Renovação Comunista

1. Três aspectos contribuíram para a particular importância das eleições para o Parlamento Europeu que se realizaram no passado domingo.

Foram eleições para um dos pilares institucionais da construção europeia, num momento em que a UE regista um alargamento para vinte e cinco Estados e em que está em curso um complexo processo de aprofundamento da sua dimensão política.

Foram eleições realizadas num período que ainda é de crise económica, em que muitas empresas atravessam dificuldades e é galopante o aumento do desemprego. Que compreensivelmente muitos cidadãos quiseram utilizar para exprimirem a sua preocupação e o seu descontentamento com a política seguida pelo Governo.

E foram eleições que iniciaram, também, como que um “novo ciclo”, que irá prosseguir nas regionais deste ano, nas autárquicas do Outono do próximo ano, e depois, nas presidenciais e nas legislativas de 2006. A que surge associado o propósito que até agora tem sido expresso pelos partidos da direita de concorrerem unidos, o que sucede pela primeira vez em mais de duas décadas, de forma a manterem o domínio de importantes autarquias, conquistarem a Presidência da República e renovarem a actual maioria eleitoral.

2. A decepcionante campanha eleitoral protagonizada pelos partidos concorrentes, com uma generalizada ausência de esclarecimento e de debate das questões de política europeia e relativas à integração europeia de Portugal, não retirou porém importância objectiva aos resultados eleitorais que se verificaram.

3. O nível de abstenção deste acto eleitoral foi muito elevado – 5 milhões e 356 mil eleitores – ou seja, mais 221 mil cidadãos do que na consulta eleitoral de há cinco anos. Do ponto de vista político este nível de abstenção não parece atribuível a uma única causa, mas a uma convergência de vários factores. Entre os quais se anotam: falta de informação e desvalorização das questões europeias, descontentamento em relação à acção do governo, ausência de identificação ou descrença em relação à actuação dos partidos concorrentes.

4. No que respeita aos resultados destas eleições para o PE, a sua leitura comparativa com os das eleições anteriores, em 1999, impõe diversas conclusões. As perdas importantes da coligação da direita, cifradas na perda de 232 mil votos, ou seja, na diminuição de 17% dos seu eleitorado. O aumento de 19 mil votos por parte do PS, o que representa um aumento de 1,27% em relação ao seu já elevado score de 1999. A significativa perda de 49 mil votos por parte da CDU, o que representa uma diminuição de 13,6% dos seus eleitores. E o aumento muito significativo alcançado pelo Bloco de Esquerda – mais 105 mil votos, ou seja, um aumento de 169,3% do seu eleitorado.

5. A principal leitura política destes resultados é a forte reprovação da acção do governo expressa pela derrota dos partidos da direita. A maré alta da esquerda, que surge com o apoio expresso de 58,5% dos votantes. Mas também o facto da CDU, apesar do contexto de derrota da direita e de crescimento expressivo à esquerda, ter averbado significativas perdas de votos (quase cinquenta mil) e de peso eleitoral, com particular incidência nos principais centros urbanos, em zonas operárias e entre o eleitorado mais jovem, embora sem consequências no número de mandatos.

6. É do domínio do “bluff”político o facto da direcção do PCP ter considerado este resultado da CDU como “positivo e encorajante”, quando muitos comunistas têm o entendimento oposto, uma vez que a CDU, não só não atingiu os seus objectivos eleitorais, como averbou o pior resultado de sempre em europeias. Na sequência, aliás, nos últimos anos, dos piores resultados de sempre nas presidenciais (2001), nas autárquicas (2001) e nas legislativas (2002).

7. Para além do resultado eleitoral, a questão que a Renovação Comunista avalia mais negativamente na prestação da CDU tem a ver a linha política errónea que continuou a ser prosseguida. O arrazoado nacionalista face à União Europeia, que em nada corresponde a um ponto de vista comunista e à defesa consequente dos interesses dos trabalhadores e dos povos de Portugal e dos restantes países da Europa. E a linha oportunista e eleitoralista que voltou a manifestar-se nos ataques primários a outras forças de esquerda, expressa nomeadamente na acusação ao PS de se identificar com o PSD e o CDS-PP na mesma “política de direita” (que o spot do tempo de antena da CDU ilustrou de forma chocarreira com a igualdade entre o “camelo PSD” e o “camelo PS”). Ponto de vista, aliás, prontamente aproveitado por Durão Barroso, ao tentar escamotear a derrota eleitoral da direita com a afirmação de que quase 80% dos eleitores apoiavam uma mesma - a sua - política. 8. A Renovação Comunista apelou à participação dos cidadãos no acto eleitoral do passado domingo, sublinhando a importância dos eleitores, através do voto nos partidos da esquerda, derrotarem a direita unida e mostrarem ao governo uma expressiva reprovação da sua política que fizesse amadurecer as condições para a sua ulterior substituição democrática. Nesta perspectiva considera de forma muito positiva o resultado global alcançado.

9. A Renovação Comunista avalia porém de forma negativa o facto dos partidos da esquerda, para além das suas naturais diferenças, não terem procurado encontrar qualquer resposta de sentido comum ou convergente à unidade dos partidos da direita. E de se terem apresentado politicamente desunidos em relação ao núcleo de orientações políticas fundamentais que estavam em debate.

Isto significa que as divisões e a incapacidade de convergência à esquerda, que já haviam constituído um dos principais factores responsáveis pela chegada da direita ao poder em 2002, continuaram a manifestar-se. O que retira eficácia à resistência à política da direita, bloqueia a perspectiva de construção de uma efectiva alternativa de esquerda para a realização de uma política de esquerda e defrauda as expectativas de mudança de muitos portugueses. 10. Porque valoriza muito a construção de uma plataforma de convergência à esquerda sobre questões fundamentais da agenda política europeia e relativas à integração europeia de Portugal, como núcleo fundamental de uma plataforma política alternativa à da coligação de direita no poder, a Renovação Comunista juntou a sua voz aos que defendem a imperativa necessidade de se progredir nesse processo, envolvente de partidos, organizações e movimentos sociais, e dos próprios cidadãos. Tornou públicos dez pontos (*), apurados no seu 3º Encontro Nacional, como contribuição para a (indispensável) discussão futura de tal perspectiva. E volta agora a manifestar o seu empenho, passadas as eleições para o Parlamento Europeu, para a sua concretização.

Lisboa, 17 de Junho de 2004 A Comissão Permanente da Renovação Comunista

(*) disponíveis no sítio www.comunistas.info

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