Comentário: A hierarquia salarial do setor público no Brasil

A frustrada campanha salarial de final de ano dos parlamentares e magistrados convida ao exame da questão da confusa e invertida hierarquia dos proventos auferidos por membros do setor público, nos três níveis de governo.

A frustrada campanha salarial de final de ano dos parlamentares e magistrados convida ao exame da questão da confusa e invertida hierarquia dos proventos auferidos por membros do setor público, nos três níveis de governo.

O parâmetro, definido na Constituição Federal, é o valor pago aos membros do Supremo Tribunal Federal (STF), chamado de Teto do Setor Público, de resto solenemente ignorado, aquilo que se costuma chamar de “lei que não pegou”, uma originalíssima invenção brasileira.

Ainda que fosse observada, a lei estaria errada, porque os membros do Supremo não poderiam, pela lógica, receber mais que o maior magistrado da Nação, o presidente da República. Os ministros do STF ganham R$ 24,5 mil. Lula aufere R$ 8,8 mil, e os ministros R$ 8,5 mil. Mas isto é apenas uma parte da verdade, pois muitos ministros têm polpudos ganhos extras, com sua participação nos Conselhos de Administração das empresas estatais – o que costuma ser omitido ao distinto público pagante.

O presidente Lula, naquelas comparações sem nexo, disse que o porta-voz da Presidência, André Singer, ganha só R$ 7,5 mil.“ “Na Folha [jornal Folha de São Paulo] o André estaria ganhando R$ 30 mil”, disse Lula, como se fosse um dado de realidade.

Ministros e secretários de Estado, presidentes de estatais, magistrados e outros servidores, fixos ou temporários, além de salários, ganham projeção e notoriedade, o que enriquece seus currículos. Se assim não fosse, o ministro da Justiça, Thomaz Bastos, mesmo sendo renomado advogado, não teria aberto mão dos ganhos de sua banca, que disse serem muitíssimo mais altos do que o salário pago pelo governo.

Fora a questão salarial, todo cidadão sujeito à aposentadoria pelo INSS deve questionar, com justíssima indignação, a discriminação positiva de servidores, contemplados com generosas e integrais pensões. Por que essa diferença, como se justifica a existência de aposentados de primeira e segunda classe? Não há lógica que possa responder a essa pergunta.

É preciso reformular a hierarquia salarial de todo o setor público, tarefa árdua, tendo em vista a competência dos outros níveis do Poder Legislativo (estados e municípios) para regular proventos. Exemplo disso é o Mato Grosso do Sul, cuja Assebléia referendou um benefício vitalício (leia-se aposentadoria) de R$22,1 mil, após meros oito anos de trabalho do governador José Orcírio de Miranda, o Zeca do PT. Infelizmente, não se viu, a respeito deste ominoso privilégio, reação da população semelhante à que houve frente à fracassada empreitada dos parlamentares federais.

E povo sul-matogrossense ainda teve de ouvir do deputado Semy Ferraz (PT) a seguinte enormidade: “É melhor o Estado proteger o Zeca do que ele precisar fazer o seu pé-de-meia”. Traduzindo o eufemismo em bom português, o nobre deputado quis dizer que, sem o pecúlio proporcionado pelo Estado, o governador, em fim de mandato, poderia ter se sentido tentado a garantir seu futuro por outros meios, uma ofensa a José Orcírio.

A leitora e o leitor certamente já ouviram absurdos parecidos defendidos no Congresso Nacional. E, para não ficarmos só no exemplo do MS, em São Paulo, o governador eleito, José Serra, defendeu o aumento aprovado de 89,7% - a síndrome dos 90% parece ter se alastrado – para os secretários de Estado, sem aumento desde 1995. Apesar de muitos nem sequer necessitarem receber por esta função, admite-se uma correção nos ganhos, mas não deste porte. Há outros casos de grandes aumentos de final de ano Brasil afora, que não cabem no espaço deste artigo.

Como se vê, urge reformular a política salarial pública, mas não no limite dos ganhos dos ministros do STF. Que ganhem menos, como recebe muito menos, hoje, o empregado com Salário Mínimo (SM).

Isso mesmo. Segundo a mesma Folha de S. Paulo citada por Lula, o SM valerá, em abril de 2007, computado o aumento para R$ 380, apenas 39,5% do seu poder de compra em 1940 (!!) de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) o Salário Mínimo, mas mínimo de fato, e não a atual ficção, deveria ser de R$ 1.613,08.

Lula não está errado em persistir na recuperação do SM, porque um artigo do Ex-procurador-geral da Fazenda, Cid Heráclito de Queiroz, intitulado “ O presidente e a Previdência” (O Estado de S. Paulo, 20/12,B-2), demonstra que a Previdência Social não é deficitária como apregoam nove entre dez economistas. O que não exclui a necessidade de uma reforma administrativa no órgão.

Luiz Leitão

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