Brasil: Da mistificação à mobilização

Em mais um exercício de mistificação das massas, Dilma Rousseff lançou outro programinha compensatório, o Minha Casa Melhor, contando com os recursos do FGTS. Na ocasião, comparou os críticos do seu governo ao Velho do Restelo, um personagem de Luís de Camões, que, segundo ela, era um agourento.

A interpretação de conveniência, recomendada por algum marqueteiro de plantão, não considerou que, entre os estudiosos da obra camoniana, predomina a interpretação de que a fala do ancião, na praia do Restelo, longe de significar o conservadorismo e o derrotismo, simbolizava o pessimismo com o futuro da pátria e o repúdio a um projeto expansionista. Ao comparar o venerando personagem com os discordantes do seu governo, faltou a Dilma a sensibilidade de estadista, para perceber que a visão pessimista destes, mais tarde, se confirmaria.


Com um diagnóstico equivocado da situação político-econômica vigente, Dilma não consegue distinguir o pessimismo justificável da sociedade com um governo entreguista, da aposta no fracasso das ações governamentais. Por essa razão, é surpreendida com a mobilização das massas, insatisfeitas com os péssimos serviços públicos, na forma de manifestações vulcânicas, que lançam lavas para todas as regiões do país.

O pessimismo do Velho do Restelo se comprova e acontece o que o governo mais temia: o povo ganha as ruas e delas não quer sair, sem o atendimento aos seus anseios. É o sinal de que a mistificação das massas pela propaganda política começa a perder força. Dialeticamente, a mistificação vai engendrando a mobilização popular, isto é, a consciência ingênua do povo cede lugar a uma consciência crítica, capaz de sacudir os alicerces de uma classe dominante exploradora e impatriota. Sem poder retroceder, por conta de um pacto sinistro com a burguesia nacional, tampouco fechar os olhos para os protestos em praça pública, a presidente torna-se refém da sua incapacidade política e pede socorro a Lula. Enquanto isso, o movimento de rua avança e amadurece: a luta por redução de tarifas dos transportes públicos se transforma em denúncia dos péssimos serviços públicos, dos gastos excessivos e sem transparência com a Copa do Mundo e da corrupção que corrói os três poderes da República.


Uma semana após prometer eletrodomésticos e desafiar os que julgava derrotistas, dois milhões de pessoas vão às ruas. Dilma se enclausura e, mais tarde, pressionada pelos áulicos faz um pronunciamento demagógico e eleitoreiro à nação, onde o ponto alto foi o anúncio da contratação de médicos estrangeiros, como a salvação do SUS, no lugar de prestigiar os médicos brasileiros, com salários dignos e boas condições de trabalho. Enquanto isso, na surdina, a ABIN passava a espionar as redes sociais na Internet, na tentativa de monitorar os organizadores do movimento. Instituia-se a espionagem em massa no Brasil, desrespeitando a liberdade de expressão dos cidadãos e impondo um controle sobre a sociedade civil. Mas o que esperar de um governo que financia empresários falidos e trata médicos e professores a pontapés?


Por outro lado, os acontecimentos, em curso, não escaparam à parcialidade costumeira da grande mídia, preocupada, no momento, com os seus interesses na Copa do Mundo, bem como com a possibilidade da transferência do evento para outro país, uma consequência do questionamento das ruas. Temendo um prejuízo financeiro astronômico, as empresas que monopolizam a comunicação, em nosso país, entram em pânico e dão início a uma cobertura tendenciosa das manifestações, típica da imprensa marrom. Assim, enfatizam o lado violento das manifestações, em detrimento da justeza das reivindicações dos manifestantes. Nesse trabalho de desinformação, onde escamoteiam, até, as agressões policiais sofridas pelos seus jornalistas, os jornalões transformam as passeatas pacíficas em atos de vandalismo, onde destacam a ação de baderneiros, ao mesmo tempo em que estimulam a sua caçada pelo aparato repressivo.


Historicamente, mostrou-se inevitável a participação de grupos mais radicais nos movimentos de massa. Em que pese a forte rejeição ao radicalismo, não devemos criticá-lo superficialmente, mas, sim, indo às raízes do problema, isto é, distinguindo o radicalismo político de alguns, capaz de levar à violência, como reflexo do ódio às injustiças, do radicalismo dos saqueadores e depredadores, sem causa, adeptos da violência pela violência, indivíduos arruinados, malfeitores e vagabundos, no dizer de Marx, "o lixo de todas as classes". Em outras palavras, os frutos podres da perversidade capitalista. Ao bradar contra o vandalismo das minorias, que envergonha a nação, a presidente Dilma esqueceu-se, que ao vandalizar a Petrobrás, o SUS e a Amazônia, o seu governo, também, cobriu de opróbrio o nosso povo.


Na verdade, há uma insatisfação generalizada, com a falência de uma democracia representativa, onde o parlamento não passa de um local de conchavos e pequenos confrontos, enquanto as grandes decisões acontecem, em outros campos, fora do alcance dos representantes do povo. Por trás dos bastidores, continuam a agir os defensores da globalização excludente e os organismos financeiros internacionais que ditam a nossa política econômica. Apesar disso, uma proposta de democracia direta, no momento, soa como oportunismo, pois visa, unicamente, o adiamento das soluções reclamadas e do ocaso do lulopetismo apátrida.


THELMAN MADEIRA DE SOUZA
Médico no Rio de Janeiro   

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey