Estudo de investigador do ICS defende que o PS é um instrumento ao serviço do seu líder
A estratégia de comunicação do PS baseia-se na ligação directa entre o líder e os eleitores, utilizando sobretudo os meios e os recursos institucionais à disposição do governo
José Sócrates conseguiu impor a sua autonomia em relação ao partido e ter uma ampla liberdade de manobra
O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Marco Lisi, acaba de lançar em livro o estudo no qual analisa o papel dos líderes no Partido Socialista (PS). Na obra A Arte de ser Indispensável Líder e organização no Partido Socialista português, o autor analisa as diferentes lideranças que ocorreram no partido entre 1976 e 2006 - Mário Soares, Vitor Constâncio, Jorge Sampaio, António Guterres, Eduardo Ferro Rodrigues e José Sócrates.
Cada um destes líderes teve uma postura própria que esteve intimamente relacionada com o facto do partido se encontrar no governo ou na oposição. A grande conclusão deste estudo é que o partido não parece existir como uma entidade autónoma mas apenas como um instrumento ao serviço do líder, o qual pode recorrer aos laços directos com os filiados e com os eleitores para legitimar o seu controlo sobre a organização e sobre a acção do governo.
Segundo este estudo, o PS já alcançou um carácter personalizado, ou seja, há uma crescente identificação do partido com o seu líder. O partido age em função do sucesso do seu secretário-geral, que dispõe da estrutura partidária como de um instrumento para a conquista e manutenção do poder.
Neste sentido, são dois os desafios que se perspectivam para o futuro do PS. O primeiro refere-se à maior vulnerabilidade do partido, sobretudo se o líder não consegue chegar ao governo, como aconteceu durante a liderança de Ferro Rodrigues. O segundo relaciona-se com as funções desempenhadas pela organização quando o partido se encontra no governo, pois as fragilidades da estrutura e a importância do líder fazer desaparecer o partido atrás da acção do governo.
Durante a liderança de José Sócrates, a gestão do consenso interno revelou-se mais fácil devido à ampla maioria parlamentar. Apesar de algumas propostas terem encontrado resistências internas (por exemplo, no caso do Código do Trabalho ou do casamento dos homossexuais), o actual primeiro-ministro conseguiu impor a sua autonomia em relação ao partido e ter uma ampla liberdade de manobra.
O papel da organização partidária tornou-se irrelevante para a definição das linhas programáticas implementadas pelo governo e para a elaboração do programa eleitoral para as eleições deste ano, que à semelhança de eleições anteriores adopta o esquema de «Estados Gerais», marginalizando as estruturas partidárias. Por outro lado, é evidente que a estratégia de comunicação se baseia sobretudo numa ligação directa entre o líder socialista e os eleitores, utilizando sobretudo os meios e os recursos institucionais à disposição do governo.
Em relação à gestão dos recursos materiais há uma crescente importância das despesas eleitorais no orçamento do partido, pois os gastos associados às campanhas aumentaram muito durante o período democrático. O autor afirma que o PS nunca teve uma capacidade significativa de auto-financiamento, tendo de recorrer a fontes externas. No entanto, a diminuição destes financiamentos acelerou a necessidade de introduzir crescentes subsídios públicos para as actividades e o partido teve de se adaptar através do reforço da capacidade de mobilização para a angariação de fundos.
Diferenças entre as lideranças do PS e do PSD
Marco Lisi faz, ainda, uma comparação entre o PS e o seu principal opositor o PSD. Algumas das características analisadas parecem aproximar a configuração organizativa do PS do PSD, pois em ambos os partidos se verifica que os eleitos a nível local e a elite dirigente apresentam uma autonomia recíproca substancial, que consiste na liberdade de os primeiros gerirem o seu território, enquanto os líderes podem estabelecer de forma independente as politicas a nível nacional.
Há, no entanto, diferenças importantes entre aos dois partidos. Em primeiro lugar, no PSD a configuração hierárquica parece emergir quando o partido se encontra na oposição, enquanto no PS se verifica quando está no governo. Em segundo lugar, muda também o locus do poder a nível local: no partido de centro-direita reside nos presidentes de câmaras de cidades importantes, enquanto no PS são os presidentes de federações as figuras mais importantes em termos da gestão dos partidos no território.
A explicação destas diferenças baseia-se, provavelmente, no diferente processo de formação dos dois partidos e no equilíbrio interno de poder. O PSD formou-se mais como uma rede de networks locais do que através de penetração territorial que foi seguida pelo PS. No entanto, os socialistas apresentaram desde o começo uma maior centralização e apenas depois da metade dos anos 80 as estruturas locais assumiram um peso relevante. Pelo contrário a ordem organizativa do PSD foi sempre caracterizada por uma maior descentralização.
O autor analisa a relação entre o papel desempenhado pelo líder e a organização partidária, quer no período de formação do partido quer na sucessiva fase de estabilização com base nas características dos partidos recentes: prioridade atribuída à competição eleitoral, importância assumida pelos meios de comunicação de massas e ligações débeis com a sociedade civil.
Marco Lisi licenciou-se em ciências políticas (variante relações internacionais) pela Universidade de Florença (Itália) em 1999 e é Mestre em ciência política pelo ISCTE. Obteve o doutoramento em ciência política pela Universidade de Florença em 2007. Desenvolveu actividade de investigação em diferentes projectos sobre partidos políticos, nomeadamente na Europa do Sul. Docente na Universidade Lusófona desde 2007. Os seus principais interesses de investigação são partidos políticos, comportamento eleitoral, teoria democrática e comunicação política.
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