Portugal: A Política Orgulhosamente Má

Eça de Queiroz falava no século 19, quando Portugal ainda tinha algum peso no tecido geo-político do mundo. Nós agora estamos no início do século 21, quando Portugal está no fundo da tabela dos indicadores socio-económicos da UE, num lugar que teima em ser cativo.

Não tenho qualquer prazer em bater constantemente nas orelhas deste Portugal, ao qual dediquei todas as minhas energias durante um quarto de século. Queria ver um país em que os seus filhos possam crescer com orgulho, num país que lhes dê pelo menos a oportunidade de brilhar nas carreiras da sua escolha quer interna, quer internacionalmente.

No entanto, o povo português, colectivamente, tem o defeito de se acomodar, de encolher os ombros e aceitar “as coisas são assim”. Só que não têm de continuar a ser.

A afirmação do Secretário de Estado adjunto do senhor Primeiro Ministro, nem interessa quem é para não humilhar o senhor, é um exemplo típico da política de desenrascanço não só deste governo mas deste sistema de governar. Quase se pode ouvir as palavras “Ei pá! Que se lixe o profissionalismo, basta uma merda qualquer! Eles que aprendam a ler em português!”

Eles não precisam de ler em português porque eles estão bem acima de Portugal na tabela dos indicadores, neste mundo onde os pobres têm de aprender a falar a língua dos ricos. Quem precisa de apresentar uma imagem profissional, em português ou em qualquer outra língua, é Portugal, para que seja visto e respeitado e para que comece a aproximar-se aos valores dos indicadores europeus, depois de quase duas décadas na Comunidade Europeia, agora a UE. Já é tempo.

Para isso tem de haver uma mudança profunda da filosofia de governo em Portugal. Tem de acabar de vez a política do desenrascanço, de fazer os projectos em cima do joelho, quase por vergonha...enfim, uma merda qualquer.

Tem de haver um plano nacional e para isso, tem de haver dirigentes com uma visão clara da direcção em que andam, do rumo que seguem, do sentido em que vão.

Tem de acabar com a “filosofia da onda”, em que uma mudança de governo é seguida por uma onda laranja (PSD) ou rosa (PS) em que os lugares de destaque nem sempre são ocupados pelos mais competentes, em que a vontade e a necessidade de protagonismo pessoal fica bem acima do que é politicamente desejável para o futuro do país.

Tem de acabar a prática de suspender as políticas seguidas pelos técnicos durante o governo anterior, só e unicamente porque eram duma cor política diferente e tem de acabar a prática dos ministros, mesmo sendo do mesmo partido, mandando destruir toda a documentação dos processos elaborados durante o seu mandato, para retirar quaisquer louros do novo ministro da tutela que virá ocupar o lugar. Acontece e os que o fazem sabem que sim e sabem quem são.

Que Portugal tem toda a possibilidade de se afirmar na comunidade europeia e internacional, tem. Tem extraordinárias qualidades, senão o português não seria a sétima língua mais falada no mundo (se bem que isso é devido maioritariamente ao Brasil, mas o Brasil é filho de Portugal) e senão, Portugal não seria um país independente.

No processo da independência de Timor Loro Sae, Portugal mostrou que os seus diplomatas possuem todas as qualidades para fazer com que a voz da nação e da razão se ouve. Na EXPO 98, os portugueses mostraram ao mundo que afinal, conseguem pensar em grande e fazer uma obra de excelência igual às de qualquer outro país, senão talvez melhor ainda.

Na Euro 2004, Portugal outra vez pensa em grande. Se dez estádios de futebol são exagero ou não, a história dirá mas deixemos Portugal gozar do benefício da dúvida até ser provado o contrário, porque pelo menos Portugal pensou como gente grande e decidiu não se apresentar como anfitrião do Euro 2004 juntamente com a Espanha.

Portugal tem uma responsabilidade não só perante os seus cidadãos e os das suas ex-colónias mas também perante a Europa de Leste, onde a sua história política e económica e o seu tamanho deveriam fazer deste país um exemplo a querer seguir, um bom aluno a imitar, um parceiro amigo sem cauda de imperialismo financeiro, que segue os pesos-pesados.

Para assumir essa responsabilidade e tomar seu devido lugar entre os grandes, sem vergonha, sem sentido de inferioridade e com orgulho, Portugal tem de começar a trabalhar a sério, e muito.

Para assumir a sua devida posição no seio da comunidade internacional, Portugal tem de tratar a sua população imigrante com o devido respeito e dignidade, não como se estivessem cá a mais, para aprofundar os laços humanos com o resto do mundo lusófono. Portugal tem de começar a instilar nos seus governantes a noção de que um lugar de responsabilidade traz com ele responsabilidades e privações pessoais intrínsecas.

Um lugar de destaque é um dever social, não é uma porta aberta à riqueza e protagonismo, não é lugar para os que teimam em praticar políticas vendadas, incoerentes, egoístas e continuamente más, que denigrem a imagem do país e coloca a grilheta contra o desenvolvimento das condições de vida para o seu povo, que não merece uma classe política tão míope.

Em termos de potencial, Portugal tem tudo, e muito. São horas de acordar da sonolência e de olhar para o futuro, que Dom Sebastião não volta mais.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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