A cena causou comoção mundo afora. Era, na sua mais sutil expressão, um pequeno e tosco retrato do Brasil continental. Pelas ruas históricas da lendária Atenas, disputando a maratona dos jogos olímpicos de 2004, ia o brasileiro franzino - caricatura natural de um país de tantos desnutridos - buscando, como nenhum outro, um lugar ao sol, no pódio. Lutando contra tudo e contra todos, contra a falta de políticas que incentivam o esporte no seu País, contra a falta de uma política que combata a fome e a desnutrição infantil no Brasil, contra a omissão do poder público em relação ao desenvolvimento social dos seus compatriotas, Vanderlei Cordeiro de Lima ia, com a chama da esperança acesa em seu peito, levando dentro da sua alma a dor e a verdade de milhões de brasileiros.
Pela sua fé e perseverança, cansado de ser o eterno cordeiro de um país dirigido por políticos poucos comprometidos com nossas causas sociais, e ostentando o lábaro estrelado em seu coração, Vanderlei deixou muitos para trás, na maratona da vitória, expressão mor do esporte mundial. Encarnando a capacidade do brasileiro de enfrentar e superar desafios, pelas ruas de Atenas ia, buscando a consagração mundial do povo que aprendeu que, para vencer, muitas vezes, sempre, tem que lutar sozinho.
Com os passos abençoados pela crença de seu povo, Vanderlei alçava vôo certeiro em direção ao ouro redentor. Quando muitos já vislumbravam a sua vitória, o estrangeiro - como sempre fizeram na nossa história - tomou-lhe a frente e pela força bruta o tirou da disputa, como que se dissesse que brasileiro, terceiro-mundista, não pode ganhar a prova nobre do esporte mundial, não pode ser o primeiro, o grande vencedor, detentor dos passos da vitória coroados pelo ouro olímpico da glória. Mais uma vez o brasileiro, o que parecia mais frágil frente aos outros, foi martirizado, sacrificado como um cordeiro em solo estrangeiro.
Vanderlei, por força do destino?!, representou na Grécia milenar a commedia dellarte de todos nós brasileiros, que não podemos nunca conquistar o ouro sozinho, que temos sempre que entregar ao estrangeiro o quinhão maior das nossas conquistas, a página que deveria ser de ouro na nossa história.
Lá fora, eles, frente aos olhos acesos do mundo, nos jogam sempre para fora das maiores conquistas mundiais, sem o menor constrangimento. Vanderlei era eu naquela triste história, era a verdade de um povo. Impedido de seguir naturalmente a corrida, era a infância brasileira, que fenece por ser impedida de crescer e desenvolver socialmente. Perdido a liderança da prova, era nossa realidade, que, diariamente, somos roubados por um País que pratica uma política que nós impede de conquistar o primeiro lugar na economia mundial. Entrando no Estádio Olímpico era o grande sonho nacional, que, apesar de tudo, acredita sempre na superação das barreiras, e não desiste nunca de lutar, de acreditar. No pódio, era a nossa política nacional, que só recebe o bronze da história por que diariamente o estrangeiro lhe toma a frente e lhe passa sempre para trás. E no fim, ouvindo o hino nacional estrangeiro, era como que diante de toda esta realidade, ainda dançamos e divertimos diariamente ao som dos nossos colonizadores...
Ainda assim, seguindo nossa vocação natural, aceitamos nossa realidade humildemente, carregando em nossas costas todo peso da nossa história. Batendo a poeira e dando a volta por cima, é como que se buscássemos nós livrarmos de nossa triste sorte...
Revendo toda aquela tragédia encenada, penso que o suor do Vanderlei que pingou gota a gota nas ruas de Atenas, foi como o nosso, que pinga diariamente nas maiores ruas do mundo, como que quase tudo que aqui fizemos e plantamos até hoje, fosse para crescer e dar frutos por lá...
Enquanto isso, vamos nós nos agarrando aos Vanderleis, aos meninos de ouro do vôlei, aos saltos das Daynes, aos Rubinhos, como que só isso nos restasse.
Petrônio Souza Gonçalves jornalista e escritor [email protected]
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