Após 40 anos, a volta do exílio

Ao desembarcar, Neguinho exibiu novo passaporte, o primeiro com seu nome verdadeiro. Apesar de quase quatro décadas vividas no exterior, o alagoano Antônio Geraldo Costa, o Neguinho, de 75 anos, desembarcou no Aeroporto Tom Jobim carregando só uma mochila, que nem precisou despachar.

Luciana Nunes Leal, OESP - 22.7.09

Apesar de quase quatro décadas vividas no exterior, o alagoano Antônio Geraldo Costa, o Neguinho, de 75 anos, desembarcou no Aeroporto Tom Jobim carregando só uma mochila, que nem precisou despachar.


Dirigente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais na ocasião do golpe de 64, Neguinho participou da luta armada e fugiu do País em 1970, quando se estabeleceu na Suécia. Recusou-se a retornar depois da anistia, em 1979, porque duvidava das garantias de que não haveria punição para os anistiados. Ontem, finalmente, voltou disposto a morar de novo no Brasil. Exibiu o passaporte obtido há um mês, pela primeira vez com seu nome verdadeiro, e já chegou fazendo discurso.


"Aqui estou porque participei da luta contra a ditadura e a opressão", disse Neguinho no saguão do aeroporto, braço direito erguido e rodeado de antigos companheiros da resistência.


Saudado com faixas e o desenho de um tigre, outro de seus apelidos, Neguinho confessou a tensão da viagem entre Estocolmo e Rio, com parada em Lisboa, e o temor de algum incidente com a Polícia Federal, na imigração. "Os ocupadores do poder em 64 ainda estão por aí", justificou. No entanto, disse ter ficado aliviado quando viu um representante do Ministério da Justiça, que deu boas vindas ao último exilado. "Agradeço ao ministro Tarso Genro, que enviou um emissário", declarou Neguinho, que nem de longe aparenta a idade que tem.


Militante do Movimento de Ação Revolucionária (MAR), o ex-marinheiro viveu na clandestinidade por seis anos no Brasil. Nesse período, envolveu-se em assaltos a bancos para garantir recursos às ações de resistência e, em 1969, ajudou no resgate de companheiros presos na Penitenciária Lemos de Brito, no Rio. Pouco depois, deixou o País, passou pelo Uruguai, Argentina e Chile, onde embarcou em um navio até a França, e de lá, em um trem para a Suécia. Nos 40 anos de exílio, Neguinho esteve duas vezes no Brasil, uma delas em 2005, ainda com nome falso.


Naquele ano, foi convencido pelos amigos a pedir anistia, o que fez por meio de procuração. Foi anistiado em dezembro de 2006.


Bem humorado, Neguinho tirou fotos, que pretende mandar para os dois filhos suecos, de 18 e 20 anos. No Brasil, será hóspede de um casal amigo, Eliete Ferrer e Leôncio Maia, companheiros do exílio sueco. Admirador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que tem vontade de se filiar a um partido político e prometeu militância "pela democracia, pela liberdade". "Vou me situar na política e vai ter um momento em que vou me engajar em um partido. Não sei qual, só sei que não vai ser de direita", anunciou o ex-marinheiro, que hoje está aposentado na Suécia.


Para evitar incidentes no desembarque, amigos levaram o advogado Modesto da Silveira, famoso pela atuação em defesa de presos políticos. "É bom ficar atento, a polícia ainda tem infiltrados por aí", disse Modesto, atento a uma mulher não identificada que provocou Neguinho, questionando por que ele não voltou ao País depois da anistia. "Sou de uma família de lutadores. Nasci no meio da cana, plantei cana, chupei cana e acabei em cana", disse, rindo.

Amigos substituem policiais na chegada de ex-marinheiro


DENISE MENCHEN/FSP, 22.7.09


Com faixas e um estandarte com um tigre desenhado -alusão a um codinome seu nos tempos da militância-, antigos colegas da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais foram ontem ao aeroporto Tom Jobim, no Rio, receber Antônio Geraldo Costa, 75, o Neguinho. Ele viveu quase 40 anos na Suécia sob identidade falsa.


Neguinho abriu os braços, foi erguido pelos amigos e, mesmo emocionado, entoou as palavras que vinha ensaiando desde Estocolmo: "Companheiras e companheiros, aqui estamos porque lá estivemos. Onde? Na luta contra a ditadura e a opressão. Lutamos por um Brasil livre e democrático".


Em vez de agentes da Polícia Federal prontos para prendê-lo, como temia, Neguinho encontrou um emissário enviado pelo Ministério da Justiça para lhe dar boas vindas. O encontro o deixou confiante. "Já não tenho medo de ser preso."


Ex-vice-presidente da associação de marinheiros, o carioca atuou no resgate de presos políticos da Penitenciária Lemos de Brito, no Rio, em 1969, e participou de assaltos a banco para financiar a luta armada.


Preso e torturado ainda em 1964, viveu na clandestinidade até 1970, quando fugiu para a Suécia como Carlos Juarez de Melo. Retornou ao Brasil apenas em 2005, com documentação falsa, para pedir anistia.


"Ele teve uma espécie de síndrome do pânico causada pelo trauma da tortura. Quando veio pedir anistia, não queria ser fotografado nem apresentado a ninguém, com medo de que o reconhecessem. Depois de assinar o pedido, saiu de lá chorando com medo de que, assim que retornasse para o aeroporto, seria preso", conta Raimundo Porfírio Costa , 74, outro ex-marinheiro.


Ontem, Neguinho não mostrou arrependimento. "Eu faria tudo de novo, mas dessa vez com mais experiência." Disse que pretende continuar na política, mas não como candidato.

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Fernando Soares Campos
http://santanadoipanema.blogspot.com/

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