Apresentação do Movimento Esquerda Socialista

Pela construção de uma oposição de esquerda socialista com influência de massas

Introdução

Nas vésperas do carnaval, em fevereiro de 2004, estourou a primeira grave crise política do governo Lula. Um flagrante de corrupção envolvendo o principal homem de confiança das operações do ministro mais forte de Lula, o ex-presidente do PT José Dirceu, detonou um escândalo relacionado ao jogo do bicho, crime organizado, fraudes em licitações e caixa dois de campanhas eleitorais de candidatos majoritários petistas. Somado ao caso de Santo André, este novo escândalo coloca o PT no centro do noticiário do qual antes o partido aparecia apenas como denunciante: a suspeita sobre altos dirigentes do partido e do governo e o flagrante sobre seus homens de confiança envolvidos em casos de fraudes, extorsões e propinas.

Quando escrevemos este documento as respostas desorganizadas dadas à crise política demonstravam um elemento importante de debilidade e de improvisação no governo. Seja como for o desdobramento final do escândalo, o certo é que o governo Lula ganha um desgaste extra, no terreno da ética, e começa seu segundo ano ainda mais comprometido com os interesses da burguesia, ainda mais amarrado pelas classes dominantes para ser um mero agente de suas políticas. Em 2003 foi o que já vimos. O governo Lula aplicou o modelo de ajuste do Consenso de Washington, isto é, deu continuidade à política econômica de FHC/Malan e seguiu ao receituário do FMI, cuja reforma da previdência em benefício dos bancos e dos fundos de pensão foi a expressão mais contundente. Para o país e o povo trabalhador o resultado foi previsível: a queda da produção da riqueza nacional, com o PIB caindo 0,2%, maior queda desde 1992, quando Collor era o presidente, enquanto o crescimento populacional foi de 1,3 %. O Brasil, portanto, ficou mais pobre.

Assim, ao longo de 2003 as massas começaram sua experiência com o governo e com o PT, um processo que tem sido razoavelmente acelerado, cujo escândalo atual é um novo ingrediente significativo. Foi na primeira onda desta experiência, com a greve nacional dos servidores públicos federais - e como acelerador desta primeira onda - que se produziu o embate dos chamados radicais contra o giro à direita do PT. A ruptura de uma parte expressiva da base social petista, em particular o funcionalismo público, foi acompanhada também por setores intelectuais, segmentos da juventude e por uma parcela de massas importante, com consciência reformista e convencida de que o PT não defende mais suas próprias bandeiras históricas.

Agora, o desafio é a construção de uma oposição de esquerda socialista com influência de massas. Apenas um projeto de esquerda conseqüente, ou radical, para usar a expressão em voga, com capacidade de atrair e influenciar setores de massas pode oferecer um canal positivo, uma ponte entre o descontentamento inexorável da classe trabalhadora e da juventude e a necessidade de uma alternativa política dos próprios trabalhadores diante da crise inevitável. Trata-se de uma necessidade para que o projeto socialista, diante da falência do PT, não seja deslegitimado. Para que exista um pólo de luta pelos interesses dos trabalhadores na sociedade. Caso contrário, a decepção provocada pelo PT será atribuída a todas as forças de esquerda. Iremos à dispersão e ao fortalecimento das tendências indicativas de um retrocesso político do país.

Tal projeto de construção de uma oposição socialista com influencia de massas não é de curto prazo nem linear. Trata-se de uma construção. A assimetria entre as forças da esquerda socialista e as da burguesia é enorme. A burguesia enquanto classe tem poderosos instrumentos para iludir o povo pobre, para mantê-lo sob sua hegemonia. Diante da debilidade de seus partidos tradicionais logrou integrar completamente o próprio PT e de tabela o PC do B em seu sistema de dominação. Ambos carregam a maioria da direção da CUT, da UNE, de inúmeros setores das direções dos movimentos populares e até do MST, cuja combatividade foi inegável durante os anos FHC, e que agora assume uma posição dúbia, marcada por um pragmatismo que, ao fim e ao cabo, sustenta um governo aplicador do ajuste neoliberal. Desta forma, com a esquerda reconhecida aplicando as reformas antipopulares e com outra parte lhe cedendo espaços e posições, a confusão e a desorientação atingem uma parte expressiva do povo.

Por sua vez as forças socialistas contam com meios sumamente modestos, sem recursos financeiros, embora se reagrupando de modo relativamente rápido. Todavia, seus laços com o povo pobre são débeis. Conta a nosso favor a experiência com o PT em curso e a necessidade social de que os trabalhadores tenham uma representação política de seus interesses. Também contamos com uma conquista política enorme: o fato dos parlamentares chamados radicais, Luciana Genro, Babá, João Fontes, Heloísa Helena, terem sido alçados a uma situação de enorme representatividade nacional, com destaque maior para a senadora de Alagoas, convertida em menos de um ano na segunda principal referência da esquerda brasileira, depois de Lula, aos olhos das massas, sendo a primeira de seus setores mais avançados, sobretudo depois de Lula dizer que nunca foi de esquerda.

Então, embora esta bancada combativa de parlamentares tenha encontrado para suas posições pouco respaldo na superestrutura partidária e parlamentar – pela evidente capitulação da maioria da chamada esquerda petista – seu prestígio foi produto da identidade, percebida pelas parcelas do povo que acompanham a política, entre suas batalhas e a história do PT. Estas parcelas sabem que o PT mudou. Mesmo entre os setores do povo que acabaram aceitando as mudanças do partido – uma parte até, estimulada pela mídia, as achando um sinal de amadurecimento - há o reconhecimento de que os chamados radicais mantiveram-se coerentes. São bandeiras sem manchas. O voto contrário à reforma da previdência foi o símbolo desta coerência. Cabe aos socialistas aproveitarem este espaço conquistado.

Assim, por baixo, no tecido social, entre milhões de trabalhadores, a ruptura com o PT se espalha. Sua força tem provocado deslocamentos com repercussões na superestrutura dos movimentos sociais e mesmo em partidos como o PSB, PSTU, em menor escala no PC do B e logicamente no PT. Embora o partido do governo siga tendo apoio de massas, sobretudo eleitoral, há um espaço à esquerda claro, um espaço aberto para o movimento por um novo partido ocupar. Finalmente, conta a favor dos socialistas o cenário de ofensiva das lutas dos trabalhadores da América Latina, em particular em países como a Bolívia, Argentina, em menor medida Venezuela, e a crise dos modelos capitalistas de ajuste. Embora o Brasil seja o elo mais forte desta cadeia, suas amarras estão ligadas às amarras dos povos que estão se erguendo para destroça-las.

Neste ano, então, a maior exigência posta será o início da construção do novo partido de oposição socialista ao governo Lula. A constituição do movimento, seus primeiros debates programáticos, a consolidação de sua coordenação nacional e das coordenações estaduais, a busca da legalidade, a inserção nas lutas, a construção de núcleos de base, a preparação das eleições de 2006, quando será pela primeira vez posta a prova a força de uma oposição de esquerda ao governo Lula.

Será uma batalha difícil, repleta de obstáculos. Os primeiros deles serão as pesadas exigências legais impostas para formar um partido – somado às dificuldades das mobilizações sociais, cujas direções tradicionais estão em sua maioria cooptadas pelo governo. A reunião do dia 19 de janeiro no RJ, porém, bem como as primeiras plenárias do RJ, SP, Porto Alegre, a reunião nacional dos servidores públicos do movimento pelo novo partido – mostraram a representatividade do movimento e as possibilidades abertas para um trabalho de confluência e reagrupamento dos socialistas na esteira da falência do PT.

O movimento pelo novo partido tem um valor estratégico e de seu sucesso depende a viabilidade da construção de um partido dos trabalhadores anticapitalista, antiimperialista e revolucionário com influência de massas nos próximos anos. Os trabalhadores mais avançados podem ser base ativa desta construção. Importantes dirigentes sindicais (ANDES, UNAFISCO, FENASPS, Fasubra, CPERS, etc) intelectuais e dirigentes políticos como Carlos Nelson Coutinho, Milton Temer, Leandro Konder – além das correntes organizadas e logicamente os parlamentares radicais (Heloísa Helena, Luciana Genro, Babá, João Fontes) - todos representativos de uma parcela importante da vanguarda, já assumiram este desafio. Intelectuais paulistas como Chico Oliveira, Paulo Arantes, Ricardo Antunes,Roberto Romano,Leda Paulani também estão contribuindo muito.

Com este texto queremos avaliar a situação nacional e apresentar sugestões, propostas, reflexões para a elaboração coletiva de todos aqueles empenhados na construção desta nova ferramenta, elaboração coletiva imprescindível para transformar em força material nosso projeto político. Assim, esperamos um fluído intercambio de idéias com nossos parceiros deste desafio comum. Há muitas questões em aberto, muitas perguntas sem resposta e até ausência de perguntas. Estamos seguros, porém, da necessidade de construir uma oposição de esquerda ao governo Lula que lute pela influência de massas e tenha capacidade de apresentar uma saída socialista para a crise do país. Seguros, ademais, da perspectiva de continuidade da estagnação crônica da economia, já transformada em sua condição normal. Quanto à crise social, é lógico que teremos um agravamento. Os conflitos de classes de uma forma ou outra irão se expressando. A experiências das massas com o governo também intensificará a erosão da base social do PT. Neste quadro, nossa orientação e política buscam desenvolver as tendências que favoreçam o caminho da organização e da mobilização direta das classes trabalhadoras, sua confiança em si mesma e em seu futuro.

MES

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