A imprensa brasileira de ultra-direita

Visitando o Brasil depois de quase dois anos desde minha última vinda, fiquei chocado com a tendência dominante de ultra-direita da grande imprensa. Mesmo a Folha de São Paulo que, pelo que eu me lembrava, tinha tendências mais progressistas, está contaminada pelos ideais monetaristas, neo-liberais e pró-Washington que parecem dominar unanimemente a vida política e econômica do Brasil.


Não me surpreendeu que a revista Veja, na edição desta semana, tenha feito uma reportagem com um desenho divertido, que mostra o Brasil como um forte comandado pelo xerife Lula, assediado pelos terríveis pele-vermelhas vizinhos: Evo Morales da Bolívia, Néstor Kirchner da Argentina, Rafael Correa do Equador, e o cacique dos bárbaros, o venezuelano Hugo Chávez. Não me surpreendeu porque há muito conheço a Veja, sei sua tendência, não apenas de ultra-direita, mas fanaticamente pró-Washington.

 Já li vários artigos sobre a “inutilidade do Mercosul”, frases absurdas como “a Rússia é um país tão desastroso que precisa de um Ministério das Emergências”, e até uma curiosa entrevista com Condoleeza Rice que tentava maquiar a antipática e linha dura secretária de Estado dos EUA, mostrando-a sorridente com a camiseta da seleção brasileira de vôlei.


Mas esperava um pouco mais da Folha. Não uma tendência à esquerda, mas pelo menos editoriais e notícias mais equilibrados. Porém, nesta semana em que estive no Brasil e li a Folha diariamente, não houve uma única edição que não criticasse duramente o presidente venezuelano. Na quinta-feira, uma nota na seção Dinheiro chegou mesmo a afirmar que o Brasil recebe poucos investimentos estrangeiros por culpa de um tal “efeito Chávez”. Para a imprensa brasileira, o presidente bolivariano não só “destrói” seu próprio país, mas arruína toda a região.


Chávez não é perfeito, não é a solução definitiva para os problemas da Venezuela e da América Latina. Cometeu e comete muitos erros, o mais grave deles o de permitir a reeleição indefinida: algo que fragiliza as instituições venezuelanas e abre espaço para futuros abusos de poder, talvez não de parte de Chávez, mas sem dúvida de algum sucessor.


Mas um presidente que consegue reeleger-se por terceira vez, com mais de 60% dos votos, em um sufrágio justo, tem que estar fazendo algo bom à maioria da população. Não é um herói perfeito, sem dúvida, mas está muito longe de ser o demônio pintado pela grande imprensa brasileira.


Na Argentina a imprensa não é tão tendenciosa. Sim, há meios de comunicação que defendem estes ideais de direita radical, como por exemplo o jornal La Nación. Mas não são tão unânimes como no Brasil. O principal jornal da Argentina, Clarín, é bastante crítico em relação à política e economia dos EUA (foi o único jornal da América Latina que enviou um correspondente ao Iraque em 2003, para cobrir a invasão). Também não é fanaticamente contrário a Chávez e Morales.


Mas é preciso não esquecer a diferença nas histórias recentes do Brasil e da Argentina. O Brasil, desde 1995, é governado pela centro-direita (Lula segue exatamente os mesmos passos de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso) que, embora dê ênfase ao mercado financeiro e ao pagamento da dívida externa, tomou cuidado para não arruinar completamente a indústria nacional, incentiva as exportações e garante créditos a juros relativamente baixos ao setor produtivo. Também criaram grandes programas sociais que, embora não resolvam o problema da pobreza (só o crescimento econômico e a geração de empregos podem fazê-lo) pelo menos são paliativos.


A Argentina, por outro lado, teve na década de 90 um dos governos mais radicalmente liberais de toda a América Latina. O ex-presidente Carlos Menem privatizou todas as propriedades e empresas estatais, abriu seu país de maneira irrestrita ao capital externo, manteve a moeda atrelada ao dólar (o que aumentava os custos da produção nacional e barateava sua substituição por produtos importados), cortou investimentos em saúde e educação e pôs em prática de maneira cabal o estado mínimo. O resultado foi uma crise sem precedentes na turbulenta história argentina, e o aumento da pobreza a níveis até então desconhecidos.


Menem também iniciou a política externa de apoio irrestrito aos Estados Unidos: chegou mesmo a enviar navios de guerra argentinos ao Golfo Pérsico, para ajudar os EUA na primeira guerra contra o Iraque, em 1991. Porém, em 2001, quando a Argentina entrou em crise e necessitou de ajuda, foi completamente abandonada pelos seus antigos aliados.


Estes dois fatores fazem com que até a elite econômica argentina repudie os Estados Unidos e suas propostas monetaristas e neo-liberais. Não é de se estranhar, portanto, que mesmo o imenso grupo Clarín (que inclui o principal jornal e o canal de TV com maior audiência da Argentina, dentre outros meios) seja crítico dos EUA e ligeiramente simpático a Chávez. E que a própria União Industrial Argentina apóie explicitamente as políticas “heterodoxas” de Kirchner, como um certo intervencionismo estatal, subsídios e controle do câmbio, pois são essas medidas que garantem o notável crescimento econômico do país.


Por que a imprensa brasileira é tão tendenciosa, parcial e injustamente crítica com Chávez, Correa (que assumiu a presidência do Equador há menos de um mês, mas já é vilão), Morález e até Kirchner? Porque eles são a prova que o monetarismo e o consenso de Washington, tão ardorosamente defendidos pelos dois últimos governos (Fernando Henrique Cardoso e Lula) e pela imprensa do Brasil, não funcionam. Depois de mais de 10 anos de responsabilidade fiscal e juros altos, o Brasil tem crescimento econômico pífio e geração de novos empregos insignificante. Enquanto o PIB brasileiro cresceu 2,3% em 2005, os da Argentina e Venezuela tiveram crescimento de 9%, o que as coloca entre as economias mais dinâmicas do mundo.


A Argentina, que deixou de pagar a dívida externa há apenas cinco anos e chegou a um acordo para voltar a pagá-la há menos de dois anos, tem um risco país pouca coisa maior do que o “honrado” Brasil, que paga conscienciosamente sua dívida aos maiores juros do mundo. Mesmo em indicadores financeiros, o “ortodoxo” Brasil logo ficará atrás da “heterodoxa” Argentina.

Tudo isso prova que o monetarismo estrito, praticado pelo Brasil, não funciona. E é disso que a grande imprensa brasileira tem tanto medo: que a população brasileira descubra que o Brasil não é um forte seguro e bem-protegido, como a Veja pretende, mas uma ilha de atraso e estagnação cercado de países dinâmicos e em rápido desenvolvimento.


Carlo MOIANA
Pravda.ru
Curitiba
Brasil

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