhor Primeiro as declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares não são uma descarada pressão?

O Senhor Primeiro Ministro sabe bem que não é preciso pressões directas, pois para bem entendedor, meia palavra basta e a catalinária do Ministro dos Assuntos Parlamentares foi mais que meia palavra…

Também por tudo isto é necessário tudo fazer para derrotar esta política, que procura condicionar e controlar uma parte significativa da Comunicação Social, que agudiza problemas, acentua desigualdades, debilita o aparelho produtivo e aumenta o atraso do país.

É por isso da maior importância a complementaridade da nossa intervenção institucional e não institucional, dando voz aos problemas das populações e dos portugueses.

Nós não nos ficamos pela denúncia, pela crítica ou pela fiscalização. Apresentamos propostas alternativas e medidas concretas para resolver os problemas. E é nesta direcção que temos que continuar a aprofundar a nossa intervenção, com uma grande ligação aos problemas das pessoas e às diferentes frentes de trabalho e direcções regionais do Partido e designadamente dos distritos onde não temos eleitos.

Camaradas,

Dois meses e meio depois de ter sido dada posse ao actual Primeiro-Ministro - em nome da estabilidade -, ouviu-se nestes dias o clamar por reformas. Reformas ou contra-reformas? As mais chocantes alterações ao código laboral são reformas ou contra-reformas? A alteração da Lei de Bases da Segurança Social é uma reforma ou uma contra-reforma, com vista a entregar as partes mais rentáveis às seguradoras privadas? A proposta do Primeiro-Ministro para que sejam pagos os serviços de saúde, disfarçados de aumentos diferenciados de taxas moderadoras, é uma reforma ou uma contra-reforma?

A desresponsabilização do Estado ou a privatização de serviços públicos são uma reforma ou uma contra-reforma?

As privatizações de empresas básicas e estratégicas, que paulatinamente vão sendo dominadas pelo capital estrangeiro, é uma reforma ou uma contra-reforma?

E estando aqui em Aveiro onde não há muito tempo mulheres foram levadas a julgamento, com a devassa da sua vida privada, acusadas da prática de aborto, a recusa do Primeiro-Ministro em alterar a lei que penaliza a interrupção voluntária da gravidez, o que é? Uma posição de justiça, de verdade, de avanço da civilização, de reforma ou de clara hipocrisia?

Por isso reafirmamos: desengane-se a maioria se pensa que o PCP e todos os que lutam pelo fim desta medieval criminalização das mulheres que interrompem a gravidez, vai abrandar esta luta. Já apresentámos na Mesa da Assembleia da República o nosso projecto de lei de despenalização da IVG e não desistiremos desta questão, na certeza de que cada julgamento, cada incriminação, cada humilhante investigação a que mulheres deste país vierem a ser sujeitas, será uma acusação e condenação do Governo e dos partidos da direita, que querem manter a lei como está. Uma acusação clara ao Ministro da Defesa e ao Ministro das Finanças, mas também uma acusação clara ao Primeiro Ministro.

Mas dois meses e meio depois de ter sido dada posse ao actual Ministro, em nome da estabilidade – sobrepondo-se erradamente como logo denunciou e criticou o PCP -, uma estabilidade governamental formal à estabilidade social e à seriedade na resposta aos problemas, fica agora claro quem tinha razão.

A estabilidade ai está nas trapalhadas do Governo, no crescente atraso do País, na crise do Douro e do Ave, no aumento do desemprego e do desemprego de longa duração que aumentou 55% em dois anos, no caos da abertura do ano escolar, no aumento da precariedade e da pobreza

Camaradas,

Estas nossas Jornadas decorrem também num momento em que decorre a vergonhosa operação militar israelita baptizada brutalmente de “Dias de Penitência” iniciada há uma semana na Faixa de Gaza com o seu cortejo de mortes, até ontem 90 dos quais 24 miúdos segundo a ONU e mais de 150 casas destruídas, com um quase silêncio da chamada comunidade internacional, com o mutismo do Governo e com o veto dos EUA no Conselho de Segurança face ao projecto de resolução apresentado pela Argélia.

O Projecto de Resolução que apelava a Israel, para garantir o acesso livre e a segurança do pessoal das Nações Unidas e que exortava a Autoridade Palestiniana e Israel a “cumprirem imediatamente as suas obrigações nos termos do “Roteiro” para a paz no Médio Oriente” foi vetado pelos EUA que também não teve sequer uma palavra para com as vítimas da operação militar desencadeada por Sharon, nem para com as vítimas que se manifestavam neste domingo passado numa concentração incluindo pacifistas israelitas contra o muro do apartheid.

Esta é a ofensiva mais sangrenta desde que começou a Intifada. Sharon aproveita mais uma vez o apoio e o cheque em branco dado pelo seu amigo Bush para prosseguir a sua criminosa política de terra queimada, que vai alimentar a espiral de violência e de vingança.

É hoje também claro que a chamado “Roteiro para a Paz” é apenas um expediente retórico em que ninguém acredita. Quanto ao abandono da faixa de Gaza por Israel, o principal assessor de Sharon não poderia ser mais claro ao declarar a um Jornal Israelita que tal abandono tinha por objectivo congelar indefinidamente qualquer discussão sobre o futuro Estado Palestiniano.

Daqui de Aveiro o Grupo Parlamentar do PCP condena veementemente esta ofensiva vergonhosa e manifesta a sua solidariedade ao povo palestiniano, à Alta Autoridade Palestiniana e a todos aqueles que na Palestina e em Israel lutam por uma solução justa e de paz na base das resoluções da ONU há muito aprovadas.

Camaradas,

Nestas Jornadas, no início desta sessão legislativa o Grupo Parlamentar reafirma perante os portugueses que tudo fará pela defesa dos seus direitos, pelo desenvolvimento do país, pelo aprofundamento da democracia, pela exigência de uma nova política.

E estou certo de que, através da sua opção quotidiana e da sua intervenção no debate preparatório do 17º Congresso que está em curso, os militantes do PCP continuarão também a consagrar o melhor das suas energias e esforços à inadiável intensificação do combate ao Governo da direita e à sua desastrosa política e à procura das melhores orientações e decisões para reforço do papel, intervenção e influência do PCP na sociedade portuguesa – reforço que recentes clarificações operadas nos posicionamentos partidários tornam ainda mais necessário e indispensável para que Portugal conquiste efectivamente uma nova política – uma política de esquerda – e uma alternativa de esquerda que assuma uma corajosa ruptura com os eixos essenciais da política que o país hoje sofre, e por isso mesmo, se afaste claramente de soluções de mera alternância no exercício do poder que só podem conduzir a novas desilusões, enganos e fracassos.

Partido Comunista Português

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