Gabeira, o irrecuperável!

Por Fernando Soares Campos

Qual a diferença entre Severino Cavalcanti (PP-PE, propinas do restaurante da Câmara) e o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ, farra das passagens aéreas do Congresso)? Por que a mídia empresarial poupou Gabeira “da crista” da onda dos escândalos das passagens aéreas do Congresso? Muito mal exibiram um Gabeira sorridente pedindo desculpas por um “engano” e prometendo deflagrar movimento moralizante. Bom, a diferença fundamental entre os dois é que Gabeira é exímio “surfista”, e Severino mal se equilibra sobre o lombo de um jumento. Além disso, Severino, demitido do cargo de porteiro da Câmara, conseguiu uma vaga de guardião do cofre da prefeitura de João Alfredo, interior de Pernambuco; enquanto Gabeira quase abocanhou tesouro mais importante, a prefeitura do Rio de Janeiro.

Já dizia o presidente do Conselho de Ministros (deputado-chefe) da França, radical de esquerda, Georges Clemenceau (1841- 1929): “Nas revoluções, o difícil é salvar a porcelana”. Porém, para a imprensa brasileira, fácil mesmo é salvar seus bonecos numa loja de porcelana em que um macaco solto faz estripulias.

Em 2006, a revista Veja estampou: “Aos 65 anos, o ex-guerrilheiro [Fernando Gabeira] coroa uma carreira de rupturas radicais como o principal nome da luta pela recuperação da ética e da credibilidade da política brasileira”. Agora, Gabeira se tornou uma espécie de (semi)virgem no bordel.

Em 2003, Gabeira, sob a bandeira do ambientalismo, deixou o PT alegando divergências com Medida Provisória que liberava a produção de transgênicos. Em 2005, em cima do escândalo do “mensalão”, Gabeira surfou no tsunami de denúncias que arrebentou sobre o governo Lula. Foi quando escreveu artigo intitulado "Flores, flores para los muertos", através do qual tenta justificar sua saída do PT.

Eis um trecho do texto:

“Os militares batiam, davam choques e insultavam na sessão de tortura, mas vi muitos dizendo que me respeitavam porque deixei um bom emprego para combatê-los com risco de vida. Eles viam ideais no meu corpo arrasado pelo tiro e pela cadeia. O PT queria que eu abrisse mão exatamente da minha alma, e me tornasse um deputado obediente, votando tudo o que o Professor Luizinho nos mandava votar. Os militares jamais pediriam isso. Desde o princípio, disseram que eu era irrecuperável e limitaram-se à tortura de rotina. Jamais imaginei que seria grato aos torturadores por não me pedirem a alma

À época, respondi:

Essa coisa aí em cima é um trecho de um artigo de Fernando Gabeira, intitulado “Flores, flores para los muertos”. Mas bem que poderia receber o título de “Síndrome de Estocolmo”, ou, com sutil adaptação, “Como era gostoso o meu torturador”.

Parece que estou vendo, o carcereiro abre a porta da cela e anuncia:

— Senhor Gabeira, queira nos desculpar por interromper a sua evacuação fisiológica provocada pelas últimas porradas, mas está na hora de sua sessão de tortura.

— O que é isso, companheiro?! Eu já estava terminando mesmo! Vamos lá. Serei sempre grato àqueles que me respeitam. Além disso, antes do primeiro interrogatório, eu estava com prisão de ventre, apertadinho, não passava nada, agora relaxou de vez. Vamos, vamos lá. Façam os seus trabalhos. — Volta-se para os parceiros de cela e completa: — Eles são muito educados, só insultam durante o trampo. E tem mais: eles não querem que eu abra mão de minha alma.

O carcereiro concorda:

— Claro que não, companheiro! Se você morrer, a gente fica desempregado.

— Ah!, o bom mesmo é que eles não me pedem pra votar em nada!

— Isso é verdade... nem pra presidente, nem pra governador, nem pra senador... nada! Além disso, o Gabeira é irrecuperável, a esquerda jamais o terá de volta!

Sr. Gabeira, quer criticar, protestar, queixar-se, reclamar, ou seja lá o que queira fazer ou dizer sobre/contra o governo do PT? Então, seja decente, faça como boa parte da população: critique, proteste, queixe-se, reclame; diga qualquer outra asneira, mas não elogie torturadores, em nenhuma hipótese! Aprendi isso com Fausto Wolff, Ziraldo, Jaguar, Henfil e tantos outros pasquineiros. Você também esteve por lá, Gabeira. Claro que o meu primeiro professor foi meu pai, mas eles me ensinaram muito. Quer ver um título que aprovariam para o seu artigo: “Flores, flores para las posaderas”, ou para o orifício que fica entre elas.

Hoje Gabeira aparece nos noticiários com um sorriso cínico e prometendo participar de uma cruzada contra as heresias do Congresso. A imprensa, ao anunciar seu nome entre aqueles que fazem mau uso do dinheiro público, expressa ares de espanto: “Até o deputado Fernando Gabeira...” Nesse caso, o “até” ganha conotação de “Oh, Deus, como é que pode?! Logo ele, um político acima de qualquer suspeita!” Ou, conforme o destaque da Veja, “...principal nome da luta pela recuperação da ética e da credibilidade da política brasileira”.

Dia desses Gabeira afirmou: “Essa é a pior crise que o Congresso já enfrentou, mais profunda e duradoura que todas as outras juntas, pois ocorre quando o grau de consciência das pessoas é muito maior, os instrumentos de vigilância são mais eficazes e o nível de tolerância da sociedade está próximo de zero”.

Desde quando as pessoas hoje estariam mais conscientizadas?Onde estão os movimentos estudantis e sindicais de outrora? Os instrumentos de vigilância podem ser tecnicamente mais eficazes, porém os “instrumentistas” tocam as músicas que mais lhes agradam, e o povo dança conforme a música. Finalmente, nunca na História se viu sociedade mais tolerante: continua elegendo e reelegendo, por exemplo, gente como Collor, Severino e Gabeira. Dentre tantas outras múmias da política nacional.


Fernando Soares Campos
Dados biográficos
http://www.paralerepensar.com.br/fernandosc.htm

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