O analista belga sustenta que o Paraguai, se não conseguir a renegociação, poderia pedir a nulidade do Tratado de Itaipu invocando a Convenção de Viena, que regula todos os tratados internacionais.
- Como você vê as demandas paraguaias ao Brasil em relação a Itaipu?
- Eu estudei o Tratado de Itaipu de 1973, e para mim, poderia ser declarado nulo pelas duas partes, ou somente pelo Paraguai, se o Brasil não estiver de acordo. No Direito Internacional, um Estado pode tomar um ato soberano de repúdio ou de abrogação de um tratado. Digo isto como uma opção que não implica chegar a um enfrentamento com o Brasil, mas para renegociar outro tratado justo e que respeite o Direito Internacional. O Paraguai tem este direito, mas o importante é, primeiramente, obter uma solução amigável.
- Como se pode obter esta nulidade?
- Este é um tratado firmado entre duas ditaduras e tem vários artigos que não respeitam a Convenção de Viena, pacto que todos os países devem respeitar e que foi firmado no ano de 1963 para regular os tratados internacionais. O respeito à igualdade entre as partes, entre outros aspectos, são argumentos.
- O que você propõe em relação às dívidas do Paraguai?
- Falamos com o presidente Fernando Lugo sobre o tema de auditar de maneira integral as dívidas reclamadas ao Paraguai, as dívidas binacionais com Itaipu e Yacyretá, a dívida externa pública que alcança cerca de dois bilhões de dólares e a dívida pública interna. Esta é minha recomendação que vem de várias experiências, dentre elas a do Equador.
- Como foi esta experiência no Equador?
- A Presidência da República do Equador criou uma comissão nacional e internacional, com 12 representantes da sociedade civil equatoriana e 6 representantes de organizações sociais internacionais. Também participaram quatro órgãos do Estado: a Controladoria, a Procuradoria Geral do Estado, a Comissão Anticorrupção e o Ministério de Economia e Finanças.
- Você participou?
- Eu fiz parte dessa comissão, e durante 14 meses estudamos todos os contratos para identificar as dívidas legítimas e ilegítimas, de maneira a dar as recomendações ao governo que tomou as decisões.
- O que poderia ocorrer aqui no Paraguai?
- Paraguai poderia utilizar a experiência do Equador e adaptá-la à sua situação e suas necessidades e instituir uma comissão. Nesse caso, eu estaria disposto a dar meu apoio técnico.
- Venezuela e Bolívia também anunciaram esta medida. É uma tendência regional?
- É uma tendência, inclusive no Brasil, onde há quinze dias se instituiu no Congresso uma Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) da Dívida. A auditoria tem raízes históricas, já que na década de 30 o governo de Getúlio Vargas no Brasil realizou uma auditoria que detectou muitas ilegalidades e obteve uma redução de mais de 50% das dívidas do Brasil, como resultado.
- Como você vê o processo de integração na região?
- Na conversação com o presidente Lugo falamos do papel do Paraguai, e a observação que eu fiz é que seria muito interessante construir um eixo comum entre os pequenos sócios que fazem parte da integração, me refiro a Bolivia, Equador e Uruguai.
- Qual é o objetivo?
- Há varias iniciativas de integração regional e o projeto de constituir um Banco do Sul com 7 países, e a voz dos pequenos não é suficientemente audível frente aos grandes como Brasil, Venezuela e Argentina. O Paraguai precisa buscar um caminho para determinar critérios comuns entre os pequenos para ter uma correlação de forças no interior do bloco de integração, e para que se respeitem os intereses dos pequenos países.
- Quais são as ameaças dos grandes países?
- As grandes potências regionais têm uma tendência a privilegiar seus interesses comerciais e econômicos, e isso a custo dos pequenos sócios. É o caso de Itaipu, Yacyretá. Então, para que funcione uma integração, tem de haver mecanismos para reduzir as assimetrias entre os países que fazem parte do bloco.
- Como foi a experiência européia nesse sentido?
- Na construção européia, os países mais fortes como Inglaterra, Alemanha e França transferiram finanças para Grécia, Portugal, Espanha e outros sócios com economias mais frágeis, de forma a obter uma integração reduzindo essas assimetrias.
- O que se deve priorizar neste processo?
- É fundamental em qualquer experiência de integração ter mecanismos de transferências, dotar a região de uma arquitetura comum, um Banco do Sul para financiar projetos que favoreçam a integração. Na minha opinião, creio que teriam de ser projetos de soberania alimentar, reforma agrária, dotar a região de uma indústria farmacêutica para produzir genéricos de alta qualidade, melhorar a conexão ferroviária entre os países, e também projetos comuns quanto ao ensino, comunicação, habitação e meio ambiente.
- E como se daria segurança aos investimentos?
- Eu proporia dotar a região de um órgão que seja um CIADI do Sul. O CIADI é o Tribunal do Banco Mundial para sentenciar sobre os litigios entre transnacionais, empresas privadas e governos. O problema ali é quena maioria dos casos as sentenças são favoráveis às transnacionais que são do Norte, não é um tribunal imparcial, não toma em conta as prioridades dos países do sul.
- Como seria o sistema?
- Os países da América Latina, quando firmam contratos de investimentos com as transnacionais, poderiam incluir nos convênios que, em caso de litígio a demanda tem de ser apresentada ante um órgão latino-americano. Para mim esta política seria como voltar a uma sugestão feita pela América Latina em inícios do século passado, que era a doutrina de Carlos Calvo, um jurista argentino especializado em direito internacional que dizia que a jurisdição para as atividades econômicas tinham de ser da região e não as dos Estados Unidos e Grã- Bretanha.
- Qual é sua visão sobre a atual crise econômica mundial?
- Temos uma crise multifacetada, quer dizer, é financeira, econômica, climática, energética, alimentar e também de governabilidade mundial, porque não há um organismo com capacidade e legitimidade para buscar soluções.
- E o G-20?
- Para mim, o G-20 não é uma instituição democrática para buscar uma solução no nível de todas as nações, isso melhor corresponde às Nações Unidas.
- Como esta crise afetará o Paraguai?
- A coisa é muito clara, há uma queda brutal dos preços das matérias primas; no caso do Paraguai, o preço da soja, que vai seguir muito baixo, em relação ao pico de 2007 e 2008. A conseqüência vai ser uma redução forte das receitas de exportação, fato que também vai afetar os demais países da América Latina.
- E como isso impactará no aspecto financeiro?
- O custo de endividamento externo aumentará, apesar da redução das taxas de juros nos EUA e Europa. Isto ocorre porque os bancos privados e os mercados financeiros não querem outorgar mais empréstimos ao Sul devido à queda dos preços das matérias primas e a crise econômica e financeira.
- Que medida mais urgente deve tomar a América Latina em relação à crise econômica global?
- A América Latina tem de acelerar o ritmo da integração, e já se está perdendo demasiado tempo.
- Quais são os pontos mais importantes a delinear neste sentido?
- Seguramente um plano, inclusive comum, de emergência para proteger os empregos. No momento não tem havido muitas demissões, mas nos próximos meses, em vários países como Brasil e Argentina, seguramente vão ocorrer perdas de empregos.
- Como se poderia dar proteção a este setor?
- Se deve ter um plano concertado e para mim se deve propor a necessidade de fundos para criar empregos, manter o poder de compra dos cidadãos para sustentar seu consumo. Há que acelerar o lançamento do Banco do Sul para ter um organismo multilateral comum para financiar estes projetos.
- No nível de país, como o Paraguai deve se preparar?
- Para mim, o Paraguai teria de acelerar a atenção ao campo, a todos os pequenos produtores que não têm terras suficientes ou não a têm, e que poderiam produzir e satisfazer a demanda interna em alimentos, de maneira a alcançar a soberania alimentar no país.
- Quais políticas devem aplicar-se neste plano?
- Seria criar emprego, produzir riquezas, melhorar o abastecimento interno a partir dos produtores locais. Em um país como este, onde o campo tem uma importância muito grande e aonde a distribuição da terra é totalmente desigual, é fundamental avançar na reforma agrária.
- Qual é o panorama para os produtos agrícolas?
- Os preços dos alimentos vão seguir baixos porque não vejo como a cotação do petróleo poderia se recuperar, e então a produção de agrocombustíveis não vai ser rentável e a produção de alimentos vai ao consumo real, que não vai aumentar de maneira importante.
- Qual é a verdadeira possibilidade de redesenhar o modelo econômico mundial?
- A crise é tão forte que obriga a mudanças, mas os governos atuais não tomam a via das mudanças necessárias. A equipe econômica do novo presidente dos EUA Barak Obama está integrada pelas pessoas responsáveis pela crise atual, quer dizer, Lawrence Summers, que desregulou o sistema bancário, e Robert Rubin, diretor de Citibank que entrou em crise e recebeu uma ajuda de US$ 40 bilhões do Governo.
- O que vá se suceder então no mundo?
- Talvez o que vá se passar é uma crise todavia mais profunda nos EUA que os obrigará a fazer uma mudança real, mas não com essa equipe. O mesmo se dá na Europa e em outros países como Japão.
- O Sul seguirá pagando os prejuízos do Norte?
- O Sul tem a opção de negar-se a pagar esses prejuízos e acelerar sua integração para que seu crescimento não seja subordinado ao Norte. Há que se ter uma perspectiva histórica, na década dos 30 do século passado, frente à crise internacional, os países da América Latina suspenderam o pagamento da dívida e começaram um modelo de industrialização por substituição de importações e houve taxas de crescimento muito fortes até os 60, antes de submeter-se nos anos 70 ao modelo neoliberal com as ditaduras.
Frases
O G-20 não é uma instituição democrática para buscar uma solução a nível de todas as nações, isso melhor corresponde às Nações Unidas.
Os bancos privados e os mercados financeiros não querem outorgar mais empréstimos ao Sul devido à queda dos preços das matérias primas.
A América Latina tem de acelerar o ritmo da integração (...) e o lançamento do Banco do Sul para ter um organismo multilateral comum.
Aqui, onde o campo tem uma importância muito grande e onde a distribuição da terra é totalmente desigual, é fundamental avançar na reforma agrária.
Fonte: www.alainet.org
http://www.socialismo.org.br/portal/internacional/40-entrevista/729-eric-toussaint-qo-tratado-de-itaipu-assinado-em-1973-poderia-ser-declarado-nuloq
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