Por Larry Romanoff
Fui motivado a escrever este ensaio devido a uma circunstância estranha que me aconteceu na sexta-feira (10 de Setembro).
Parte 1: No centro de Shanghai, existe um magnífico templo budista (Templo Jing'An) separado de um centro comercial por uma passagem pedestre. Do outro lado da rua encontra-se um grande parque com um pequeno lago (um lago, na verdade) escondido no centro e na margem do lago, encontra-se um restaurante tailandês. Há cerca de dois anos, um amigo convidou-me para almoçar nesse restaurante. O cenário era bonito, mas o restaurante não era excepcional e eu não gostei da comida, por isso, não tinha intenção de regressar.
Parte 2: Tenho um escritório perto do Templo e, na sexta-feira estava na minha secretária a trabalhar sobre uma determinada pesquisa, quando o pensamento deste restaurante me veio à mente, mas não conseguia recordar o seu nome. Pensei nele durante um momento, mas não tinha qualquer interesse particular e, por isso, afastei-o. Dez ou quinze minutos mais tarde, o pensamento voltou. Voltei a considerar o assunto e confirmei a minha primeira conclusão de que não gostava muito, nem do restaurante, nem da comida, não tinha qualquer intenção de regressar e, portanto, não tinha interesse em recordar o seu nome. Voltei ao meu trabalho, mas dez minutos mais tarde o pensamento voltou de novo. Voltei a rejeitá-lo, mas ele voltou novamente. O maldito pensamento recusou-se a deixar-me em paz. Finalmente cedi, fiz uma breve pesquisa na Internet e encontrei o nome do restaurante. Sem resultado, mas sem mais interrupções.
Parte 3: Algumas horas mais tarde, deixei o meu escritório e estava a caminhar pela passadeira para peões perto do Templo, como faço habitualmente, quando reparei num grupo de quatro mulheres estrangeiras (americanas, penso eu) de pé, ao lado. Quando me aproximei, uma delas virou-se e viu-me e dirigiu-se rapidamente a mim. Perguntou: "Por favor, pode ajudar-nos? Estamos a tentar encontrar um restaurante. Todos dizem-nos que está muito perto, mas ninguém nos pode dizer como lá chegar". Respondi: "Não sei. Qual é o nome do restaurante?". E, claro, era o mesmo restaurante que eu tinha acabado de procurar na Internet.
A versão feminina da história teria sido a de terem tido a sorte de encontrar alguém que as pudesse encaminhar para o restaurante, mas não foi tão simples como poderiam ter imaginado. Claro que um acontecimento trivial não é prova de nada, mas quando vivi em Itália mantive durante sete ou oito anos um registo diário no qual registei qualquer coisa de interesse e, mais tarde, ao folhear esse diário, descobri que tinha registado literalmente centenas de incidentes deste tipo. Eram todos diferentes, mas, em certo sentido, eram todos iguais. Cada um deles exigia um pouco de "sorte" pouco comum ou talvez magia, para o seu cumprimento. Alguns foram breves e rapidamente executados, enquanto outros foram prolongados e mais complicados. Aqui está um exemplo mais complicado, do meu tempo em Roma:
Em Roma vivi numa zona essencialmente residencial, virada para uma pequena praça com uma fonte no centro e rodeada de cafés, um hotel, uma basílica e outros edifícios. Uma noite, numa pequena mesa ao ar livre, num café de passeio, vi um jovem chinês, talvez com 15 anos de idade, sentado sozinho depois do café ter fechado. Ainda lá estava na manhã seguinte, com a cabeça pousada na mesa, e interroguei-me se ele teria passado lá a noite. Tentei falar com ele, mas ele não sabia inglês nem italiano e era impossível estabelecer uma conversa.
Nessa noite ainda lá estava até tarde e também novamente na manhã seguinte, e agora parecia evidente que tinha passado lá a noite. Eu sabia que algo estava errado, embora não tivesse ideia do que poderia ser, mas não podia deixá-lo lá. A propósito, o meu restaurante chinês favorito ficava apenas a algumas centenas de metros da minha casa, por isso, por meio de gestos convidei-o gesticulei a vir comigo e levei-o lá, na esperança de que o pudessem ajudar.
Mas as pessoas do restaurante não conseguiam compreendê-lo. A China tem muitas centenas de dialectos locais, muitos sendo semelhantes, mas alguns sendo línguas muito diferentes, existindo apenas nos vales de montanhas remotas e inteligíveis apenas para os residentes desse vale. Este rapaz aparentemente falava apenas um destes dialectos locais, tendo-me dito o gerente que só conseguia compreender algumas palavras. Mas disse que uma rapariga que trabalhava na cozinha era de uma parte diferente da China e que talvez ela o pudesse compreender. A rapariga iria chegar ao trabalho, talvez dentro de meia hora, por isso, trouxe-me um café e esperámos que a rapariga da cozinha chegasse.
Ela compreendeu o rapaz, perfeitamente. Ele tinha vindo da China para visitar o tio em Bolonha, mas tinha ultrapassado a sua paragem e, em vez de ter saído, tinha descido do comboio em Roma. Claro que tio não estava lá à sua espera e ele não sabia o que fazer. Ficou no pequeno hotel da minha praça até o dinheiro acabar, depois passou duas noites a dormir ao ar livre no café da calçada até eu o encontrar. Telefonaram ao tio, marcaram a viagem para Bolonha, levaram-no à estação de caminho de ferro, compraram-lhe um bilhete e tudo acabou bem. Mas nesta ocorrência, há algumas questões interessantes.
A estação ferroviária em Roma ficava muito longe da minha praça. Como é que o rapaz lá chegou? Ele não podia ter viajado de metro e não podia ter apanhado um táxi porque não falava uma língua comum e não conhecia a cidade. Pode ter apanhado vários eléctricos e autocarros, subindo e descendo e acabando por chegar à minha praça, mas parece-me ser muito improvável.
Além do mais, por que teria ele vindo até à minha ‘piazza’? O mais sensato teria sido permanecer na estação de comboios onde havia muitos milhares de pessoas e uma boa oportunidade de encontrar algum chinês que o pudesse ajudar. Que motivo teria ele para percorrer toda essa distância até à minha praça? Havia um milhão de lugares em Roma para onde ele poderia ter ido. Porque razão esse lugar e como poderia ter chegado lá?
Mas a verdadeira questão da história é esta: O rapaz era originário de um vale de uma montanha remota, da província de Gansu, exprimindo-se num dialecto que, de facto, só era falado e inteligível naquele pequeno vale. A razão pela qual a rapariga da cozinha podia compreender perfeitamente o rapaz, era porque ela era natural do mesmo vale.
Assim, temos um jovem rapaz chinês que viaja até Itália, sai do comboio na cidade errada, não fala nenhuma língua conhecida, depois (por meios e devido a uma motivação desconhecida) encontra o seu caminho até à minha praça e senta-se pacientemente ao ar livre, na minha cafetaria preferida, até que eu repare nele e o conduza àquela que era quase de certeza, a única pessoa em Roma que o conseguia compreender.
Gostaria de partilhar mais uma história convosco, esta ocorrida antes da minha partida para Itália.
Esta experiência ocorreu há muitos anos, quando me estava a mudar para Itália. Tinha distribuido os meus bens e pago os meus encargos e durante os últimos meses tinha vivido num apartamento alugado – cujo aluguer tinha rescendido - tinha planeando ficar num hotel até à minha partida, dois dias depois. Mas, de repente, aconteceu algo que me obrigou a adiar a minha partida durante um mês. Não era grave, mas agora estava sem alojamento. Felizmente, o edifício tinha um apartamento vazio que o proprietário me emprestou durante um mês, desde que eu pudesse esperar alguns dias para que a pintura fosse concluída. Até tinha algum mobiliário excedente.
Um pouco mais tarde, nesse dia, enquanto caminhava pela rua, passei pelo que chamaríamos uma pousada da juventude, uma espécie de hotel para jovens que viajam, edifício muito bonito, jardins, cozinha enorme etc. Conhecia o sujeito que o geria, portanto, ao passar, parei para dizer o cumprimentar e surgiu o tema da minha presente circunstância. Mais boa sorte. O meu amigo disse que se fosse apenas por alguns dias, eu poderia ficar lá num dos quartos privados, poderíamos beber cerveja e assistir a jogos de hóquei. Um plano perfeito.
Mudei a minha bagagem para a pousada e a primeira pessoa que conheci foi um jovem chamado Richard. Ele tinha apenas 18 ou 19 anos e tinha vindo de uma cidade do interior para a capital, para começar a sua vida. Richard parecia inteligente, sensato, honesto, com padrões elevados e bons valores e um grande coração. Falou-me de homens na rua que mendigavam 1 dólar para comprar um café, mas Richard não lhes dava o dinheiro. Levava o homem a um café, ofeerecia-lhe o café e alguns cigarros e falava com ele durante meia hora, perguntando sobre sua vida, as dificuldades de sobrevivência, as possibilidades de emprego e encorajava-o. Eu sentia uma grande amizade por este jovem.
Richard disse-me que ao terminar o liceu, havia poucos ou nenhuns empregos na sua cidade, mas teve a sorte de encontrar dois empregos, um de pintura de casas e outro de que não me lembro, mas trabalhava nesses dois empregos 15 horas por dia e poupou dinheiro suficiente para vir para a capital e começar a sua vida. Disse que não fazia ideia de onde iria ficar quando chegasse à cidade, portanto, perguntou à pessoa sentada ao seu lado no autocarro e o colega falou-lhe do albergue de juventudee por esse motivo foi para lá que ele veio. A primeira pessoa que ele conheceu fui eu. Não fazia ideia do que queria fazer, mas estava decidido a nunca aceitar um emprego de lavar pratos num restaurante. Era esse o seu plano.
Depois regressei ao edifício de apartamentos onde o proprietário estava a juntar mobiliário para mim. A sua primeira oferta foi um bonito sofá, novo e muito caro, que se desdobrava numa enorme cama de casal, assim sendo agora eu não dormia no chão. Mais tarde, nesse mesmo dia, ele disponibilizou uma pequena mesa e algumas cadeiras e continuou com pratos, lençóis de cama e almofadas. Resisti quase imediatamente, insistindo que não queria todas essas coisas porque estava de partida do país e que seria um fardo, desfazer-me desse recheio. Ainda me lembro do homem que me disse: "Aceite-o". Vai precisar dele". Portanto, aceitei-o. Mas no dia seguinte ele tinha uma televisão e outras coisas e eu tentei recusar, dizendo-lhe novamente que não queria mais nada e ele disse-me novamente: "Aceite. Vai precisar disto". Devo dizer que por esta altura já estava a ficar inquieto. O atraso na minha partida era suficientemente indesejável, mas agora aconteciam-me coisas que não deveriam ter acontecido, coisas para além do meu poder de resistência e, de repente, todos os sinais indicavam que a Providência tinha decidido que eu não iria para Itália e que o meu atraso se tornaria permanente.
Entretanto, estava a dar o meu melhor para amparar Richard. Ele não tinha tido a sorte de encontrar um emprego e a realidade de estar sozinho numa grande cidade começava a assustá-lo, para não falar das suas parcas finanças. Ele disse (realisticamente): "Mesmo que arranje emprego, terei de esperar um mês para receber o salário e terei de pagar um depósito, juntmente com a renda do mês corrente e, mesmo que encontre um apartamento, não tenho mobília, e estaria a dormir e a comer no chão". Portanto, Richard estava assustado. Tinha a certeza na minha própria mente que algo tinha sido planeado para Richard, por isso, fiz o meu melhor para animá-lo a manter a sua fé, mas a situação parecia cada vez mais instável.
De volta ao edifício de apartamentos, com o proprietário aparentemente determinado em mobilar todo o meu apartamento, deixando-me mais preocupado do que Richard. Não fui capaz de explicar nada do que me estava a acontecer, o meu futuro planeado em Itália começava a parecer algo sombrio.
De volta à pousada de juventude, com Richard a perder rapidamente a sua coragem, aparentando cada vez mais, sinais de medo, de dúvida e incerteza e a perder a esperança. Estava a tornar-se claro que ele não iria aguentar por muito mais tempo.
De volta ao edifício de apartamentos. Falei ao proprietário sobre Richard, e perguntei se podia trazer o rapaz para ficar comigo durante um mês, que talvez nesse tempo ele pudesse encontrar um emprego e que a situação melhorasse. O proprietário perguntou-me que tipo de trabalho Richard fazia. Era demasiado novo para ter feito muito de tudo, mas mencionou pintura de casa e eu disse: "É pintor". O proprietário retorquiu: "Isso é óptimo. Eu preciso de um pintor. Há pessoas que vêm e vão todos os meses dos apartamentos alugados e todos eles têm de ser pintados. Traga-o consigo e eu dou-lhe emprego. E ele pode ficar com o apartamento como parte do salário. Não terá de me dar um depósito ou pagar renda". E, de repente, o mundo inteiro voltou a fazer sentido. Richard não só tinha um bom emprego e um bom patrão, como tinha um apartamento gratuito que por esta altura estava completamente mobilado com coisas muito bonitas, e tudo seria dele como um presente quando eu saísse. Naquela conversa de dois minutos, todos os problemas de Richard se evaporaram. Estava fora de perigo e em boas mãos. Tal como eu, visivelmente.
Corri de volta ao albergue para contar tudo a Richard, mas ele tinha desaparecido, depois de ter feito o ‘check-out’ e não ter deixado nenhuma informação. Voltei várias vezes, encontrando-o uma semana depois, na companhia de algumas pessoas não muito simpáticas. Ele disse que percebeu como tinha sido estúpido, que nunca poderia ter sido bem sucedido e, assim, aceitou um trabalho de lavar pratos num restaurante - a única coisa que ele disse que nunca faria, e que vivia com esses homens. Lembrei a Richard os conselhos que lhe tinha dado tantas vezes sobre acreditar em si próprio e não sucumbir ao medo. Disse-lhe o que o esperava mas que não lhe podia ser forçado, que agora ele tinha de escolher. Dei-lhe o meu número de telefone e morada, e disse-lhe para me ligar. Nunca mais tive notícias dele.
A minha avaliação da situação foi que a minha mudança para Itália foi adiada durante um mês para servir de instrumento para dar a um jovem um início de vida maravilhoso, mas eu não fui o único actor nesta peça de teatro. Parecia que todo o futuro imediato de Richard estava planeado para ele como um presente, mas havia um preço: ele precisava de coragem para se manter firme e ser corajoso por mais um momento. Mas, como tantas vezes acontece com muitos de nós, no último momento, quando o objectivo está ao nosso alcance, deixámo-nos vencer pelo medo e pela dúvida e deitamos tudo a perder.
Tenho um grande respeito por William Shakespeare, em parte porque o homem parecia ter certo conhecimento que os homens não deveriam ter. Em 'As you like it', escreveu: "O mundo é um palco e os homens e mulheres são meros actores; têm as suas saídas e as suas entradas em cena; e um homem no seu tempo de representação, desempenha muitos papéis". Mas a nossa vida na terra não é apenas uma peça de teatro; é também um espectáculo de marionetas e alguém está a puxar os cordelinhos.
Vou deixar-vos uma citação normalmente atribuída a Johann Wolfgang von Goethe. Não tenho a certeza de que Goethe seja a fonte original destas palavras, mas o conteúdo delas é que é importante:
". . no momento em que nos comprometemos definitivamente, então a Providência também se move. Todo o tipo de coisas ocorrem para ajudar uma delas que, de outra forma, nunca teria ocorrido. Manifesta-se toda uma série de acontecimentos a partir da decisão, levantando a nosso favor todo o tipo de incidentes imprevistos, de reuniões ou encontros e de assistência material, que nenhum indivíduo poderia ter sonhado que apareceriam no seu caminho".
As minhas histórias não o vão convencer de nada. É preciso que as experimente na sua vida. Se está propenso, comece a prestar atenção às coisas que acontecem à sua volta, faça anotações e mantenha um diário. Se o fizer,irá perceber em breve, que se a Providência pode puxar os cordelinhos para fazer acontecer uma circunstância ou uma reunião, a Providência também pode puxar os cordelinhos para garantir que tal circunstância ou reunião nunca aconteça. Há outro elemento que pode ser de interesse. As palavras não são minhas, e nunca fui capaz de localizar a fonte original desta citação: "Os vínculos afectivos não estão confinados ao mundo real da existência. São provenientes do exterior e são super-induzidas". Por outras palavras, as relações e os relacionamentos não são coisas naturais que acontecem por sua própria iniciativa, mas são decididas pela Providência e impostas a nós. Essencialmente, isso significa que não escolhemos os nossos amigos ou aqueles que nos ajudam ou a quem nós ajudamos; a Providência decide e selecciona e impõe-nos.Se pensar, vai compreender.
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A obra completa do Snr. Romanoff está traduzida em 32 idiomas e postada em mais de 150 sites de notícias e de política de origem estrangeira, em mais de 30 países, bem como em mais de 100 plataformas em inglês. Larry Romanoff, consultor administrativo e empresário aposentado, exerceu cargos executivos de responsabilidade em empresas de consultoria internacionais e foi detentor de uma empresa internacional de importação e exportação. Exerceu o cargo de Professor Visitante da Universidade Fudan de Shanghai, ministrando casos de estudo sobre assuntos internacionais a turmas avançadas de EMBA. O Snr. Romanoff reside em Shanghai e, de momento, está a escrever uma série de dez livros relacionados com a China e com o Ocidente. Contribuiu para a nova antologia de Cynthia McKinney, ‘When China Sneezes’ com o segundo capítulo, “Lidar com Demónios”.
O seu arquivo completo pode ser consultado em https://www.moonofshanghai.com/ e http://www.bluemoonofshanghai.com/
Pode ser contactado através do email: [email protected]
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Traduzido em exclusivo para PRAVDA PT
Copyright © Larry Romanoff, Moon of Shanghai, Blue Moon of Shanghai, 2021
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: [email protected]
Website: Moon of Shanghai + Blue Moon of Shanghai
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