Discurso de Presidente Lula na íntegra

Auditório da Confederação Nacional da Indústria - CNI

Hoje é o meu dia de sorte, por um lado, porque este é o segundo evento importante que participo. E é o meu dia de azar, porque as pessoas que falam antes de mim falaram o que eu ia falar. E isso, realmente, complica.

Eu queria cumprimentar a minha esposa, Cumprimentar a companheira Benedita da Silva, Cumprimentar o Deputado Federal Armando Monteiro Neto, Presidente da CNI, Meu companheiro Jair Meneguelli, José Manoel de Aguiar Martins, Diretor-Geral do SENAI, Professores, Todos aqueles que foram premiados aqui, Dirigentes das Federações Estaduais das empresas nacionais, Meus amigos e minhas amigas,

Eu sou suspeito para participar de eventos do SENAI, porque eu termino sendo quase que um acontecimento inusitado no SENAI. Duvido que quem pensou em criar o SENAI, que parece que foi Roberto Simonsen, imaginou que de um aluno do SENAI ia sair um Presidente da República. No máximo, ele imaginou que ia sair um grande profissional da metalurgia, sobretudo lá em São Paulo.

E o que aconteceu comigo é mais ou menos o que aconteceu com as pessoas que receberam os prêmios aqui. Ou seja, na verdade todos nós, seres humanos, precisamos de oportunidades. Não existe ninguém 100% inteligente, nem existe ninguém 100% não-inteligente. Acho que todos nós temos um potencial a ser desenvolvido, e ele será desenvolvido de acordo com o grau de oportunidades que todos nós tenhamos na vida.

E eu penso que as pessoas que hoje receberam o prêmio, aqui, devem levar para casa a certeza de que esse é apenas mais um prêmio na vida de vocês. E que vocês não podem, em nenhum momento, deixar de querer conquistar outros prêmios.

Porque a vida é exatamente isso. A vida é uma busca incessante, para que cada um de nós, seres humanos, atinjamos o máximo que a nossa inteligência permite. Como dizem os especialistas, nós utilizamos apenas 10% da inteligência que está guardada no nosso cérebro. Significa que, por mais que nós utilizemos a inteligência, nós temos sempre alguma coisa nova a fazer por nós, a fazer pelos outros e a fazer pelo nosso país.

Eu queria dizer para vocês que o SENAI é uma marca na minha vida. Eu, graças ao SENAI, mudei o meu destino. Foi o SENAI que me deu uma profissão, foi por conta do SENAI que eu arrumei um emprego razoável, foi por conta do SENAI que eu deixei de ganhar o salário mínimo, foi por conta do SENAI que fui para São Bernardo, foi por conta do SENAI que virei dirigente sindical, foi por conta do SENAI que criei tudo mais que criei na minha vida. E, foi por conta do aprendizado que tive no SENAI que eu cheguei à Presidência da República.

Isso, eu acho que é um sonho que pode ser conquistado por cada um de vocês. Na verdade, a nossa passagem pela terra tem uma dimensão infinita e nós não podemos nos limitar à realidade que se apresenta diante de nós. O ser humano nasceu para desafiar as duras realidades da vida. A gente não pode nunca se conformar com aquilo que a gente tem, nós precisamos sempre estar buscando mais. A gente poderia adotar o lema de que nós temos sempre mais do que precisamos, mas temos sempre menos do que aquilo que poderíamos ter, se buscássemos um pouco mais.

E acho que é isso que o SENAI representou na minha vida. Ele me deu essa chance, como acho que deu chance a muitos de vocês que hoje, aqui, foram premiados.

Por isso, estou vindo à terceira comemoração, ao terceiro evento, aqui, na CNI. E quantas vezes houver um ato em que eu possa falar bem do SENAI, podem ficar certos de que aqui estarei, porque, dependendo da origem social das pessoas, as pessoas não dão valor a determinadas coisas. Uma pessoa que não precisa do SENAI, uma pessoa que pode ir para uma Universidade sem passar por um curso técnico, obviamente, o SENAI não tem a dimensão que teve para mim ou que teve para outras pessoas.

Mas, para milhões e milhões de famílias pobres deste país, que têm pouca perspectiva de ver o seu filho aprender uma profissão, arrumar um emprego, o SENAI passa a ter o valor que tem qualquer curso na melhor Universidade do mundo. E, se a pessoa tiver a chance, como eu tive, de fazer o SENAI, aí, pode ficar certa de que o mundo fica pequeno, porque as oportunidades se abrem. E sei que, com a evolução tecnológica, com as reestruturações produtivas que aconteceram no mundo do trabalho, muita coisa mudou no SENAI.

Mas o que me impressionou, hoje, aqui, é que mudou também a idéia de o SENAI apenas formar o cidadão para a indústria. Ou seja, é dar oportunidade ao cidadão, nas instituições que têm políticas públicas que são, às vezes, mais importantes do que qualquer política pública feita pelo Governo, de ter acesso às informações, de ter acesso aos recursos até, para que possa conseguir realizar seus sonhos.

Eu estava vendo a Irmã falar aqui e estava vendo que a voz dela é um misto de emoção com razão, porque, para quem vem de baixo, qualquer coisa, por menor que seja, dá uma emoção muito maior do que para muita gente que nunca soube o que é o sacrifício de “comer o pão que o diabo amassou” para ter um lugar ao sol neste país.

Eu quero, Armando, dizer a você, dizer aos dirigentes do SENAI, dizer a você, companheiro Meneguelli: eu nem imaginei que um metalúrgico pudesse ser Presidente do SESI, nunca imaginei. Você está aí, Presidente do SESI.

Então, eu quero dizer para vocês que eu fico emocionado. Quando vi aquela senhora, com aquela criança no colo, ter a oportunidade de, através do SENAI, fazer um processo de formação e cuidar de uma criança, com todas as deficiências que ela possui, isso faz com que a gente tenha a certeza de que nunca pode parar de acreditar no ser humano. Nunca, por mais perversa que seja a realidade. Por mais dura que ela seja, nós sempre temos que ter em mente que todo mundo, todos, sem distinção, precisam de uma oportunidade. E se tivermos, enquanto Governo, enquanto instituições, a mão estendida, certamente iremos construir um Brasil muito mais justo, mais solidário, mais fraterno, em que as pessoas se sintam no direito e com orgulho de ser brasileiro.

Eu não sei quem tenta fazer, hoje, o mesmo discurso que se fazia em 88, com relação à estrutura. É bem possível que haja erros. É bem possível. Afinal de contas, a gente, com 60 anos, vai ficando mais cheio de defeitos.

Mas o que acho é que, no Brasil, nós não temos o direito de acabar com as coisas sem colocar algo melhor no lugar. No Brasil, durante muitos anos, se acabava com coisas que, bem ou mal, funcionavam e não colocava absolutamente nada no lugar. A sociedade ficou órfã. Eu poderia citar a SUDENE, que, quem sabe, para a região Sul do país não tenha grande importância, mas 60% do ICMS do Nordeste são graças a projetos da SUDENE. Então, para que acabar com a SUDENE?

De vez em quando, se fala em acabar com a Zona Franca de Manaus. Só fala em acabar com a Zona Franca de Manaus quem não conhece a Zona Franca de Manaus, porque, se conhecer, saberá que não pode acabar.

Então, no Brasil, se acabou com a SUDEPE, se acabou com o IBC, se acabou com um monte de coisas e não se colocou nada no lugar. Foi se acabando. Ou seja, muitas vezes, em busca de acabar com a corrupção num canto, você acaba com a instituição e o corrupto é premiado com outro cargo em outra instituição para continuar roubando. Isso não é possível.

Eu acho que o Brasil precisa compreender, e todos nós, que o país não é nosso. Nós governamos o país por um mandato e por um prazo determinado. Nós precisamos aprender a ouvir mais as pessoas, para que o que a gente faça não seja o resultado do pensamento do Presidente ou do partido do Presidente, mas seja uma coisa construída pela sociedade, porque tem mais chance de ter durabilidade, tem mais chance de continuidade. Eu, por exemplo, Armando, falo todo santo dia, agora eu vou fazer a transposição das águas para o Nordeste. E vou fazer sem nunca ter prometido. Eu duvido que alguém, neste país, tenha me ouvido, em algum momento, dizer que ia fazer. Duvido. E vou fazer. Sabe por que eu vou fazer? Porque é um projeto de 1847. Ou seja, Dom Pedro era muito jovem quando ele pensou este projeto, e de lá para cá todo mundo promete e não faz. E nós sabemos que tem uma parte do Nordeste que precisa que a água chegue lá. Ah, vai custar quanto? O problema não é quanto vai custar a obra. O problema é quanto custa não fazer a obra que o povo precisa para uma área pobre como o semi-árido nordestino.

E eu até nomeei um companheiro de vocês, meu Vice, o companheiro José Alencar, que foi Vice-Presidente da CNI durante muito tempo, para ser o coordenador do projeto. Acabar com este negócio de discutir se é água do Rio São Francisco, se é água do Tietê, se é água do Tamanduateí, se é água do Paraguai. O dado concreto é que nós precisamos levar água. Como não dá para levar na cabeça, nós vamos ter que fazer os processos de transposição dessa água, vamos ter que fazer o canal. Eu já tenho a cabeça pequena de carregar pote de água na cabeça, não posso mais prometer levar água para lugar nenhum neste país. Mas nós vamos fazer porque é preciso fazer, é necessário fazer e é urgente. Da mesma forma que o SENAI é uma instituição necessária à formação de mão-de-obra neste país.

O dia em que nós colocarmos alguma coisa melhor em prática, nós vamos nos reunir aqui mesmo e vamos dizer: “Bom, acabou a experiência do SENAI, porque vamos ter uma experiência melhor”. Mas, por enquanto, eu acho que o SENAI tem um potencial extraordinário. Quem conhece o setor têxtil sabe que estou falando de uma equipe de extraordinária competência, que pode tornar este país competitivo como qualquer país do mundo, porque especialistas nós temos. E nós vamos trabalhar para isto, porque acabou o momento, Armando, de o Brasil pensar pequeno, acabou o momento de o Brasil ser considerado terceiro-mundista, acabou o problema de que nós somos pobres e quem manda no mundo é o rico. Nós vamos provar que o problema do mundo não é uma questão de dinheiro, é uma questão de projeto, definição de prioridades, determinação política, força de vontade e caráter dos governantes em executar as políticas corretas para o nosso país.

Eu ouço, Armando, há muitos e muitos anos, que o turismo é a solução do Brasil. Eu vejo as pessoas falarem: o turismo é um caminho extraordinário para o desenvolvimento do Brasil, para a geração de empregos. Você já deve estar cansado de ouvir isso na Câmara dos Deputados. Entretanto, como é que você pode falar em turismo num país que não tem, sequer, uma política de integração? Nós não temos com a América do Sul inteira ferrovias, não temos rodovias, não temos vôo diário para nenhum país, praticamente, a não ser para a Argentina. Nós não temos vôo para a África. Os vôos do Nordeste – uma grande parte dos vôos da Europa, só para o Nordeste, se forem charter. Ou seja, nós não temos propaganda lá fora. Então, nós precisamos fazer as coisas acontecerem. Nós temos que fazer acontecer.

É por isso, Armando, que eu tenho dito o seguinte: nós precisamos fazer uma combinação de uma grande política internacional com uma grande política interna.

Eu acho que nós já conseguimos, em seis meses, do ponto de vista de política internacional, aquilo que muitos estudaram a vida inteira e não conseguiram fazer. Muitos. E vamos fazer muito mais.

Porque a integração da América do Sul não pode ser um discurso sentimental. Integração da América do Sul significa que tem que haver estrada ligando os países, significa que tem que haver pontes. Significa que o Brasil, que é o maior, tem que ter generosidade e até financiar desenvolvimento em alguns setores para que empresas nossas possam trabalhar lá.

Fazer turismo significa que nós temos que mostrar, lá fora, o que temos. E, agora, nós vamos começar a fazer as coisas internamente com mais intensidade. E por que fazer com mais intensidade? Porque, de vez em quando, as pessoas querem que as coisas aconteçam com uma rapidez com que nada acontece, no mundo.

Eu vou dar um exemplo: hoje, nós lançamos o maior programa já lançado no Brasil, para a agricultura familiar – o maior programa – com três novidades. Primeiro, o marido pode pegar o financiamento para a sua lavoura, mas a mulher pode pegar também um financiamento à parte, para outra coisa que ela queira fazer na propriedade do casal. Ela não tem que ficar subordinada ao empréstimo que o marido fez, ela pode fazer o dela.

O jovem de 17, 18, 19 anos, filho dessa família, mesmo que a mãe e o pai tenham pego empréstimo, se apresentar um projeto de fazer alguma coisa na propriedade, ele também pegará o dinheiro. Porque, se não for assim, ele deixará o pai e a mãe na agricultura e irá ocupar espaço de desempregado nos grandes centros urbanos deste país.

Agora, quando a gente fala na agricultura, a gente fala no maior programa já lançado na História deste país, que foi o Plano Safra para a Agricultura Familiar 2003/2004, mas que nós só vamos poder colher a partir do ano que vem.

Eu acho que nós vamos fazer muito pela indústria. Você vai ser convidado, Armando, e os outros Deputados, para participar do programa de microcrédito, do programa de cooperativas, do programa de geração do primeiro emprego, do programa de cooperativas agrícolas.

Porque, o que nós vamos fazer, na verdade? O que nós vamos fazer é criar todas as condições para que os juros possam ser reduzidos, para que as pessoas que peguem dinheiro não paguem as taxas escorchantes que pagam hoje. Até hoje, você sabe que uma pessoa que precisa pegar R$ 200,00 numa dessas empresas que fazem propaganda na televisão, no final do ano paga 332% de juros. Nós queremos emprestar esse dinheiro a 2%, para a pessoa poder pegar e poder comprar. Diminuir o crédito nas lojas, para as pessoas poderem comprar um rádio, uma televisão, uma geladeira, comprar comida, inclusive.

E isso, Armando, começa a partir de agora. Você está lembrado do que eu disse, há um mês, de que nós iríamos começar um espetáculo de crescimento neste país. Nós sabemos o que isso representa, sabemos as dificuldades, mas sabemos, também, que se não houver determinação, eu diria quase que um trabalho de abnegação de todas as pessoas, a gente não consegue o intento.

E eu, Irmã, estou com a senhora, quando diz: “A gente não pode nunca deixar de crescer.” Eu, a cada dia que passa, a cada dificuldade, me sinto o brasileiro mais otimista que este país já teve. Nada, podem ficar certos que não tem chuva, não tem geada, não tem terremoto, não tem cara feia, não tem o Congresso Nacional, não tem o Poder Judiciário, só Deus será capaz de impedir que a gente faça este país ocupar o lugar de destaque que ele nunca deveria ter deixado de ocupar.

Eu acredito nisso, vou trabalhar para isso, com a convicção de que eu fiz o meu cursinho do SENAI para deixar de ganhar o salário mínimo. É importante lembrar que de oito filhos da minha mãe, eu fui o primeiro a deixar de ganhar o salário mínimo, o primeiro a ter uma casa, o primeiro a ter um carro, o primeiro a conquistar a cidadania. E isso eu não quero só para mim, quero para 170 milhões de brasileiros.

Meus parabéns e obrigado a vocês.

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