O trecho acima não é, leitor, de nenhum militante enlouquecido que só sabe dizer não à ALCA e não ao FMI. O pensamento é de um dos mais respeitados humanistas de nossa época e incansável defensor dos Direitos Humanos. Trata-se do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. A passagem está em seu livro Revoluções de minha geração, editado pela Moderna em 1996, mais exatamente na página 65.
Coincidentemente, a mesma organização criticada neste trecho não lembra este aspecto "sombrio" do autor quando apóia sistematicamente um movimento que Betinho ajudou a criar, o VivaRio. A Globo protege seus direitos e depois, se der, os direitos humanos.
É esta uma das maiores forças empresariais que emperram nosso desenvolvimento, domesticando mentes e omitindo tudo a seu bel prazer. Informa o que quer e como quer, sempre de acordo com interesses da principal instituição que tem ajudado, ano após ano, década após década, as Organizações Globo a se manter: o Governo. Seja por meio de conivência disfarçada ou de ajuda explícita, a história desta sombria organização não existiria se não fosse a promíscua relação entre o Estado e a família Marinho.
Como descreve magistralmente Danielson Roaly, "a existência da TV Globo foi fruto de uma parceria não permitida por lei com o capital estrangeiro. O senador João Calmon solicitou em 1966 que essa união, com a Time-Life, fosse investigada. Uma CPI foi instaurada declarando que a Globo infringira o artigo 160 da Constituição da República. Mas o presidente Castelo Branco considerou as acusações como infundadas fechando o inquérito em 1967. Em troca, por debaixo dos panos, foi preparada uma grande propaganda do governo militar, um jornal de cunho nacionalista (em 1969, estreava o Jornal Nacional)".
Constatada a participação da Time-Life, o artigo 160 era claro: "É vedada a propriedade de empresas jornalísticas, sejam políticas ou simplesmente noticiosas, assim como a de radiodifusão, a sociedades anônimas por ações ao portador e a estrangeiros. Nem esses, nem pessoas Jurídicas, excetuados os Partidos Políticos nacionais, poderão ser acionistas de sociedades anônimas proprietárias dessas empresas. A brasileiros (art. 129, nº s I e II) caberá, exclusivamente, a responsabilidade principal delas e a sua orientação intelectual e administrativa". (Constituição de 1946, leia na íntegra).
Apenas para citar mais um entre tantos outros casos, entre 1997 e 1999 a Globo obteve um financiamento de R$ 639 milhões, sempre lembrando que BNDES significa Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Por que financiar o maior e mais poderoso grupo empresarial de comunicação do país?
Concorrência desleal
Igualmente ilícita, por sinal, é a relação entre os veículos das Organizações Globo, como explica o repórter Bob Fernandes ao descrever um intervalo do Jornal Nacional:
Comerciais. Da revista Época. Mas a Época não é do grupo Globo? Quanto a Época, da Globo, paga para anunciar no Jornal Nacional da Globo? E o CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica, www.cade.gov.br], diz o quê? Cerveja com cerveja não pode, pasta de dente com pasta de dente não pode. Caracteriza monopólio, concorrência desleal. E pode, pagando o que, revista do mesmo grupo anunciar na mesma televisão? Que é, recordemos, uma concessão do Estado. [Revista Carta Capital, 18/03/02, ver em www.consciencia.net/midiandes1.html]
O 5º artigo do título I Lei nº 4.137, de 10/09/1962, dispõe: Entendem-se por condições monopolísticas aquelas em que uma emprêsa ou grupo de emprêsas controla em tal grau a produção, distribuição, prestação ou venda de determinado bem ou serviço, que passa a exercer influência preponderante sôbre os respectivos preços.
As Organizações Globo, bem como o CADE deveria prestar igual ou maior atenção ao ítem V do 2º artigo da mesma lei, que diz:
V) Exercer concorrência desleal, por meio de: a) exigência de exclusividade para propaganda publicitária; b) combinação prévia de preços ou ajuste de vantagens na concorrência pública ou administrativa. (veja em www.cade.gov.br/lei4137_10set_62.htm)
Constituição, uma obra de ficção
De Constituição, convenhamos, a Globo pouco entende. Nunca é demais relembrar. No capítulo V do Título VIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o artigo 221 prevê que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão [darão] preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Outro princípio da legislação prevê o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Em debate, o que é ético e educativo. O autor de diversas novelas da Rede Globo, Gilberto Braga, diz quais são seus princípios: Eu quero 100% de audiência no último capítulo (10/05/2004). Para conseguir tal feito, a Globo exibiu esta semana a atriz Juliana Paes semi-nua em uma praia do Rio de Janeiro. Em horário nobre. O mesmo ocorre com a novela das sete horas, só que de forma quase que diária. Eis o que a Globo entende por educativo.
Isso sem falar no trecho ignorado da Constituição que prevê a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, tema já abordado em outro artigo. (veja no final)
E se ela não respeita nem sequer a Constituição a tão lembrada Constituição, na hora de defender os latifúndios improdutivos com base no direito de propriedade , como devem proceder os juristas do país? Declarar a Rede Globo uma usurpadora dos direitos básicos dos brasileiros? Não seria este o termo técnico correto?
Qual a punição que a Globo recebe? Nenhuma, mas...
A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal (2o parágrafo do artigo 223. Corresponde a 206 deputados e 32 senadores, no mínimo). Ou ainda: O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo [10 anos para rádio e 15 para TV], depende de decisão judicial (4o parágrafo do mesmo artigo).
Cumpra-se a Lei. Mãos à obra.
http://www.consciencia.net/2004/mes/05/barreto-generais.html
Gustavo Barreto 26 de maio, 2004
Gustavo Barreto é editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ
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