Aparecida Torneros
Mariazinha tinha 7 saias, alguém cantava antigamente, a Cigana dançava sob 7 véus, a Bruxa enfeitiçava os homens, a Mulher que era Fada, amadrinhava as criancinhas, a Fêmea Sereia atraía os pescadores, aquela que habitava os sonhos é a mesma que nos envolve no seu Mistério.
Mulher é isso mesmo. O mistério da bolsa que carrega: um cofre que contém band-aid, batom e fotos da família. Pode-se passar o raio x e lá há de se encontrar um mundo à parte. Talvez um pacotinho contendo folhinhas de alecrim, ou de hortelã, remédios para alma ferida, quem sabe um papelzinho dobrado com a oração do Anjo de Guarda.
Na agenda, há as que anotam os dias de lua cheia para se auto-reconhecerem ou mais belas ou mais feiticeiras nessas noites, em suas cidades ou em suas camas.
Sob as saias moram as virtudes e as magias, e sob os olhos há
qualquer vestígio do incompreensível que assuste o desavisado, ou confunda o experiente. Há no conjunto delas, dessas mulheres modernas a enfrentarem com luta sua conquista de lugar ao sol, um mixto de compaixão e ternura, aliado ao retumbar de bumbos que rebatem estridentemente sua corrida para a independência e seu dispor para comandar e formar famílias, cidades, países, terras e corações, mares
e olhares, sentimentos e sofrimentos ultrapassados.
Ora, ponham-nas diante das maçãs do tempo, Evas e Liliths, tentações lendárias, e que se comam as vicissitudes da sua dança do tempo, mordam-se seus lábios degustando parte dos seus medos, para que sobrevivam seus feitos e desfeitos, enquanto filhos e filhas, sobrinhos, netos, bisnetos, tantos que as descendam, se encarreguem de interpretá-las na inútil tentativa de decifrá-las.
Tantos séculos, tantas mudanças de saias, das anáguas pulou-se para as saias justas, ou para as mini, ou para a audácia das calças compridas, e o passo de cada fêmea parece adequar-se à passarela dos ventos, ao passo que sua voz se faz ouvir num repicar constante de idéias que reverberam no som interno dos que param, enfim, para ouvir cada mulher que integra o dia-a-dia das metrópoles ou dos campos.
A garota sai sozinha pelo mundo, mochila às costas, a pequena voa sem destino certo mas vai em busca de si mesma, caminha pela estrada da vida e se descobre inteira. Talvez nem tenha completado os 18 anos, mas já se sente dona do seu nariz, precisa saber de tudo um pouco, o mundo é tão vasto, o tempo corre, há que ultrapassar barreiras e
protestar pela minimização das diferenças e contra a persistente injustiça.
Nos campus universitários ou nos pátios industriais, elas se
multiplicam, são as mulheres se especializando , além dos fogões e dos tanques de lavar roupa, são as fêmeas misteriosas, como se não bastasse seu papel de procriadoras da espécie, seu bailado atávico qual dançarinas que se movem ciosas da cadência dos próprios quadris, elas se vestem com terninhos coloridos e falam nos microfones.
Discorrem sobre energia, organização social, desenvolvimento dos seus países, elas aprenderam a contra argumentar, contra atacar, contra por, contra cenar, contra bandear até. E bandeiam para os lados que escolhem ou são escolhidas, vai da sorte e da mirada.
Algumas miram o alvo certo, pregam sua atenção em metas pessoais ou coletivas, e não se desviam do caminho traçado. Chegam lá, não há como duvidar das obstinadas. Porém, suas crianças nascem e crescem, e por incrível que pareça, não é que elas se desdobram e vão nas reuniões de pais das escolas? Como conseguem cozinhar e ler ao mesmo tempo,
indagam os de pensamento machista tradicional?
Ainda bem que são assim, seres múltiplos, rebatem os antenados, os melhores companheiros para as misteriosas fêmeas modernas. A senhora setentona viaja pela Europa sozinha descobrindo a história, se atualizando com os eletrônicos, calçando tênis iguais aos das suas netas para caminhadas, e fotografando cada momento e monumento, como registro e conquista.
Certamente, em cada mulher reside, além da sede de viver, o gosto pela descoberta da própria liberdade. E isso tem preço, claro, o preço que surpreende os incautos que lhes cobram posturas, enquanto tentam decifrar porque ainda choram diante de meninos índios desnutridos ou de crianças abandonadas nas ruas.
Cada uma delas sabe que o desafio é imenso, há um planeta
desordenado a reconstruir, nada que não se possa incluir num sonho dantesco, na medida que se vai fazendo a parte que lhe cabe, pequenina embora, mas importante para a construção do todo. Disso, toda mulher tem certeza.
A partir de pequenos gestos, unindo esforços e cultivando esperança, não é que o mundo está mudando? Pelo menos para elas, para suas irmãs de gênero, seus pares de caminhada, seus namorados e maridos com quem dividem medos e enfrentam guerras diárias, essas misteriosas criaturas que portam úteros-celeiros de vidas e promessas, são realmente uma fonte inesgotável de perguntas sem respostas e de surpresas em cascata.
Delas, pode-se esperar a qualquer instante, a novidade que aquece a alma e o novo discurso que reorganize o trabalho ou redescubra a pólvora, em lugar incerto e não sabido, no mais longínquo reduto de sobriedade que houver num sentimento pleno de audácia feminina, ou de disciplina humana.
Se alguma ainda apavora a um desavisado que não a consiga entender, aconselha-se a meditação em hora do por do sol, posição de lotus, pensamento vago, soltando as amarras culturais e religiosas, apenas cheirando o ar impregnado de busca, deixado pelo rastro de uma delas.
Quando ela passa, leva consigo nossa admiração ou nossa
perplexidade, legando-nos muitas interrogações e alguns pontos exclamativos para compensar as histórias universais, com gestos e mesuras de saias e véus, danças e gargalhadas, acenos e sorrisos, ares de quem sabe onde vai e o que quer, a despeito do seu eterno mistério!
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