Salada de laranja sem tomates

Jorge Sampaio já decidiu. Levou duas semanas e conseguiu escolher a decisão que vai contra a vontade do povo e todos os sectores políticos, a não ser os dois partidos no governo, o Partido Social Democrata e o Partido Popular, que curiosamente nem actuam de forma democrática, nem têm cariz social nem pelos vistos são muito populares, de acordo com as últimas eleições.

Levando duas semanas para fazer uma escolha destas, Jorge Sampaio confirma o medo sentido por muitos que é uma pessoa sem espinha, cobarde, cinzento, que sobreviveu como presidente porque escolheu a opção de se calar (a não ser quando choramingava em público em eventos importantes, dando azo à frase “Jorge Sampaio emocionou-se” na imprensa).

Ou será? Uma coisa Jorge Sampaio não é, e isso é estúpido. Por isso, o quê é que o levou a convidar Santana Lopes a formar governo e quais as consequências?

Em primeiro lugar, Jorge Sampaio consultou todas as figuras políticas de relevância em Portugal, ponderou e fez uma escolha muito pessoal, que entendeu ser a opção certa em tempo de crise, mesmo que isso contrariasse a vontade popular. Cobarde não é, afinal.

Em segundo lugar, Jorge Sampaio entendeu que há dois anos, foi eleito um governo e um programa, não a figura de José Durão Barroso. Por isso, agora que este aceitou o repto da Presidência da Comissão Europeia, não quer dizer que o resto do governo tem de cair, e pela Constituição portuguesa, uma das opções que causaria menos transtorno seria a escolha da segunda figura no maior partido da coligação, Santana, para formar governo.

Em Pedro Santana Lopes, o governo tem sua melhor arma, pois entende a palavra C: Comunicação. Prometeu concluir o programa da coligação e embora a consistência não tenha sido historicamente seu ponto forte, Jorge Sampaio acredita nele, aparentemente. Terá sido para deixar este governo acabar a porcaria que iniciou, assim abrindo a porta para o Partido Socialista escolher uma opção mais atraente que Ferro Rodrigues (que não seria difícil)?

Talvez não. A economia se encontra numa fase extremamente delicada, dando os primeiros sinais de recuperação. Com o parlamento de férias até Setembro (os deputados precisam de dois meses, o dobro daquilo que goza uma pessoa normal, porque tanto trabalham) uma eleição agora impunha um hiato sobre a economia e a vida diária portuguesa pelo menos até Outubro, o que poderia esmagar os primeiros passos da retoma. Dado que uma eleição nova escolheria um governo diferente, e uma governação diferente, por muito que seja desejável neste momento, levaria pelo menos seis meses para começar a “morder”…e de qualquer modo só faltaria mais um ano para o ciclo normal do governo PSD/PP acabar.

A Pedro Santana Lopes, se deve dar o benefício da dúvida. Passou seis anos a trabalhar nos municípios de Figueira da Foz e de Lisboa, deixou um túnel por fazer mas cortou aquele rabicho, escolhendo um corte de cabelo “a homem”, o que deve ter convencido Jorge Sampaio a pensar que finalmente Santana cresceu e apareceu.

Acusado por muitos por ser emotivo e instável, Pedro Santana Lopes é um político com muita experiência, que remonta à Revolução do 25 de Abril, quando escolheu o PSD (ao contrário de Barroso, que preferiu andar com correntes de bicicleta a impor a vontade dos maoistas do MRPP) e juntamente com suas consideráveis capacidades como orador, com quase cinquenta anos de idade, é agora ou nunca para a única figura do governo com o carisma suficiente para chegar ao final do mandato, eventualmente com alguma popularidade.

Se isso envolveu a queda de Ferro Rodrigues, o líder do Partido Socialista, e se invocou a fúria dos partidos da esquerda, partidos que representam os interesses do povo português (Bloco de Esquerda e a Coligação CDU, Coligação Democrática Unitária, Comunistas e Verdes), Jorge Sampaio entendeu que valeu a pena. Pelo menos os Socialistas podem agora eleger uma figura com uma imagem que não faz com que as pessoas torçam o nariz.

Se bem que a decisão de optar por Santana e excluir as eleições fosse contra a vontade destes partidos, talvez as coisas nem sejam tão más assim. O calendário demonstra que este (des)governo já lá vai há mais do que metade do tempo do mandato (como quem esteja a marcar os dias no calendário se vê com facilidade) e dá uma oportunidade aos partidos da esquerda se prepararem para uma eleição bem participada, que possivelmente eliminará a direita da cena política de Portugal durante os próximos quinze anos.

No entanto, não há que esquecer o ditado português sobre a laranja (cor política do PSD): "de manhã, ouro; a tarde, prata e a noite, mata”. Jorge Sampaio, na penumbra da sua carreira política, talvez pague o último preço: optou por impor um prato indigesto numa altura em que o povo português pedia a ementa.

A história irá julgá-lo como grande estratega com uma coragem de ferro, ou um choramingas simpático mas sem estofo.

A concluir, o Presidente da República actua como o árbitro. Decidiu, e ponto final. Entendeu onde estava o ponto de equilíbrio, e escolheu. Visto que só há uma pessoa que pode decidir, e visto que Jorge Sampaio exerceu o máximo de cuidado em fazer sua escolha, há que aceitar e observar Santana Lopes, em cujos ombros pesa uma enorme pressão.

A ver se ele chegou ao seu ponto de incompetência ou não. Se não, será bom para Portugal. Se sim, é óptimo para a esquerda.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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