Muito se discute, em especial nos últimos meses, sobre a eficácia e o tirocínio da equipe econômica de Dilma Rousseff, o perfil centralizador da "presidenta" e a falta de autonomia do Banco Central do Brasil, algo que, de fato, nunca existiu para além dos sonhos belos e inexequíveis da mídia e dos intelectuais economistas. Ainda que esse modelo "pseudoflex" (que situa-se entre o neoliberalismo tucano, o lulismo desidratado e um brizolismo boquirroto) esteja em vigor há anos, só agora a mídia e os notáveis (grosso modo, grosso caldo) decidiram mergulhar no assunto e bradar conjecturas.
HELDER CALDEIRA*
Por quase absoluta ignorância do vernáculo "economês-midiático", refém dos eternos especuladores de mercado, instalou-se na grande massa popular brasileira uma espécie de "medo-manso", focado numa suposta leniência da "presidenta" com o dragão inflacionário. Desenhando a saga econômica, tornou-se necessário alardear um vilão. Surge o tomate, vermelho feito o onírico Satanás, a conquistar o papel de antagonista e ganhar as manchetes nacionais e internacionais como o cruel sabotador da cesta-básica e grande desafio ao antecipado pleito de reeleição de Dilma Rousseff. Engodo puro! Propositalmente, nenhum dos supostos notáveis fala que o preço do solanáceo já esteve bem mais caro em 2002, 2006 e 2008.
Daí, o repórter do grande telejornal, patrocinado pelas decaídas estatais, entrevista uma dona de casa diante de uma banca de tomates miúdos e ela, falando em nome da "Nova Classe Média" e franzindo o cenho, reclama que "tudo está muito caro!" e que "isso é um absurdo!", dando gancho para que o jornalista analise o desespero do pobre na hora de comprar o pão de cada dia, mesmo com a politiqueira desoneração garantida pelo governo federal e anunciada pela presidente Dilma, sob as bênçãos do marqueteiro oficial. A grande mídia gosta de dizer que esse formato de material instiga o espírito crítico da população. Falácia! Essa mixórdia jornalística só serve à manutenção da mansidão crítica.
A mansidão crítica é de tal forma excrescente que ninguém questiona o novo modelo estatístico do governo federal para avaliar as classes sociais brasileiras. Por ele, definiu-se uma linhagem de emergentes com renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019. Ou seja, se você, caro leitor ou leitora, ganha míseros R$ 300 por mês, considere-se privilegiado. Você faz parte da famélica "Nova Classe Média", tão festejada pelo governo, pela mídia e pela maioria dos setores da população. Agora, se você tem um salário superior a R$ 2.480, pode soltar rojões de felicidade, pois integra o seleto estrato da "Alta Classe Alta", o grupo "top de linha" no Brasil.
Esses números oficiais estão disponíveis, a quem interessar possa, no site da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (www.sae.gov.br/novaclassemedia) e foram elaborados e instituídos como reais, ainda que esdrúxulos, na gestão do ex-ministro Wellington Moreira Franco, atual presidente da Agência Nacional de Aviação Civil. Se repetir o feito e considerando o termômetro de inteligência político-estratégica dessa turma, daqui a pouco a ANAC pode determinar que a "Classe Executiva" dos voos é aquela que carrega passageiros em pé, vulgo "busão de asas"!
Desde os últimos anos do governo Lula da Silva, até os turbulentos dias sob administração de Dilma Rousseff, para manter o avião presidencial em velocidade de cruzeiro a cortar os píncaros da aprovação popular, a pseudopolítica pública do governo foi derramar dinheiro na forma de créditos fáceis para essa "Nova Classe Média" paupérrima. Pouco tempo depois, o barraco da desgraça estava armado: endividado até o pescoço, esse estrato social composto por mais da metade da população brasileira, perdeu poder de compra e as condições de quitar suas dívidas. Em "economês" clássico: o Brasil entrou em retração, o PIB virou "PIBinho" e a inflação sentiu-se à vontade para galopar.
Inacreditavelmente e diante de um cenário tétrico, a mansidão crítica do povo brasileiro parece impedir ações de contestação e paira no ar a sensação mórbida de "não posso fazer nada" ou "o que eu tenha a ver com isso?". Por óbvio, a reação mansa ao descalabro abre espaço considerável para a frouxidão ética. O bandido entra na sua casa, rouba a geladeira, mas deixa pra você um bombom de presente. Feliz com a generosidade do larápio, você não reclama. No mês seguinte, o bandido volta e rouba toda sua cozinha, mas novamente deixa-te um bombom. Você coça a cabeça, mas não reclama, afinal ele teve o cuidado de deixar um doce para consolar uma vida tão amarga. Essa dinâmica segue até que o saqueador lhe rouba até as cuecas e você fica sentado na calçada, ainda conjecturando se aquilo é certo ou não, pelado e comendo bombons.
Mansuetude crítica, cinicamente ética, alimenta a trote largo a ignorância popular, algo indispensável à sedimentação da reeleição de Dilma Rousseff. A partir de agora, ainda em 2013, o Banco Central dará início ao processo de aumento da taxa SELIC, contendo o dragão inflacionário até fevereiro de 2014. Lá, com a inflação controlada, o aumento do salário mínimo e retomada do poder de compra da "Nova Classe Média", estará consolidado o céu de brigadeiro para que a madame vença as eleições de outubro em primeiro turno, sob aplausos efusivos da galera e um Estado abandonado, sucateado e, principalmente, roubado na cara dura. A mansidão crítica é proporcional à frouxidão ética. E vice-versa!
Escritor, Jornalista Político e Apresentador de TV
www.ipolitica.com.br - [email protected]
*Autor dos livros "ÁGUAS TURVAS" e "A 1ª PRESIDENTA".
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