1. Se ainda existissem dúvidas, Avelino Ferreira Torres tratou de as dissipar, confirmando que o seu comportamento cívico e político está ao nível mais rasteiro de um cacique arrogante, trauliteiro e autoritário. Para o BE, dado o passado político de Ferreira Torres, a sua militância terrorista no MDLP e os múltiplos casos em que é indiciado por abuso de poder e corrupção, não houve qualquer surpresa. Avelino Ferreira Torres consegue a inacreditável proeza de ser politicamente mais repugnante que Fátima Felgueiras, sendo que ambos representam o grau zero do poder local em Portugal.
2. É de uma gravidade extrema a covardia demonstrada, perante o alucinado comportamento de Ferreira Torres, por parte dos agentes da GNR que praticamente assistiram, passivamente, sem constituírem obstáculo, aos dislates do personagem e tentativas de agressão ao árbitro. Mas é mais grave, ainda, o silêncio do comando-geral da GNR e a ratificação, por parte do Ministro da Administração Interna, do brando comportamento de tais agentes. Inacreditável, no entanto, é a incapacidade política que só um estranho medo pode explicar demonstrada pelo Primeiro-Ministro Durão Barroso, afirmando, primeiro, não ter assistido às imagens do tristíssimo espectáculo do cacique de Marco de Canaveses e proferindo, depois, uma vaga condenação geral de determinados comportamentos. Quem tudo condena, por alto, nada condena. Ferreira Torres, ao que parece, é inimputável.
3. O BE reafirma que este não é meramente um fait-divers ou acto da exclusiva esfera do futebol. Não queremos comentar, aliás, a conivência de Madail e Valentim Loureiro. Politicamente, este caso demonstra que Ferreira Torres, senador do PP e putativo cabeça de lista de uma coligação PSD-PP à autarquia de Amarante pode fazer o que lhe der na real gana. O poder a que pertence está podre e não levantará um dedo para o repudiar.
Segue intervenção da deputada Alda Sousa, hoje, no Período Antes da Ordem do Dia, na Assembleia da República
DECLARAÇÃO POLÍTICA DE ALDA DE SOUSA SOBRE AVELINO FERREIRA TORRES
Senhor Presidente,
Senhoras deputadas e senhores deputados,
Hoje, quero aqui falar do Portugal profundo. Esse que é dirigido pela confusão absoluta entre a construção civil, o futebol e os autarcas. E é esse Portugal que exige uma política de modernização democrática, tolerante, responsável é esta grande questão de Estado que importa discutir.
O país tem acompanhado a telenovela de um homem, ele mesmo construtor civil, dirigente desportivo e autarca. De um dirigente nacional do CDS/PP, de um representante da direita profunda. Tem-se falado dele por ter pontapeado uma cadeira e equipamentos dos árbitros num estádio que tem o seu nome. O estádio tem o seu nome, a avenida tem o seu nome, há bustos seus espalhados por um concelho que trata como se fosse a sua república.
Mas o pontapé é talvez somente a parte anedótica. Claro que não deixa de ser irónico o comportamento, uma semana depois do ministro José Luís Arnaut ter prometido mão pesada para a violência no desporto.
O que importa hoje neste debate nesta Assembleia, e é o único motivo que determina a intervenção do Bloco de Esquerda, é apreciar a seriedade que deve ser imposta como padrão da vida política e da actividade social de dirigentes desportivos, autarcas, deputados e titulares de responsabilidades de todos e sem exclusões. O desporto deve ter a sua organização autónoma e não se deve misturar com política, e as autarquias devem ter a credibilidade da preocupação com o bem-estar das populações, não contribuindo para guerras de interesses.
Por isso mesmo, chocam as reacções desculpabilizantes, irresponsáveis e ligeiras que se seguiram a estes episódios. Ver o ministro da Administração Interna dizer que a GNR se portou adequadamente, ouvir o Primeiro-Ministro dizer que não viu nada e que não sabe nada nem quer saber, observar o deputado Telmo Correia a dizer que não comenta excessos de agentes desportivos. Ferreira Torres é autarca e dirigente partidário, mas uma benevolência colectiva parece ter tomado conta dos responsáveis políticos da direita portuguesa.
Mas o que é mais grave não é nada disto. O mais grave é a longa história política de Avelino Ferreira Torres, um dirigente político que tem insultado opositores e jornalistas, que é acusado de usar da ameaça e da agressão física contra pessoas dentro das instalações da Câmara Municipal, que se gaba de não respeitar nada nem ninguém. Que faz dos seus caprichos portarias camarárias tão extraordinárias como as que proíbem a venda de flores no mercado ou que as pessoas cantem na via pública. Este é um comportamento de quem não aprendeu as regras democráticas, as regras de civilidade, as regras de convivência. E que faz de tudo isso o seu programa político.
Marco de Canaveses vive em estado de sítio desde há muitos anos. O silêncio e a cumplicidade do silêncio garantem que tudo pode continuar na mesma e trata-se de alguém com responsabilidades políticas: Ferreira Torres é membro do Senado do CDS/PP, apoiado, em todas as eleições à presidência da Câmara de Marco de Canaveses pelo CDS/PP, e candidato, agora que a autarquia de Marco está falida, a outra Câmara Municipal, a de Amarante, pelo CDS/PP. Um homem de quem a direita se pode envergonhar, mas que não dispensa para vitórias eleitorais. Este comportamento é o símbolo da direita profunda, a caricatura de uma cultura política de impunidade e abuso de poder. E isto, sim, é intolerável.
Quinta da Segoiva de Baixo, Campo e Lameiro de Segoiva, Campo da Portela, Quintas de Vilar e Campo, Quinta da Várzea, um prédio urbano no lugar de Maria do Gil, Quinta da Mata das Salgueirinhas, Leiras do Monte de Vale Cidreiros, um prédio urbano no lugar de Segoiva, Mata da Quinta, Campo de Sorte da Vinhola, Monte Alto dos Reis, Mata do Fonte do Marão, Leira e Mata de Nespreta, Tapada do Chelo e um prédio rústico no lugar das Fontainhas. Este é o património de Avelino Ferreira Torres, a dar como certo o que diz a imprensa de referência, tudo isto na posse de um homem que refere na sua declaração de rendimentos nem mais um tostão do que o salário de autarca.
A Câmara Municipal que dirige há vinte anos encontra-se em situação de pré-falência. Os seus terrenos, de sua propriedade privada, foram avaliados pelas Finanças do Marco pouco tempo antes de o responsável dessas mesmas Finanças se transformar em assessor de Avelino Ferreira Torres. São entretanto noticiadas vendas de propriedades ao presidente da Câmara por preços surpreendentes, como a Quinta de Vilar e Campo, que foi vendida por 200 euros. Entretanto, a Câmara compra terrenos a preços exorbitantes, sem que alguém se dê ao trabalho de explicar os valores das aquisições. O IGAT, considerando tudo isto, pediu a perda de mandato do autarca. Tudo ficou na mesma, até ao pontapé no estádio e até ao início do julgamento, tudo em simultâneo.
Para quem julgue que o CDS pretende deixar cair o homem, aí esteve o dr. Álvaro Castelo Branco, coordenador autárquico nacional do CDS e presidente da distrital do Porto daquele partido, a garantir que manteria todo o seu apoio a Ferreira Torres na sua candidatura a Amarante, independentemente da conclusão do julgamento que agora está a decorrer. Sobre esse processo em tribunal nada direi. Não se trata de competência do parlamento, e compete exclusivamente ao tribunal julgar. Mas sublinharei que quem pediu o afastamento de Fátima Felgueiras e eleições antecipadas em Felgueiras, como aconteceu entre outros com o PSD e PP, está a viver a incoerência absoluta e vergonhosa se aceitar que possa estar no exercício de funções quem, com o seu cargo, determine ou influencie o decurso da justiça. O PSD e o PP, em nome da seriedade, deviam aconselhar Ferreira Torres a suspender ou abandonar o cargo até à conclusão do processo em que responde por peculato e abuso de poder.
Em qualquer país civilizado, esta situação exigiria respeito pela lei e pela justiça. Em qualquer partido civilizado, esta situação exigiria prudência e atenção. Em Portugal e no PP, Avelino Ferreira Torres é entronizado no mais alto órgão político, onde a elite se junta para aconselhar e escolher no Senado, ao lado do ministro Bagão Félix e de outros altos representantes da direita.
Avelino Ferreira Torres é a política profunda deste país, em que a tradição do caciquismo, dos negócios e dos seus clubes locais sequestram a nossa democracia. E quem os apoia não tem autoridade moral para falar em responsabilidade política. Porque em política, todas as acções têm de ter consequências. Por isso, quem gosta da companhia de Avelino Ferreira Torres para ganhar câmaras municipais tem de responder politicamente por Avelino Ferreira Torres. Isto, mais do que um pontapé dentro de um campo de futebol, é que tem de ser debatido. Ou o PP, aqui, diz claramente que este homem perdeu a sua confiança, ou responde politicamente por cada um dos seus actos. Porque todas as evasivas têm limites. Têm o limite da democracia.
E, porque somos democratas, porque respeitamos profundamente o pluralismo político, a diversidade de opiniões e, em particular, os nossos adversários, aqui estamos a apelar à responsabilidade e à seriedade a que tem faltado em Marco de Canaveses.
Bloco de Esquerda
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