MERCOSUL x ALCA

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, tem sido parte da política internacional brasileira tentar discutir a Alca (a Área de Livre Comércio das Américas, proposta pelos Estados Unidos) não individualmente, mas através do bloco do Mercosul (composto por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).

Isso faz parte de uma estratégia para ganhar mais força na hora de tentar derrubar as restrições comerciais impostas pelo governo estadounidense, das quais ele não abre mão (como os subsídios à agricultura e a proteção da indústria siderúrgica, que impede o Brasil de exportar soja e aço aos Estados Unidos).

Foi uma boa estratégia, pois quatro países unidos, dos quais dois são muito grandes, têm mais força para pressionar os Estados Unidos: se estes querem que abramos o nosso mercado a seus produtos, terão por sua vez que se abrir também aos nossos. Já a política estadounidense de negociação da Alca tem sido, desde o governo de Bill Clinton, a de acelerar as negociações, discutir em separado com cada país a abertura de seu mercado e assinar o tratado o mais rapidamente possível, pois assim os demais países não tem tempo nem força para pressionar a abertura de alguns setores do mercado norte-americano.

Felizmente, o governo FHC percebeu a intenção dos EUA e recusou-se a assinar o tratado que previa a Alca para 2002.

Mas parece que a Alca, além de ser uma proposta unilateral (onde todos os países abrem totalmente seus mercados aos produtos dos Estados Unidos, e estes abrem só aqueles setores que sabem ser competitivos e têm condição de eliminar a concorrência, mantendo subsídios e protecionismo aos setores que não o conseguem), provavelmente irá eliminar o Mercosul.

Com a possibilidade de exportar a pesos-pesados da economia como Estados Unidos e Canadá, e também importar deles, as relações comerciais entre o bloco sul-americano, de países com economias muito menores, seriam marginalizadas e teriam importância cada vez menor. Talvez a Alca até possa ser útil ao Brasil, como foi para o México a sua adesão à Nafta (a Área de Livre Comércio da América do Norte, na sigla em inglês), que foi um dos motivos porque este país se tornou a maior economia da América Latina (em 2001, o PIB mexicano superou o brasileiro). Talvez a economia brasileira possa crescer mais, com a possibilidade de exportar mais aos Estados Unidos (mesmo com o protecionismo), e voltar ao antigo posto de maior economia latino-americana.

Mas a Alca, da qual a Nafta é o embrião e o modelo, tem o grande defeito de ser apenas uma área de livre comércio: não há nenhuma proposta de integração política e social entre os países, nem criação de moeda única (quem assumiria este papel seria com certeza o dólar, controlado pelo Banco Central dos EUA), nem livre trânsito de pessoas. Basta ver o quanto os mexicanos ainda sofrem para entrar nos EUA, a burocracia e o interrogatório a que turistas e até caminhoneiros que transportam produtos para o "irmão rico" do norte têm que se submeter, para evitar a entrada de imigrantes ilegais. A proposta de livre comércio dos Estados Unidos é apenas a livre circulação de produtos, e ainda assim excetuando aqueles que podem prejudicar a economia estadounidense (como aço e soja brasileiros, mais baratos que os dos EUA).

Por outro lado, temos já há quase duas décadas o Mercosul: apesar de vários problemas, como desentendimentos sobre o comércio de alguns produtos entre os dois maiores sócios e a má vontade do ex-presidente argentino Carlos Menen (que governou até 2000), ele tem se fortalecido nos últimos anos. A grande vantagem do Mercosul é ter sido inspirado no modelo da União Européia; por isso ele é o melhor bloco criado até hoje no continente americano.

Mais que uma área de livre comércio, o Mercosul prevê facilidades para seus cidadãos entrarem e mesmo morarem em outros países-membros (para visitar qualquer país-membro como turista, não é necessário sequer passaporte), cada vez mais o bloco tem se pronunciado como um todo coeso em questões internacionais (como as críticas ao protecionismo agrícola dos EUA e da União Européia, e o repúdio à guerra feita sem motivo justo contra o Iraque), e há também a proposta de criação de um parlamento e moeda única, que os presidentes do Brasil e da Argentina já se propuseram a criar.

O Mercosul, embora estagnado economicamente (a economia brasileira não cresce significativamente há vários anos, a Argentina está apenas iniciando sua recuperação, e Paraguai e Uruguai tampouco podem crescer sem as duas locomotivas do bloco), traz mais vantagens do que a Alca, exatamente porque ele é muito mais do que um tratado de livre comércio. A maior integração política e social entre os países sul-americanos, a possibilidade que Bolívia e Venezuela venham a integrar o bloco, a criação de uma moeda única, tudo isso fortalecerá cada um dos países. E mais: a União Européia já há alguns anos está negociando com o Mercosul para criar o primeiro acordo comercial feito entre blocos.

Sem dúvida, negociando juntos, os países do Mercosul têm mais chances de conseguir abrir o mercado europeu (principalmente o agrícola, que é o mais subsidiado), do que negociando em separado com os Estados Unidos. Por isso, todos os países-membros e associados que pretendem integrá-lo no futuro (como a Bolívia e a Venezuela; o Chile, antigo parceiro, recentemente afastou-se do Mercosul, assinando um tratado comercial com os EUA) devem cerrar fileiras em torno de nosso bloco, para aumentar a pressão sobre os Estados Unidos na hora de negociar acordos comerciais, para conseguir um acordo inédito com a União Européia, para aumentar nossa participação política e estratégica no mundo e, principalmente, para construir uma região onde todos os países e todos os cidadãos tenham direitos iguais e plena liberdade de ir e vir.

Por isso, se os Estados Unidos continuarem pressionando contra um acordo 4x1 (ou seja, os quatro membros do Mercosul negociando em conjunto com os EUA), visando enfraquecer o bloco sul-americano e substitui-lo pela Alca, forçando-nos a uma escolha entre o Mercosul e a Alca, espero que os governantes destes países tenham o bom-senso de escolher o mais vantajoso. Pelo que se depreende dos discursos dos presidentes Lula e do recém-eleito Kirchner, é o que acontecerá, pois ambos se comprometeram a fortalecer o Mercosul.

Algumas ações já foram tomadas: por exemplo, Lula já autorizou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a financiar as exportações de indústrias argentinas, que sofrem com a falta de crédito, o que ajudará muito na recuperação econômica deste país, e também o Brasil: pois uma Argentina que produz mais é uma Argentina mais rica que, por sua vez, pode comprar mais produtos do Brasil. Tomara que mais ações como essa venham logo. Carlo Moiana Pravda.Ru MG Brasil

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X