Como são tratados os imigrantes por Portugal?

Quando o ex-Primeiro-ministro de Portugal, José Barroso, abriu o Centro Nacional de Apoio (CNA) ao Imigrante na Rua Álvaro Coutinho em Lisboa, no dia 16 de Março de 2004, viu um centro bonito, remodelado com muita imaginação e decorado por alguém que fez o que fez com gosto, e bom gosto.

Notámos que desde o ano passado, há uma substancial melhoria na filosofia de receber o imigrante como parte integral, respeitado e bem-vindo em Portugal e damos uma nota de vinte valores pelo empenho. De facto, o centro está bem decorado, alegre, cheio de luz. Tem seis grandes fotografias na parede de pessoas de diferentes origens, tem um balcão CGD, tem uma loja de comunicações com a mensagem “É bom estar perto de casa”, tem uma máquina Multibanco, tem um bar e café, tem um cibercentro, onde as pessoas podem aceder à Internet.

Em fim, as autoridades portuguesas deram o trabalho de pensarem um pouco e rectificar aquilo que estava mal, com a inteligência de humildade e não a estupidez dos anos anteriores, em que grassava a frase “O sistema é o que é, se não gostares, vai-te embora!”

Parece que a onda que levava este tipo de idiotice já passou. Não foi sem tempo.

As autoridades portuguesas tentaram. Mas foi o suficiente? Infelizmente, não… e daí que terá de haver substanciais melhoras até ao próximo ano (quando acompanharemos um caso semelhante) para haver outra nota positiva.

Vamos relatar o que acontece em Portugal quando um imigrante vai renovar seu visto de permanência sem comentários, deixando o leitor chegar à sua conclusão. A pessoa em questão, brasileira, que iria renovar o visto de permanência, trabalha como empregada doméstica e esta foi a terceira renovação em Portugal. Tinha todos os documentos em dia e trazia todos os documentos que lhe pediram.

Tinha um papel que a convocou para estar no CNA na Rua Álvaro Coutinho ao meio-dia. Chegámos às 11.28. Já na fila, um rapaz brasileiro perguntava às pessoas o que queriam, demonstrando aquela simpatia daqueles que já passaram por isso. Fantástico. Recebemos o número A 212 e o acompanhante foi permitido a entrar (em vez de ficar lá fora na chuva como um cão como foi no ano passado). Muito melhor.

Lá dentro, uma montra com folhetos em português, inglês e russo sobre os serviços do CNA e os direitos dos imigrantes. Bem impressionados, ficámos nós. Olhámos para o quadro electrónico, que mostrava A 084…faltavam 128 pessoas à frente. (Por quê então é que nos convocaram ao meio-dia?)

Fomos para o bar/restaurante, com preços acessíveis e refeições frescas cozinhadas todos os dias, oferecendo entrada mais prato ou alternativa por 5 Euros…um espaço simpático também. Só que…”Oi! Lá! Oi! Não se pode ler o jornal aqui!” “Como??” “Não se pode ler o jornal aqui!!” “Ah, então posso olhar para os quadradinhos, como o Bush?” “Isso pode!”…continuei a ler o jornal…mas incomodado por causa da primeira ameaça que o bem que via à minha volta estava viciada, tapada, encoberta, uma capa…escondendo um mal que vinha por trás.

Fomos comer fora num restaurante indiano simpático…12.30… voltámos às 13.30, olhámos para o quadro…saímos…entrámos…saímos…até às 16.00 quando o guarda na porta disse que quem estivesse fora das portas às 16.30 não entrava mais. Ficámos por dentro, então. O espaço no rês-do-chão mede 15 metros por dez e lá dentro estão 50 cadeiras (todas ocupadas) e mais 20 pessoas em pé. Sem ar condicionado.

Angolanos, brasileiros, guineenses, russos, moldavos, romenos, cazaques, moçambicanos, cabo-verdeanos, são-tomenses, ucranianos, todos diferentes mas todos iguais e todos igualmente a abanarem a cabeça e todos igualmente a suspirarem e a olharem para o Céu e a dizerem, todos iguais, “Puxa!!” “Porra!!” “Isso..!!” “Incrível!!” Se calhar o espaço não era tão simpático como eu tinha imaginado.

De facto, às 16.30, cinco horas depois de termos chegado, fomos chamados para uma sala onde pessoas de origem imigrante atendiam os imigrantes. OK pensava eu, que bonito, os portugueses optaram por retirar aquela laia de antipáticos e doentes mentais de outrora, que atendiam as pessoas nestes lugares e os substituíram por pessoas normais e simpáticas.

E foi. O rapaz, cabo-verdeano, que atendeu a nossa acompanhante foi deliciosamente simpático…mas não foi para atribuir o visto. Foi apenas para fazer uma triagem e enviar para cima, onde o visto é colocado. Cinco horas em ponto para um rapaz ler os documentos e dizer que “Está tudo OK”. Pois, isso sabíamos há 9 meses atrás.

Deu-nos a senha F 149. O quadro electrónico mostrou F 121…mas só aos 18.00 é que apareceu o nosso número. Lá em cima o clima eras mais pesado…nem percebia por quê…até que entrei na sala. Portugueses. Poder. Uma péssima mistura.

Quando um português com letra pequena tem a oportunidade de demonstrar seu poder sobre um estrangeiro, vai utilizar esse poder até ao máximo porque sensivelmente será a única e a última oportunidade que ele terá na vida para gozar esta emoção. E aí estavam todos…o guarda que andava com os braços estendidos e os ombros esticados para o lado, ladrando “Não se pode sentar nas escadas!” (onde é que haviam as pessoas de se sentarem, no retrete? Não porque a senhora de limpeza estava a bater na porta a dizer “Abre ai! Abre ai!”)…estavam as duas pessoas a andarem dum lado para o outro sem aparentemente fazerem nada, que se vê em todos os lugares onde a autoridade portuguesa actua…estavam as oito cadeiras/estações de trabalho, cinco desocupadas.

Só dois dos três empregados nesta secção fizeram algo, o terceiro andava com uma expressão de dor aguda na cara a mexer em papéis mas sem adiantar nitidamente nada. As duas pessoas que trabalhavam tinham a frente 8 imigrantes, já loucos de tédio e em vez de chamarem os números das senhas (F 148, F 149), chamavam “Senha F”, provocando uma corrida das oito pessoas que tinham a Senha F.

Todos nesta secção têm a senha F.

Ás 18.10, fomos chamados à mesa para entregar os documentos pela segunda vez, os mesmos documentos que tínhamos entregue há uma hora e 40 minutos lá em baixo. Daí fomos enviados para fora.

Por “fora” algumas pessoas que não entendem bem, saem do recinto e esperam nos lugares… “lá fora”, como por exemplo um senhor que estava a esperar “lá fora” desde às 13.00 horas e nunca foi chamado. Outros ficam no corredor até que chegue aquele guarda que diz de vez em quando “Thank you very much, muito obrigado, merci beaucoup, muchas grácias” na mesma frase (será daqueles que dizem “Je parlez vous français, je sprechen-zie Deutsch, je Do you speak English, je habla usted español”?) e grita “Vão por aí dentro!”

Por aí dentro…pois, um espaço com seis metros por três, onze cadeiras, sem ar condicionado como o resto do centro e 15 pessoas lá dentro, quatro em pé…angustiados, desmoralizados, todos a suspirarem e a abanarem a cabeça, metade a questionar o que estavam a fazer em Portugal.

Pois é! Isso disse eu. É como se fosse feito de propósito, para se sentirem mal e irem embora. Então, parece que não passamos duma cambada de pretos, brazucas e come-ons, pelo menos é isso que transparece deste tipo de tratamento institucional.

Como é que as pessoas vão receber o visto? É fácil. Chega uma chuva de vozes de três lugares, sem microfone, a chamarem os nomes das pessoas, assim: Yu…Yuri…Yuri..She…v….ch…en…porra!..Yuri!! Yuri!!” ou então Mo…moha…mohammed…che…che….che…ga…ga….ga…Mohammed!! Mohammed!! Oi!! Mohammed!!!”

Ás 18.53, nossa acompanhante vai pagar os quase 80 Euros que lhe vai permitir residir em Portugal até Março próximo (pois, são desfasadas as datas, fica cada vez menos tempo a autorização de permanência com cada visto que passa e tenham cuidado aí com as saídas, verifiquem os carimbos das datas que colocam no passaporte, e vejam aí se colocaram um mês anterior ou um ano anterior, que vai-lhe negar a entrada quando vier das suas férias).

Sete horas e meia para colocar um carimbo num bocado de papel. Um dia de trabalho perdido. Oitenta euros gastos. Num país em que é exigido ao máximo o cumprimento à letra de todas as normas e regulamentos…sem nada em retorno...senão este dia passado na companhia das autoridades portuguesas.

Ora, o leitor tire as suas conclusões. Pessoalmente, sugiro a todos os países onde houver imigrantes portugueses, a tratá-los da mesma forma e fazer com que eles tenham de passar pela mesma degradação e humilhação que os imigrantes em Portugal têm de passar.

Sinto nojo de mim às vezes por ter dedicado 25 anos da minha vida a...isto. Mas lá vou eu continuando a tentar ajudar os que se teimem em não ser ajudados. Que estúpido devo ser.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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