Legalização dos Imigrantes em Portugal

Será que o governo português sabe o que se passa na Segurança Social e no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras? Para o bem deles, e todos os imigrantes em Portugal, eis o meu relato, depois de ter passado um dia e meio deste mês na companhia duma imigrante que preparava o seu segundo visto de permanência.

Chegámos à sede da Segurança Social na Rua Afonso Costa bem cedinho de manhã no dia 6 de Maio. À nossa frente, 336 pessoas, tendo alguns dos quais chegado às seis da manhã.

Às três da tarde, ia no número 236. Fomos recebidos às 19.30. Lá dentro, nem o mínimo de condições, só um mar de gente sentado em filas, umas 150 pessoas num espaço digno para se chamar pocilga, tanto era a falta de ar, de luz, de acolhimento. A mensagem, para bom entendedor, é nítida: “Não os queremos cá e estamos a dificultar ao máximo sua permanência”.

Um dia de trabalho perdido. Para a imigrante em questão, nem significava grande coisa mas tantas vezes ouvimos as lamentações: “O patrão vai-me cortar o dia” ou “Ai Deus, vou ser despedida” ou “As crianças estão sozinhas em casa” ou “A minha mãe não sabe tomar o medicamento e chegou a hora há três horas”...

Hoje foi o dia de receber o segundo visto de permanência, privilégio que custa nada menos do que 75 Euros, uma fatia substancial dos ordenados mínimos (350 Euros antes de descontos) ganhos pela maioria dos imigrantes em Portugal, depois de a nossa imigrante ter perdido mais meio dia, dois meses antes da data de expiração do visto, para marcar este dia na Rua Eduardo Galhardo, no departamento dos vistos do SEF. Ao chegar, deparamos com um português, barrigudo, numa carrinha. Ao passar, olhou para as filas intermináveis de estrangeiros que estão cá a ganhar o seu pão e disse: “Uma cambada de pretos, brazucas e come-ons!” e segue seu caminho.

Às nove da manhã, como estipulado, lá estava a imigrante, com os documentos pedidos na lista que o SEF lhe tinha entregue. Às 10.10, apareceu (a apontar que não é permitido a presença de acompanhantes, nem que sejam crianças ou maridos, esses têm de esperar cá fora no frio, chuva ou calor, como cachorros). “Já está?”, disse eu, incrédulo.

Longe disso. O SEF não tinha dito que sendo o patrão estrangeiro (da UE), tinha de tirar uma cópia do seu cartão de residência. Por isso fomos de táxi para o escritório dele, e daí para a casa dele, à procura deste cartão que ele afirma nunca ter usado em 36 anos em Portugal. Até hoje. Já cansados e prontos a desistir, tentei telefonar ao SEF dum telefone público para ver se poderíamos voltar no dia seguinte. “O número que ligou não está atribuído” disse a voz da PT.

Telefonei ao 118. Deram-me um fax. Liguei outra vez. Deram-me um número que tocou 47 vezes à primeira, antes da chamada cair. A segunda vez, deu som de interrompido. Na terceira tentativa, tocou 21 vezes e caiu a chamada. Cada vez que liguei, o telefone engoliu a moeda de Euro, sem devolver os trocos.

Conformados, de volta ao SEF, fomos à loja de fotocópias mais perto. A máquina estava avariada. Fomos a outro, a 15 minutos de distância. Fechado. Outra volta de taxi, tiramos a cópia.

Lá entrou nossa imigrante...e saiu outra vez. Desta vez foi o papel que a Segurança Social tinha passado...estava errado o documento e ela teve de ir a este departamento, dentro do SEF, adquirir outro tipo de declaração. Uma hora mais tarde, apareceu outra vez. “Agora tenho de pagar”.

Perguntei a um guarda quanto tempo demorava. “Um tempinho”. “Um tempinho, ou um tempão?” “Um bocado.” “Quanto?” “Um bocadinho, olha acabou a conversa!” Tirei o PRESS CARD, mudança de atitude. “Senhor jornalista, uma a duas horas, talvez três”.

Para pagar os 75 Euros e receber um visto no passaporte. Foram duas horas, sentados numa sala enorme, com uma parede branca e o ocasional grito do guarda “Sentem-se nas cadeiras!”, dirigido às pessoas encostadas no parapeito da janela, para o nosso entretenimento. Seis filas de doze cadeiras de plástico branco. Uma mulher entra desesperada, porque também pediram a fotocópia do cartão de residência do patrão, um alemão, ausente na América Latina durante 4 meses. Sem meio de o contactar, ela teme que vai ser expulsa. Os olhares de solidariedade estão temperados pela depressão e desespero de cada pessoa, presa nesta deplorável situação.

As pessoas são chamadas por uma menina com voz fininha, sentada a uns 30 metros do murmúrio da multidão. Sem microfone, ninguém ouve. Os guardas gritam. Dois dias de trabalho perdido e 75 Euros.

Para quê? Para darmos graças a Deus que estamos na União Europeia? Bem vindos! Ou será que não passamos duma cambada de pretos, brazucas e come-ons? A escrever esta peça, já estou a ouvir a reação, bem à portuguesa, que já ouvi tanta vez nos meus 23 anos neste país: “Se não gosta, a porta está aberta” e “Quem não está bem, que se mude!”, duas frases de fácil consumo para o ignorante inculto e inútil que nada quer fazer para melhorar uma situação má, boa explicação essa pela posição de Portugal, coladinho ao fundo da tabela dos indicadores sociais e económicos da UE, prontinho para ver os novos membros do Leste a ultrapassá-lo daqui a pouco tempo. Um tempinho...um bocadinho.

Sugere-se uma mudança de atitude. Sugerimos que os portugueses não se esqueçam que eram e continuam a ser um povo emigrante, o que quer dizer que são também imigrantes noutros países, onde de certo não são classificados, nem tratados, de “uma cambada de pretos, brazucas e come-ons”.

Sugerimos que os portugueses comecem a tentar merecer aquele rótulo de hospitaleiros que tanto afirmam ser, porque há muito tempo não vejo isso, a não ser que passe um dia bem longe da cidade, no campo, aí sim.

Sugerimos que as autoridades comecem a respeitar os direitos e o tempo das pessoas, sejam elas portugueses, ou “uma cambada de pretos, brazucas e come-ons” porque estes, a pagar seus impostos e a contribuírem à Segurança Social, merecem ter direitos, caso contrário o estado português seria nada mais do que um chulo.

Será muito difícil organizar um sistema em que as pessoas marcam o dia e hora para seguirem o seu processo com uma pessoa competente, treinada e afável? No SEF nem um sorriso, nem um bom dia, nem um por favor, nem um obrigado. Só “Este papel não está bem!” “Mas foi passado pela Segurança Social”. “Quero lá saber quem o passou, isso não é meu problema. É seu!” Hospitaleiro?

Será muito difícil dar formação às pessoas que trabalham nestes sítios, de maneira a evitar situações em que os utentes têm de resolver os erros do sistema pelos seus próprios meios para não ficarem mais lesados ainda? Quantas pessoas em Portugal já foram tratadas como uma bola de ping-pong? (Sitio A manda para B, que manda para C que manda outra vez para A).

Será muito difícil ter serviços públicos com número de telefone que corresponde aos da lista? Será tão difícil instalar sistemas de atendimento onde a chamada não cai antes de ser atendida? Será tão difícil fazer manutenção aos telefones públicos de maneira que não engolem rios de dinheiro sem dar o troco?

Será que não passam duma cambada de mal-criados, incompetentes, empedernidos, arrogantes, desagradáveis, ignorantes racistas que têm a mania que têm o rei na barriga quando de facto não têm nada? Ou será que nós, os imigrantes, somos uma cambada de pretos, brazucas e come-ons?

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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