CORREDORES FLORESTAIS

Quando iniciou-se o desenvolvimento agrícola no Brasil, não houve muita preocupação com as questões ambientais, e as grandes áreas florestais foram se fragmentando e desaparecendo. Um bom exemplo desta devastação é o que aconteceu com a floresta da Mata Atlântica, que originalmente cobria uma área de aproximadamente 100 milhões de hectares, e hoje restam menos de 7% da sua vegetação original, que encontra-se muito perturbada e fragmentada.

Quando no Brasil iniciaram-se as atividades do setor florestal, o Código Florestal Brasileiro permitia, entre outras coisas, a retirada de toda a vegetação natural de uma área, se em substituição a esta fosse plantado 1% da área total com espécies florestais nativas (mesmo plantios puros) ou deixado 10% da área total com reservas naturais. Geralmente eram deixadas as piores áreas, pois as empresas florestais brasileiras sempre estiveram preocupadas mais com o lucro do que com a conservação do ambiente, e desta forma, cometeram verdadeiros crimes ecológicos pelo Brasil afora, reduzindo áreas florestais e isolando fragmentos de Mata Atlântica, Cerrado, Floresta Amazônica e de Planalto.

Este fato contribuiu para prejudicar importantes ecossistemas e as próprias empresas agrícolas e florestais, pois destruiu-se boa parte da biodiversidade existente, que hoje é muito difícil e custa muito caro para se tentar recuperar. Não se pensou num trabalho de interligação das reservas florestais que sobreviveram e muito menos na sua qualidade, ou seja, não houve um planejamento para as reservas remanescentes, que hoje encontram-se bastante degradadas e isoladas.

Algumas empresas agrícolas e florestais possuem relevo e sistema de bacias hidrográficas que contribuíram para uma distribuição regular destas reservas naturais, apenas porque estas áreas são de difícil exploração florestal e difíceis de serem cultivadas. Muitas destas reservas florestais encontram-se hoje interligadas pelas matas ciliares dos cursos d’água, muitas vezes em bom estado de conservação, mas na maioria das empresas o que acontece é um total isolamento destas reservas pelas florestas de Eucalyptus e Pinus, por pastagens ou por áreas de cultivo agrícola.

São centenas as espécies que atuam no controle natural de pragas florestais e agrícolas (aves, anfíbios, répteis e principalmente insetos predadores de insetos parasitas), que em qualquer área florestal ou agrícola estão funcionando no controle biológico. As reservas florestais são importantíssimas para a manutenção da biodiversidade, onde encontraremos os inimigos naturais das pragas florestais e agrícolas. Este fato contribui para uma menor utilização de biocidas no controle das pragas, ou seja, constitui numa grande economia para as empresas.

Em trabalhos realizados com a avifauna, que é um dos melhores indicadores biológicos, constatou-se que plantios agrícolas e florestais são barreiras biológicas quase que intransponíveis para a maioria dos animais, que são os principais dispersores de sementes e pólen da floresta tropical. Mesmo os plantios puros florestais, como o de Eucalyptus e Pinus, apresentam pouco ou nenhum atrativo para a fauna de uma reserva de floresta natural adjacente.

O primeiro problema sério que encontramos num fragmento de floresta natural é o efeito de borda, que é o efeito das populações da fauna e da flora que vivem ao redor. Estas populações tentam colonizar o fragmento, enquanto que as populações do fragmento também tentam colonizar esta área de transição, conhecida como ecótono. Por isso que as áreas de ecótono possuem alta biodiversidade, pois são faixas de constante tensão ecológica.

O efeito da colonização se propaga da borda até o núcleo do fragmento. As populações que vivem no interior de um fragmento florestal ficam desorganizadas, pois a tensão ecológica é muito grande, havendo redução de populações devido ao fenômeno da consangüinidade, com uma taxa de flutuação drástica.

A taxa de flutuação é dada pela seguinte fórmula: taxa de flutuação = 1/k, onde k é a capacidade de carga do ambiente (número de indivíduos). Por exemplo, se k=100 indivíduos, a população vai variar entre 90 a 110 indivíduos ou seja, a flutuação desta população estará entre 90 e 110 indivíduos, o que é razoável, havendo uma grande chance da manutenção desta população. Por outro lado, se a capacidade de carga do ambiente for k=9, a população vai variar entre 6 e 12 indivíduos, ou seja, ela atinge níveis muito perigosos, com grandes problemas de consangüinidade e perda da diversidade genética, com o acasalamento entre indivíduos de uma mesma família, tornando mais graves os problemas demográficos, conduzindo a população mais rapidamente para a sua extinção.

Em termos de planejamento ambiental florestal, devemos pensar se é mais importante a manutenção de uma reserva de floresta natural grande ou de várias reservas pequenas. Apenas uma reserva florestal grande é muito importante quando pensamos na manutenção da biodiversidade, pois quanto maior a área de uma reserva florestal, melhor sua proteção e conservação. Por outro lado, quando pensamos em controle biológico imediato, o ideal é a manutenção de várias reservas pequenas bem distribuídas, pois teremos mais núcleos de dispersão de inimigos naturais das pragas florestais, atingindo maiores áreas (mas com limitação de tempo). O controle natural de pragas deve ser feito em nível endêmico, nunca deixando-se atingir o nível epidêmico.

Em estudo realizado em fragmentos de floresta semidecídua no Brasil, com diferentes áreas, constatou-se que quando reduzimos 10% de uma área de floresta natural, automaticamente reduzimos 50% das espécies de animais existentes, e com isso interferimos drasticamente na interação do ecossistema. Neste estudo, para as espécies de aves, em fragmentos de menos de um hectare, quando comparado com fragmentos vizinhos de maior área, houve a redução de 100% das espécies insetívoras que vivem no chão da floresta, 87% das espécies insetívoras que vivem no sub-bosque, 75% das espécies insetívoras que vivem na copa das árvores, 72% das espécies que se alimentam de larvas de insetos dos troncos das árvores, 72% das espécies insetívoras que vivem no estrato médio da floresta, 70% das espécies frugívoras de grande porte que se alimentam basicamente de frutos no chão, 65% das espécies onívoras (que se alimentam basicamente de insetos e frutos), 35% das espécies inseto-carnívoras de hábito noturno, que se alimentam de insetos e pequenos vertebrados, 32% das espécies carnívoras que se alimentam de animais em decomposição, 32% das espécies carnívoras de hábito diurno e 8% das espécies néctar-insetívoras. Os únicos nichos favorecidos foram o de insetívoras do espaço aéreo e granívoras da borda da floresta, com um aumento de 15 e 35% respectivamente. Tal fato é explicado pelo aumento da área de borda e das áreas abertas pelo processo de fragmentação.

Na maioria das vezes, os fragmentos de florestas naturais encontram-se isolados, ou seja, sem ligações com outras áreas de vegetação natural. Deve-se no entanto, pensar numa integração destas áreas para a obtenção de uma maior biodiversidade local, pois é o que vai possibilitar a sustentação das populações de animais e vegetais existentes.

Em qualquer ambiente estudado, é importante saber como se encontram os núcleos de dispersão (fragmentos de florestas naturais). Se forem implantados corredores de vegetação natural interligando os núcleos de dispersão, estes corredores poderão sofrer influência direta destes núcleos de dispersão, facilitando a dispersão de insetos, répteis, aves e mamíferos, entre outros animais. Algumas pesquisas apresentam dados em padrões de movimentação de diversas espécies de animais entre fragmentos de vegetação natural, sendo mais freqüente o movimento entre fragmentos conectados por corredores de vegetação natural do que entre fragmentos isolados.

Os corredores de vegetação natural ligando fragmentos florestais devem ser utilizados como uma estratégia para mitigar os efeitos de áreas agrícolas e de plantios florestais sobre a fauna e a flora. Diversos fatores podem influenciar na utilização destes corredores, como a biologia, ecologia e história de vida das espécies existentes, a real necessidade do corredor e dos fragmentos para a fauna, sua largura, a localização dos fragmentos e a pressão antrópica sobre eles.

Estes corredores podem também complementar a cadeia de reserva alimentar existente, aumentando a área efetiva de hábitat para a fauna, e com isso os vínculos entre a fauna e o hábitat. Ou seja, estes corredores podem constituir-se em hábitats importantes para diversas espécies de animais. Porém, podem não ser efetivos para a conservação de todas as espécies de animais existentes, e o estabelecimento delas não é a solução para todos os problemas da conservação da biodiversidade.

Resumindo, os corredores de vegetação natural podem ser definidos como hábitats que permitem o movimento de organismos entre fragmentos isolados, principalmente espécies vulneráveis à extinção. Devemos considerar na implantação destes corredores, às exigências das espécies, pois a sua habilidade para usar um corredor prosperamente é em parte dependente da sua largura e composição. Na maioria dos casos, a determinação da largura mínima do corredor será um cálculo empírico.

A largura do corredor está diretamente ligada ao efeito de borda. As populações de animais que encontram-se nos ambientes vizinhos poderão interferir drasticamente na área do corredor, sendo que os animais presentes neste ambiente reagirão, pois as populações são móveis, defendendo o território. Portanto, territórios localizados nas margens podem se ampliar para o interior do corredor, impedindo a passagem de outros animais em conflitos pela defesa do território. Por isso é importante que a largura do corredor seja a maior possível.

Algumas espécies, principalmente as que vivem na borda (margem) de um fragmento florestal, suportariam transitar em ambientes sem vegetação arbórea, mas quando existe um plantio puro de Eucalyptus ou Pinus, por exemplo, isolando os fragmentos, este ambiente torna-se uma barreira muito forte, principalmente se não houver um sub-bosque natural bem desenvolvido, o que infelizmente ocorre na maioria das empresas florestais. Outro fato importante é a ligação de ambientes semelhantes, pois a ligação de ambientes diferentes favorecerá temporariamente apenas as espécies adaptadas aos dois ambientes.

As características das espécies da fauna, assim como as da flora são muito importantes no sucesso do deslocamento entre fragmentos. As espécies que encontram-se confinadas em estreitas zonas de alimentação tornam-se extremamente dependentes da forma precisa que a vegetação é estruturada. Há espécies que se translocam com muita facilidade, enquanto outras têm muita dificuldade. Este fato depende da susceptibilidade da espécie à competição. As espécies de borda, por exemplo, suportam muito a competição, mas as espécies florestais (ombrófilas), que vivem no interior da floresta, não são tão adaptadas. Há espécies que vivem em conflito constante, até se favorecendo deste fato, mas outras não suportam a tensão ecológica, pois estão adaptadas às condições únicas do ambiente em que vivem.

Espécie biológica é o conjunto de populações naturais, onde há fluxo gênico e exista uma população mínima viável, isolada de espécies semelhantes. Em populações isoladas ocorre o fenômeno das metapopulações, que é a interação destas populações isoladas. O isolamento das populações é natural, fazendo parte da biologia das espécies, mas o grande problema hoje é que estamos isolando as populações em ambientes muito pequenos, abaixo da sua sustentabilidade.

Os corredores de vegetação natural podem ser utilizados para aumentar a diversidade genética entre as populações, mas podem também contribuir para a diminuição desta diversidade, pois a migração entre populações individuais pode acabar homogeneizando como um todo a metapopulação. Os corredores podem permitir a passagem de doenças, predadores e espécies exóticas entre fragmentos e comprometer a dinâmica de uma metapopulação.

A metapopulação depende de diversos fenômenos, como a história de vida, qualidade do hábitat, presença de doenças, impacto humano no seu entorno, depressão consangüínea, variação demográfica, catástrofes e variações ambientais, principalmente de temperatura, intensidade de vento e chuva.

Se analisarmos uma metapopulação, observamos que nela ocorre o fenômeno da consangüinidade, que traz alterações fisiológicas, morfológicas e ecológicas, degenerando a base genética da população, diminuindo a resistência fisiológica dos indivíduos e a viabilidade da prole, reduzindo a população. Se não houver um bloqueio deste processo a população é levada à extinção.

Estudos realizados na Nova Zelândia comprovaram que os corredores de vegetação natural facilitavam a passagem de algumas espécies de animais entre fragmentos de floresta natural, mas ameaçavam o desenvolvimento de outras espécies. Há também exemplos de predadores, como algumas serpentes, que se utilizam dos corredores como ambiente de fácil captura de alimento, devido ao fluxo mais intenso de animais (presas).

No geral, muitos animais utilizarão os corredores entre fragmentos florestais, se estes estiverem disponíveis, mesmo aqueles corredores que se constituírem num estreito caminho e demasiadamente pobre em diversidade vegetal, pois são extremamente necessários para algumas espécies. Os corredores podem se constituir num hábitat útil para diversas espécies vegetais e animais, mas estão longe de serem uma solução para os problemas da fragmentação das florestas naturais e para a conservação da biodiversidade.

A efetividade do corredor deve ser confirmada com a passagem de espécies florestais entre os fragmentos interligados, principalmente das espécies que vivem no sub-bosque e no interior da floresta, o que não foi constatado nos poucos estudos que já foram realizados. A passagem não foi efetiva nem mesmo para a maioria das espécies mais adaptadas à tensão ecológica e às pressões antrópicas.

O fato da não constatação da passagem de espécies florestais entre fragmentos, utilizando-se de um corredor de vegetação natural, não inviabiliza a hipótese de que haja troca de material genético entre os ambientes (fragmentos) interligados, principalmente àqueles cuja riqueza florística e faunística são semelhantes, pois os corredores aumentam a porosidade entre os fragmentos florestais, permitindo uma maior aproximação entre as espécies outrora isoladas.

A largura do corredor está diretamente ligada a sua efetividade, no entanto, a largura ideal é uma medida empírica, existindo outros fatores que podem influenciar na sua utilização pela fauna, como a área, composição e estrutura da vegetação, vizinhança, efeito de borda, pressões antrópicas, tensão de agentes externos, como fogo, inseticidas e espécies invasoras, biologia, ecologia e dinâmica das populações do corredor e dos fragmentos interligados.

Com a fragmentação dos ambientes naturais, algumas espécies da fauna, principalmente as mais adaptadas às pressões antrópicas, passam a utilizar o corredor, assim como os ambientes adjacentes, contribuindo desta forma para o aumento em densidade das espécies adaptadas aos ambientes antrópicos. O aparecimento de novas espécies, distribuídas em diferentes grupos tróficos, e o aumento na diversidade de espécies da fauna no corredor, demostra que o mesmo está funcionando como uma efetiva área de hábitat, complementando a cadeia de reserva existente, fato que dificulta o fluxo de algumas espécies pela competição por alimento e abrigo.

Os plantios agrícolas e florestais homogêneos, assim como as áreas de pastagem constituem-se numa barreira para as espécies da fauna, principalmente as florestais. Os plantios florestais mistos e com sub-bosque bem desenvolvido, e os sistemas agrossilvopastoris, onde o impacto sobre o ecossistema é muito menor, podem funcionar como corredores para algumas espécies mais adaptadas às pressões antrópicas, aumentando desta forma, a porosidade dos fragmentos e dos corredores de vegetação natural.

De qualquer forma, as espécies ombrófilas, que vivem no núcleo do fragmento, e que não saem em céu aberto, vão depender diretamente desta ponte (corredor) para alcançarem um outro fragmento florestal. A instalação de ilhas de vegetação entre fragmentos é muito mais econômico, mas restringirá as espécies ombrófilas. Portanto, o resultado desse trabalho vai depender muito do tipo de ambiente que existir entre os fragmentos. A ligação de ambientes diferentes, ou um corredor com vegetação diferente dos fragmentos ligados favorecerá apenas as espécies adaptadas aos dois ambientes. A maioria dos animais não irá para o novo hábitat, ou demorará muito para se adaptar às novas condições. Portanto, deve-se dar maior importância na ligação de ambientes semelhantes.

A ligação de fragmentos florestais só será efetiva, tanto para a fauna como para a flora, se tivermos dentro deste eixo, pelo menos temporariamente, uma representação destas populações. Os novos indivíduos terão que se estabelecer nas novas áreas, competindo com outras populações que estão dominando o novo território, até conseguirem se reproduzir, contribuindo com nova carga genética para o ambiente. Estes corredores irão minimizar os impactos ambientais nestas metapopulações. Este processo não irá resolver todos os problemas causados pela fragmentação de ambientes de vegetação natural, restando um último recurso que é a translocação induzida.

Geralmente este trabalho tem dado sucesso com grandes animais, altamente conspícuos, como é o caso do bisão norte-americano, que chegou ao limiar da extinção nas pradarias norte-americanas, passou pelo status de espécie rara, depois ameaçada e hoje se encontra num estágio normal, graças ao trabalho de translocação induzida. Nas florestas tropicais, onde existem centenas de espécies nos fragmentos, esta prática torna-se muito complicada, além de custosa. Portanto, paralelo ao trabalho de recuperação e enriquecimento de fragmentos e formação de corredores interligando-os, devemos acompanhar e estudar o comportamento e o fluxo dos animais, principalmente das espécies da avifauna, que são excelentes indicadores biológicos.

A diversidade da vegetação e o número de estratos verticais estão diretamente ligados à diversidade e densidade da fauna. A distribuição, diversidade e densidade das plantas produtoras de frutos para a fauna determinam a diversidade, densidade e freqüência, principalmente das espécies frugívoras e onívoras.

Os corredores de vegetação natural ligando fragmentos florestais devem ser utilizados como uma estratégia para mitigar os efeitos da fragmentação e das pressões antrópicas, independente da sua dimensão, mesmo não sendo efetivos para a maioria das espécies.

Fábio Rossano Dário Pisa - Italia

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