Deixei uma parte de mim no estado do Acre, quando coloquei sobre o ombro do grande líder indígena Ninawá Huni Kui um Keffiyeh (lenço beduíno) durante a conferência que proferi a convite do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), na Universidade Federal do Acre.
Amyra El Khalili
"Fere a cabeça da víbora com o punho de seu inimigo.
Disto necessariamente te resultará num bem:
se o inimigo vencer, a víbora morrerá.
Se a víbora vencer, terás um inimigo a menos!"
Provérbio beduíno
Deixei uma parte de mim no estado do Acre, quando coloquei sobre o ombro do grande líder indígena Ninawá Huni Kui um Keffiyeh (lenço beduíno) durante a conferência que proferi a convite do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), na Universidade Federal do Acre.
Símbolo da luta contra a ocupação dos territórios palestinos, o Keffiyeh tornou-se indumentária de ativistas solidários à causa de seu povo em todo o mundo. Para o povo palestino, o Keffiyeh representa o começo e o fim. O tudo e o nada. É manifesto aberto dos que não aceitam a infame paz dos túmulos.
Nossos mártires são velados e enterrados envoltos no Keffiyeh. O Keffiyeh, para Ninawá Huni Kui, foi presente do Movimento Mulheres pela P@Z! , da Federação da Entidades Árabes Brasileiras (Fearab-Brasil) e da Federação das Entidades Palestino-Brasileiras (FEPAL), com o apoio da Federação das Entidades Árabes Uruguaias (Fearab Uruguai), entregue por esta beduína palestino-brasileira em agradecimento pela solidariedade dos Povos Indígenas no VI Fórum Social Pan-Amazônico 2012 (Cobija, Bolívia) e do Fórum Social Mundial 2013 (Túnis, Tunísia), além de tantas outras manifestações em apoio à nossa justa causa.
Nesta ocasião, presenteamos também com o Keffiyeh os companheiros Lindomar Padilha e o prof. Elder Andrade de Paula por estarem à frente do bom combate e registramos nosso respeito e admiração pela trajetória de Dercy Teles de Carvalho, primeira mulher a assumir a presidência de um sindicato de trabalhadores rurais no estado do Acre, e uma das primeiras também no Brasil.
NAKBA indígena
Expulsos de seus territórios e massacrados há 525 anos neste continente (1492), os indígenas são o exemplo da resistência e da sabedoria nos cuidados com o ambiente. Mesmo espoliados de suas terras, ainda encontram forças para se solidarizar com o povo palestino, vítimas da Nakba (tragédia da ocupação), há 69 anos (1948).
Na conferência proferida, contei como funciona na prática a engrenagem da "financeirização da natureza e a espoliação dos territórios indígenas e camponeses na Amazônia".
Falei da origem do mercado de carbono desde o seu real motivador militar, o "Conselho da Bolha", na década de 60. Analisei a formação do comércio de emissões a partir da década de 70 e, posteriormente na Eco92, o Protocolo de Kyoto (1997). Segui traçando paralelo sobre quanto custam as guerras para os povos do Oriente Médio e as "semelhanças" entre o que ocorre lá com o que vem ocorrendo cá.
Falei do que representa a territorialidade, da relação da água como um ente vivo para os povos do deserto e de sua importância para a sobrevivência de todos os seres do planeta, seja pelo aspecto espiritual, seja pelo valor econômico. Falei da fundamental importância para quem quiser compreender a luta entre conceitos ligados ao neoliberalismo e às forças populares emancipatórias, sobretudo na Amazônia, região em que os gatos são pardos.
Atravessamos o deserto cantando e dançando em caravana beduíno-indígena e chegamos às florestas tropicais contando "causos", enquanto perdidos ficam vagando na superfície sem chegar a lugar algum ao defenderem como solução para a crise ambiental geringonças financeiras como REDD, REDD+, PSA , RCEs, PSE, MDL, créditos de compensação, créditos de carbono, créditos de efluentes, etcetera, etcetera e etcetera...
Há tempos, venho dizendo que isso tudo é uma coisa só. Os que nos pretendem confundir, porém, querem nos fazer crer que cada uma destas siglas é uma coisa diferente. Tentam, desta forma, justificar o injustificável, ou seja, que o mercado financeiro resolve tudo pelas vias do próprio mercado. O mercado financeiro se autorregula e será capaz de combater com eficiência os males que afetam o ambiente.
Se querem provocar convulsões sociais com suas doutrinas neoliberais para implantar o neocolonialismo do carbono como "experimento" (experiências aprendidas?) usando os povos das florestas como cobaias, devemos parabenizá-los, pois, neste intento, estão alcançando com sucesso seus objetivos. Estamos testemunhando violentos conflitos no seio das florestas e nos campos ao levantar nossas vozes contra a usurpação de terras, contra a rapinagem dos bens comuns e o desrespeito a direitos humanos conquistados por reformas legislativas, como temos denunciado.
O que acontece no Oriente Médio, para incautos, nunca acontecerá neste lado do sul global. Os palestinos, somos os terroristas, os radicais e fundamentalistas por estarmos deste lado de cá, alertando para mais um assalto de atores que conhecemos muito bem, responsáveis, com "nome e sobrenome", por este crime lesa-humanidade, de que a estratégia contra as nações indígenas e demais povos das florestas é exatamente como a que tem exterminado milhares e milhares de palestinos, iraquianos, afegãos, libaneses, sírios, africanos, entre outros "parentes". Diz o provérbio beduíno: "No deserto, a verdade é a melhor camuflagem, porque ninguém acredita nela!"
Foi naquele "Abril Indígena 2013", em ritual de pajelança e intifada indígena que o guerreiro Ninawá Huni Kui, sua família, seu povo, companheiros e parentes (os do lado de cá) receberam a proteção espiritual (Keffiyeh) do povo beduíno (os do lado de lá), sob a mira atenta do mundo, assim como foi a trajetória - o começo e o fim - daquele que tombou em defesa da Amazônia, o mártir palestino Chico Mendes.
Não iremos embora
Tawfic Zayyad
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em vossas goelas
Como cacos de vidro
Imperturbáveis
E em vossos olhos
Como uma tempestade de fogo
Aqui
Sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Em lavar os pratos em vossas casas
Em encher os copos dos senhores
Em esfregar os ladrilhos das cozinhas pretas
Para arrancar
A comida de nossos filhos
De vossas presas azuis
Aqui
sobre vossos peitos
Persistimos
Como uma muralha
Famintos
Nus
Provocadores
Declamando poemas
Somos os guardiões da sombra
Das laranjeiras e das oliveiras
Semeamos as ideias como o fermento na massa
Nossos nervos são de gelo
Mas nossos corações vomitam fogo
Quando tivermos sede
Espremeremos as pedras
E comeremos terra
Quando estivermos famintos
Mas não iremos embora
E não seremos avarentos com nosso sangue
Aqui
Temos um passado
E um presente
Aqui
Está nosso futuro
Notas:
1. Conferência proferida no dia 12 de abril, às 19 horas, no Anfiteatro Garibaldi Brasil, da Universidade Federal do Acre, na agenda "Abril Indígena 2013", organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Federação do Povo Huni Kuin do Acre (FEPHAC), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR- Xapuri), o Conselho de Missão entre Índios (COMIN) e o Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental da Universidade Federal do Acre (NUPESDAO/UFAC), com a participação dos debatedores Ninawá Huni Kui (Presidente da FEPHAC), Dercy Teles de Carvalho (Presidente do STTR Xapuri), Lindomar Padilha (CIMI) e o prof. Elder Andrade de Paula (CFCH/UFAC).
2. Keffiyeh é o nome dado ao pano usado na cabeça pelos homens no Médio Oriente, tipicamente branco e preto pelos beduínos; branco e vermelho pelos habitantes da Jordânia (geralmente possui cordões de algodão) e da Arábia Saudita, e branco imaculado pelos homens das cidades. O keffiyeh, também grafado kaffiyah, keffiya, kaffiya ou ainda kufiya, é associado ao movimento nacionalista palestiniano desde a Revolta Árabe (1916-1918) até recentemente, devido à sua adoção pelo ex-líder palestiniano Yasser Arafat.
3. Intifada é um termo que pode ser traduzido como "revolta". É frequentemente empregado para designar uma insurreição contra um regime opressor ou um inimigo estrangeiro, mas tem sido especialmente utilizado para designar dois fortes movimentos da população civil da Palestina contra a presença israelense nos territórios ocupados e em certas áreas teoricamente devolvidas à Autoridade Palestina (Faixa de Gaza e Cisjordânia).
4. Tawfic Zayyad, palestino de Nazaré, é considerado um pioneiro da poesia de resistência. A maior parte de sua obra foi escrita na prisão.
*Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental e editora das redes Movimento Mulheres pela P@Z! e Aliança RECOs - Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras.
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