O Brasil nosso de todo dia

“Purgatório da beleza e do caos”, o Rio de Janeiro, rotineiramente, acerta em cheio uma bala perdida em nossos corações. De meninos arrastados pelas ruas a mães baleadas enquanto embalavam nos braços seus filhos, o Rio de Janeiro vai dando-nos as mais tristes páginas de nossa pobre vida diária, tingidas pelo sangue dos mais puros inocentes.

O que há de mais belo e divino convive com o que há de mais triste e diabólico na paradisíaca cidade, fruto da conivência e convivência entre os poderes instituídos e estabelecidos. O poder do tráfico se fortalece com o tráfico de influência, amplamente exercido e propalado na outrora capital federal, a cidade maravilhosa até para os bandidos.

Vale lembrar que nas favelas não se planta maconha, não se processa cocaína, não se fabricam armas. Tudo que lá existe, vem de fora, sempre subindo os morros tortuosos da eterna desilusão humana. Para cada barreira de fiscalização, uma generosa oferta, garantindo a felicidade e a impunidade de muitos.

Mesmo com todas as guerras fratricidas, com todas as intervenções militares - dia-a-dia nas favelas e morros cariocas - os traficantes do Rio continuam sendo abastecidos por drogas e armas. Assim, eles se tornam fonte de extração, de fornecimento barato de drogas e armas, garantindo o lucro do poder institucional. Aí é que está o verdadeiro crime, aquele que o Estado não quer acabar em sua totalidade.

Isso é o que fizeram com o Rio de Janeiro, esse é o verdadeiro retrato do Brasil. Assim é o nosso país, matando, diariamente, aqueles que escolheram e querem mostrar um caminho diferente, uma nova visão de mundo, de vida, como foi o assassinato de Evandro João da Silva, o coordenador do grupo AfroReggae. Evandro representava o Brasil que deveria ser. Aqueles que o mataram, representam o Brasil que é! Aqui a vida humana vale tão pouco, menos que uma jaqueta e um par de tênis.

Ferido de morte, Evandro que lutava contra tudo e contra todos, e por sua iniciativa desenvolvia um importante projeto social nas favelas cariocas, na certa, imaginando um mundo melhor para seus filhos e netos, foi vitimado por tudo aquilo que tentou em vida combater. Justamente na hora em que mais precisou da ajuda do Estado, da intervenção da polícia, mais uma vez lhe foi dado as costas, declarando que para o Estado, uma alternativa de vida, de sonhos, pouco importa. Triste ironia de nossos dias, triste realidade nossa de todo dia.

Por certo, se os assaltantes e os policiais tivessem freqüentado seu projeto social, não seria ele vítima gratuita da violência que assola o país. E nós, os pobres coitados, acorvadados e aquartelados em nossas casas, assistimos, calados, a esta triste realidade social, no silêncio consciente e conivente de nossas salas. Na certa, guardados por Deus.

Como diz o velho adágio, “o diabo é assim: quando a gente pensa que ele não existe, é aí que ele toma conta”. Enquanto isso, os mortos vão ao poucos enterrando os seus mortos, em um dia ensolarado da mais bela e inspiradora primavera.

Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor

www.petroniosouzagoncalves.blogspot.com

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