Do complexo de vira-lata à conduta de Pit Bull

Iraci del Nero da Costa*

Ao permitir que se confunda a visão realista com o "complexo de vira-lata" a proposição de Nelson Rodrigues pode nos transformar em verdadeiros vira-latas empavonados e presunçosos.(1)

É preciso, pois, adotarmos, a cada passo e em face de cada questão, uma postura equilibrada de sorte a evitar o aludido ardil que carrega consigo uma perspectiva simplista da qual é possível resultar um prognóstico enganador com respeito à nossa forma de ser e às nossas potencialidades.

Sobretudo a maioria dos políticos que nos afligem comportam-se como vira-latas enlameados por uma insofreável soberba mediante a qual pretendem nos enganar com respeito a suas capacidades para suplantarem todas as dificuldades e insuficiências com as quais se defronta a vida socioeconômica do Brasil.

A proposta da existência do complexo de vira-lata viu-se plenamente explicada por um deplorável ex-ministro da Fazenda ao qual se deve a repelente afirmação inteiramente verdadeira quando pensada em termos da vida política brasileira e que reza: "eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".(2) Vale dizer, caso adotemos tal prática para negar o temido complexo basta esconder o real condenável e exaltar nossos cometimentos tidos como alvissareiros.

Mas não são apenas nossos políticos os grandes promovedores dos execráveis exemplos de vira-latas transfigurados em seres superiores os quais pretendem nos guiar pelos falsos caminhos do engodo e da manipulação. Muitos de nós, nos mais variados escaninhos da vida pública e privada, nos comportamos de sorte a buscar - sempre de maneira ardilosa e plena de malícia - a superação do pretenso complexo de vira-lata. Exemplos de tais comportamentos são dados pela luta insana visando a alcançar a mera aparência ou benesses imerecidas.

Assim, para muitos dos críticos de nossa perniciosa passividade aos brasileiros basta-nos adotar uma solução gloriosa: abandonemos nosso lado vira-lata e deixemos que o espírito de um pit bull nos encarne.

Dois exemplos esdrúxulos desta última atitude nos são dados pela presidente da República e por nossa seleção de futebol. A seleção, por dizer-se com uma das mãos da taça da Copa, quando deveria estar com o rabo entre as pernas, a presidente por responsabilizar as condições internacionais adversas,(3) cuja recuperação econômica é reconhecida pelos mais diversos analistas, pela ridícula performance da vida econômica brasileira que se coloca entre as piores do globo. Em ambos os casos o pit bull engoliu os frágeis vira-latas e devolveu-nos mentiras grosseiras.

 

* Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.

NOTAS

1 Pessoalmente considero a formulação de tal complexo, a um tempo, arrogante e simplória.

2 É desnecessário lembrar que tal frase levou o diplomata Rubens Ricupero a pedir demissão do Ministério da Fazenda do então Presidente Itamar Franco.

3. Segundo a  Presidente da República: "Nós acreditamos na força da economia brasileira para se superar diante das dificuldades derivadas da crise internacional." Afirmação divulgada aos 07/07/2014, disponível em:

http://br.reuters.com/article/topNews/idBRKBN0FC1WK20140707  

 

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