A peste e os filhos da peste
Jolivaldo Freitas
Tem chocado a muitos os enterros noturnos em regiões onde o coronavírus tem sido mais cruel, notadamente pela falta de planejamento e estrutura dos estados e municípios brasileiros. Tem assombrado ver os sepultamentos ocorrendo em série; caixões lado a lado e fila de carros frigoríficos, como acontece em Manaus. Mesmo assim para uma multidão é difícil entender a necessidade da quarentena, do isolamento social; de obedecer a quem tem bases científicas. Tem de ficar em casa, mas o que se vê são carros pelas ruas e gente nas praças e nos bares. E olha que há quem diga que os casos de contaminação estão subnotificados. É coisa até para dez vezes mais, avalia-se.
Tem de ficar isolado. Uma atitude que vem desde a antiguidade, quando as pessoas se trancavam em casa para não ocorrer a contaminação via vizinhos. Tanto que por medo as muralhas das cidades eram fechadas e se enxotava da vila qualquer um que se desconfiasse estava doente. Ninguém quer ser a próximas vítima. E, nesta pandemia do Covid-19 a vila, a comunidade é a aldeia global. O planeta está praticamente parado.
Perto de 1 bilhão e 700 mil pessoas estão sofrendo a repercussão da pandemia; deixando de ir ao trabalho, às escolas, não sendo atendido por consultórios ou sofrendo necessidades. Enquanto isso algumas lideranças sem noção confundem mais e mais a cabeça do povo. Nos Estados Unidos vêm sendo registrados casos de envenenamento por água sanitária desde que o presidente Donald Trump deu a ideia.
Ideias estapafúrdias sempre aparecem quando em crises, notadamente envolvendo a saúde. Veja, a história registra que na Bahia, no Rio e em Pernambuco, quando da Gripe Espanhola em 1918, várias eram as receitas para a cura ou prevenção. Iam do uso de sanguessugas às placentas de animais, beber água quente com vinagre e limão, espalhar cebolas por toda a casa ou se untar de banha de porco, dentre tantas. Parteiras viravam médicas. Recorria-se até às velhas bruxarias. E haja água benta nas igrejas que vendiam crucifixos bentos e escapulários. Hoje a Igreja Evangélica está pondo à venda o óleo ungido.
Saiba que no mês de abril do ano de 1686 a febre tifoide aportou na Bahia e em pouco tempo se espalhou, como revela o historiador Rocha Pitta. Eram tantos os mortos que as casas ficaram cheias de moribundos, as igrejas de cadáveres, as ruas de tumbas. O então Governador da Bahia, Antônio Luiz de Souza de Menezes, Marquês das Minas, no meio do horror ordenou aos boticários que dessem aos pobres, por sua conta, todos os medicamentos que lhe pedissem.
A pandemia neste século XXI possui ecos do passado, mas é a primeira vez em que se vê uma quarentena universal. Sofre a Saúde. Pena a Economia. A política procurando tirar partido em detrimento do sofrimento. Aflição globalizada. Mas, isso já foi visto com a Peste Negra ou Peste Bubônica, por exemplo. Antigamente, por falta de informação científica as pessoas corriam para o isolamento com medo dos miasmas, ou seja, os gases venenosos que circulavam pelas cidades saindo do solo doente. A Europa foi devastada pela Peste Negra de 1347 a 1351. Nunca se viu tanta morte. A doença arrefeceu, mas não foi embora e vários surtos ainda foram verificados durante cinco dezenas de anos à frente. E eclodia de quando em vez até o século XVIII.
Imagine ver a cena da família colocar o cadáver na porta de casa para que os agentes públicos levassem na carroça dando um destino qualquer nas valas coletivas. A Gripe Espanhola de 1918 que levou quase 50 milhões de vida mundo afora, tinha algo em comum com a pandemia de hoje: a cloroquina na ribalta. E tome chás de alho e limão e também a cachaça. O povo sempre se defende como pode. Lembrando que a Espanhola foi elevada à máxima potência porque a imprensa estava censurada por causa da I Guerra Mundial. O problema sendo subnotificado pelos verdadeiros filhos da peste. Os governantes.
----------------------------------
Escritor e jornalista: [email protected]
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter