Léo Lince
"A imprensa no Brasil é livre, só não é democrática". O sentido da frase, proferida tempos atrás por um observador arguto, conserva plena atualidade. É livre porque seus donos fazem o que querem. E não tem como ser democrática pelas mesmas razões.
Antigamente, muito antigamente, imprensa era só jornal. Mesmo grandalhão, era propriedade privada, voz do dono, sem maiores problemas. O dono defende o que lhe apraz e compra na banca quem quer. Hoje, tudo é tão dessemelhante. O conglomerado midiático articula uma poderosa miríade de meios de comunicação e da indústria cultural de massas. Além de redes de rádio e televisão, que são concessões públicas e entram na casa de todos sem bater na porta. São instrumentos que interferem fortemente na definição do espaço público e, como tal, demandam um tipo de controle adequado à sua natureza.
No vértice do conglomerado midiático, artilharia pesada do embate ideológico, está a televisão. O formato da televisão que temos no Brasil foi definido nas entranhas da ditadura. O auge do domínio militar sobre a política coincide, não por acaso, com a montagem da estrutura atual da mídia eletrônica, com seu suntuoso padrão global e seus vínculos com o internacionalismo procelário. Montada como monopólio de alguns poucos concessionários, armada de uma estrutura moderna de enorme eficácia técnica, orientada nos seus mínimos deslocamentos pela pesquisa diária de opinião, a televisão foi o meio por excelência da pedagogia autoritária. Não havia Mindlins entre os seus proprietários, todos ajudaram a repressão política.
O fim da presença física da ditadura, infelizmente, não se fez acompanhar da construção de mecanismos de controle democrático sobre a mídia eletrônica. Ela sobrevive como um espinho na ferida cicatrizada. Interfere de maneira poderosa na construção do espaço público, no jogo político, e faz isso com uma soberania quase absoluta. Opera a partir das fortalezas inexpugnáveis do poder privado e conserva, na alma de suas engrenagens, a marca arrogante do autoritarismo.
Agora mesmo, no primeiro de março, os magnatas supremos da mídia eletrônica esbanjaram arrogância na espantosa reunião realizada em um hotel de luxo em São Paulo. Estavam lá, além dos "estudiosos", articulistas da agressividade contratada e de potentados de áreas conexas, os herdeiros da meia dúzia de famílias que monopolizam o ramo: Frias, Civitas, Marinhos, Mesquitas e que tais. O espetáculo, denominado Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, foi convocado pelo "Instituto Millenium", que, pelo que se viu, articula a convergência entre a defesa dos interesses dos pontos fortes do mercado e o discurso da direita ensandecida.
A fala dos representantes do governo federal, sem dúvida, foi o ponto alto do convescote. O ministro Hélio Costa, das Comunicações, afirmou: "Na Conferência Nacional de Comunicação, o governo foi unânime em dizer que em hipótese alguma aceitaria uma discussão sobre o controle social da mídia". E adiantou que, para ele, a idéia de controle social da mídia é "absolutamente inadmissível". O deputado Palocci, pronto para reassumir a linha de frente (superado os incômodos provocados por aquele caseiro com feições de Kafka), foi além. Segundo ele, quem critica monopólio e concentração está errado: "há concentração na comunicação, mas há em várias atividades econômicas no Brasil. Considero normal e uma característica do amadurecimento das economias". Imagina-se que, ao ouvir tal música, a platéia tenha aplaudido de pé.
Sendo assim, tudo seguirá como dantes. Os meios de comunicação de massa, afastado o "risco" do controle público, continuarão protegidos na fortaleza inexpugnável do poder privado. A direita social, garantida a liberdade de movimento da máquina mercante, proverá recursos fartos aos partidos certos. São elos de uma corrente que alimenta o milenarismo de mercado.
Léo Lince é sociólogo e mestre em ciência política
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