Em recente artigo, País Ocupado, historiei a tomada do espaço econômico brasileiro por transnacionais, sediadas na maioria em países hegemônicos (EUA e Reino Unido) e em seus associados menores (Alemanha, Japão, França etc.)
Adriano Benayon * 20.11.2009
Em recente artigo, País Ocupado, historiei a tomada do espaço econômico brasileiro por transnacionais, sediadas na maioria em países hegemônicos (EUA e Reino Unido) e em seus associados menores (Alemanha, Japão, França etc.)
Para fazer aceitar como natural e vantajosa a entrada de investimentos estrangeiros, os donos do poder mundial comandam, há mais de século, intensiva lavagem cerebral realizada por prestigiosas universidades e centros de estudos, que sustentam financeiramente, afora a grande mídia.
Bem analisada e compreendida, a realidade deveria desiludir os crentes nessa propaganda enganosa, exceto os bloqueados emocionalmente e os que fazem meio de vida da louvação às transnacionais.
Isso demanda avaliar as remessas ao exterior de rendimentos do capital estrangeiro. Ademais do item "rendas" no Balanço de Pagamentos do Banco Central, há as despesas superfaturadas e as fictícias, contabilizadas no item serviços, além do superfaturamento de importações e o subfaturamento de exportações de bens. Recorde-se que as empresas transnacionais controlam, no mínimo, 60% do comércio exterior do País.
Rendas
O item rendas inclui: 1) os lucros dos investimentos diretos (IDEs) das empresas transnacionais; 2) os lucros de transnacionais e de pessoas físicas e jurídicas estrangeiras provenientes de ações e participações em outras empresas, ou seja, dos investimentos em carteira (ICs); 3) os juros dos empréstimos intercompanhias (de matrizes das transnacionais para as subsidiárias); 4) os juros dos empréstimos em geral.
O total bruto das remessas oficiais a título de rendas atingiu US$ 52,9 bilhões em 2008. Deduzidas as rendas de investimentos brasileiros no exterior, o líquido foi US$ 40,6 bilhões. Essa quantia é o dobro da de 2004 e mais de quatro vezes maior que a verificada em 1990. O líquido acumulado de 1995 a 2008 soma US$ 292,2 bilhões.
Lucros e dividendos
Considerando somente os lucros e dividendos, também houve novo recorde em 2008: US$ 35,4 bilhões (bruto) e US$ 33,9 bilhões (líquido). Essas transferências quadruplicaram-se em apenas quatro anos, de 2004 para 2008, em ritmo, portanto, mais acelerado que o conjunto das rendas.
No auge dos ingressos, 1999-2003, a entrada líquida de IDES totalizou R$ 89,4 bilhões. No quinquênio seguinte, 2004-2008, as remessas oficiais (só essas) de seus lucros somaram US$ 73,2 bilhões, ou seja, 82% daqueles ingressos.
Ora, ao longo de 2004-2008 os novos ingressos líquidos, embora ainda altos, caíram para US$ 63,2 bilhões quantia bem inferior aos US$ 73,2 bilhões das transferências oficiais de lucros no mesmo período. Ao lado da queda nas entradas, vê-se grande e célere aumento nas saídas de recursos com as transferências, mesmo sem contar as disfarçadas em outras contas.
Investimentos diretos
Os apologistas do capital estrangeiro costumam exaltar os investimentos diretos das transnacionais por virem para setores produtivos da economia. Já enfatizei que justamente por isso deveriam ser evitados, pois inviabilizam o desenvolvimento de empresas de capital nacional onde é mais estratégico que estas existam, não só para haja acumulação local de capital, mas também para que se produza mais e com apropriação local de tecnologia.
Além disso, nem sequer é verdade que os IDEs sejam predominantemente investimentos estáveis assentados no País. Esta afirmação comprova-se pelo fato de os US$ 63,2 bilhões do ingresso líquido de IDEs em 2004-2008 resultarem do ingresso bruto de US$ 250 bilhões e da saída de US$ 186,8 bilhões. Ou seja, as repatriações de capital para o exterior equivaleram a 75% dos ingressos no País. Atenção: isso é algo distinto das transferências de lucros, oficiais e disfarçadas.
A origem dos IDEs, mostrada nas estatísticas do Banco Central também ilustra a volatilidade do segmento do capital estrangeiro que dizem ser estável e permanente. Nada menos que 22,1% dos que ingressaram em 2007 e 27,7% dos vindos em 2008 provêm de 36 paraísos fiscais, como Luxemburgo, Ilhas Cayman, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas.
Ademais, os EUA, o Reino Unido e a Suíça também podem ser considerados refúgios fiscais. Nos EUA, o Estado de Delaware oferece mais isenções e maior sigilo que muitas das notórias bases offshore (de além-mar), e Londres e Zurique sempre foram os grandes redutos dos eurodólares. Se adicionarmos esses três países àqueles 36, estarão abrangidos 46% dos IDES que entraram no Brasil em 2007 e 2008.
Serviços e mercadorias
Os principais itens do balanço de serviços são: transportes, seguros, turismo, leasing (arrendamento de equipamentos), assistência técnica e marcas e patentes. No período 2004-2008 o líquido negativo do Brasil nessas contas somou US$ 52,6 bilhões, com despesas de US$ 155,1 e receitas de US$ 103 bilhões.
Não há como estimar com precisão quanto desses US$ 155,1 bilhões corresponde a serviços superfaturados e até fictícios. Entretanto, os dados disponíveis, há decênios, em âmbito mundial, sobre o comportamento das empresas transnacionais indicam que esses procedimentos são meios usuais de transferir lucros isentos de taxação para contas das matrizes nos países onde elas têm sede e em refúgios fiscais.
O abuso desses expedientes contábeis é tanto maior quanto mais aberto e receptivo ao capital estrangeiro seja o país hospedeiro, e o Brasil foi-se tornando um caso extremo dessa tolerância a partir de 1954.
Mesmo antes da irresponsável adesão do País à Organização Mundial do Comércio (OMC) [1], em 1995, já era por demais frouxo o controle governamental sobre a veracidade do declarado pelas empresas nos documentos do comércio. Após a adesão ao totalitário estatuto da OMC tornou-se ilegal estabelecer ou aplicar qualquer controle.
Na balança comercial - onde se computam as transações com mercadorias, - são ainda mais expressivas que nos serviços as quantias objeto de superfaturamento das importações e de subfaturamento das exportações.
Com efeito, de 2004 a 2008 as exportações totalizaram US$ 711,6 bilhões,[2] e as importações, 228,2 bilhões. A corrente de comércio alcançou, portanto, US$ 940 bilhões. Adicionando-se essa quantia aos US$ 155,1 bilhões referentes às despesas de serviços no mesmo período, o total passível de manipulações contábeis atinge 1,2 trilhão de dólares.
Resumo
Se estimarmos em 40% desse valor a remessa disfarçada de lucros das transnacionais, estaremos diante de US$ 480 bilhões durante os cinco anos observados. Ora, nesse período, os investimentos diretos estrangeiros transferiram, oficialmente, lucros de 73,2 bilhões. Assim, os lucros reais transferidos ao exterior podem ter sido superiores a US$ 550 bilhões.
De outra parte, os ingressos líquidos de investimentos diretos mais os reinvestimentos têm assegurado às transnacionais o controle da quase totalidade dos ativos produtivos de maior porte existentes no País. Incrivelmente, bancos públicos, como o BNDES, colaboram para ainda maior domínio estrangeiro, financiando as transnacionais em condições favoráveis, como se fosse para desenvolver nossa economia.
* - Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras. [email protected]
[1] O Estatuto da OMC é uma gazua abrangente para abrir tudo em matéria de economia, desde o comércio de mercadorias e serviços, inclusive nas concorrências públicas, até investimentos estrangeiros e para propiciar aos monopolistas dos países hegemônicos o controle absoluto das tecnologias. Foi aprovado pelo Senado em poucos dias, sem exame algum, às vésperas do Natal de 1994, época funesta assinalada pela então recente eleição de FHC à presidência. A aprovação deu-se em vergonhosa sessão do Senado, que, entre outras irregularidades, não tinha quorum para deliberar.
[2] As exportações de produtos básicos, i.e., sem qualquer processamento ou transformação industrial, em 1993, constituíram 24,3% do total das exportações. Em 2008 esse percentual elevou-se para 36,9%. Isso ilustra como o Brasil anda para trás sob o modelo comandado pelas transnacionais, ao contrário do que diz a cantilena segundo a qual estaria a caminho de se tornar potência mundial
Publicado em A Nova Democracia, nº 60, dezembro de 2009
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