Em menos de um ano, a 2ª Seção do STJ, que reúne as 3ª e 4ª Turmas, proferiu três julgamentos que abalaram as bases que sustentam os princípios jurídicos do País.
O primeiro, em 27 de outubro de 2007, foi o já famoso recurso especial nº 975.834, relatado pelo (já falecido) min. Hélio Quaglia Barbosa. O colegiado, legislando em favor da Brasil Telecom S/A, criou um novo e ilegal critério para a fixação do preço de emissão das ações da antiga CRT: o valor patrimonial calculado (como se isso fosse possível) pelo balancete aprovado (como se existisse!) do mês correspondente ao da integralização (ou do 1º pagamento) do contrato, o que ocorreu há 15 ou 20 anos.
Sem entrar no meritum quaestio já analisado em inúmeros artigos publicados neste espaço e em outras mídias afirmamos que esse julgamento violou, no mínimo, as Súmulas nºs 5 e 7 do próprio STJ e as Súmulas nºs 279 e 454 do STF; feriu, igualmente, os artigos 14 e 170 da Lei nº 6.404/76; 127 do CPC; 122 do atual CCB; 115, 159, 1.056, 1.125, 1.300 e 1.301 do CCB então vigente; 162 do C. Comercial; e 39, I, V, 47 e 51, IV, do Codecon.
Também foram violados os seguintes princípios constitucionais: da isonomia, segurança jurídica e proteção da confiança (art, 5º, caput); do devido processo legal (art. 5º, LIV); do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV); da legalidade e aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, II, c/c § 1º do mesmo art. 5º; do Estado de Direito Democrático (art. 1º); da separação dos poderes (artigos 2º, 44, 48, 60, 61 e 105 e seus incisos).
O segundo julgamento foi o REsp nº 1.037.208, relatado pelo min. Sidnei Benetti e julgado em 25 de junho de 2008. O relator vinha proferindo um voto técnico, dentro da lei, mas interpelado/atropelado por seu pares, acabou por decidir que, para calcular as ações da Celular CRT Participações S/A, tem que se utilizar o mesmo critério dos balancetes mensais, definido no julgamento do REsp nº 975.834, mesmo havendo decisão transitada em julgado que já definiu a quantidade de ações no primeiro processo.
Ou seja, o STJ decidiu que a coisa julgada não pode ser transposta; ou seja, não vale para o segundo processo (aquele em que se busca a indenização das ações da Celular CRT Participações, oriunda da chamada dobra acionária do mesmo contrato e que é mera conseqüência das primeiras em função da cisão das companhias). Nesse julgamento, além de todas as normas e princípios já violados no julgamento anterior, a 2ª Seção revogou o princípio da imutabilidade da coisa julgada material, previsto na parte final do inciso XXXVI, do art. 5º, CF/88.
E o terceiro julgamento, no mesmo dia do segundo, foi o REsp nº 963.283, relatado pelo ministro Fernando Gonçalves, no qual a 2ª Seção decidiu que, em função da grande quantidade, nos processos que envolvem a Brasil Telecom S/A, as cópias das procurações e substabelecimentos desta não precisam estar autenticadas, podendo ser por cópias simples. Ou seja, os ministros acabaram por revogar a Súmula nº 115 do próprio STJ!
Mas, afinal, quais as justificativas para tanta ilegalidade?
No primeiro julgamento, o min. Massami Uyeda disse textualmente : (...) Então, estando inteiramente de acordo com essas observações, acompanho o excelente voto do sr. ministro relator e congratulo-me com o excelente profissional, o advogado que, realmente, com muita propriedade, conseguiu esclarecer uma questão que poderia ensejar e já está ensejando lá no Sul um movimento extraordinário de processos, que poderia fazer com que ficássemos inviabilizados de trabalhar.
E no segundo, o relator, min. Sidnei Beneti ressaltou que o excessivo número de processos envolvendo a aquisição de linhas telefônicas junto à então CRT - Companhia Riograndense de Telecomunicações - está estrangulando os trabalhos do STJ. Para ele, é inadmissível que uma única questão se torne proprietária de uma corte de caráter nacional, obstaculizando a análise de outras causas tão ou mais importantes.
Avalio assim que o STJ, com o intuito de reduzir processos e recursos, revoga suas próprias súmulas e as do STF, afronta a lei e violenta a Constituição. Também pune os cidadãos brasileiros lesados, porque são muitos, e legisla em favor de uma única corporação internacional - que, digo eu, é poderosa.
Ou seja, há que se diminuir a quantidade de processos e recursos nem que, para isso, se tenha que matar o direito e cometer injustiças!
Mal comparando para usar uma figura criada pelo advogado gaúcho Julio Sá a 2ª Seção do STJ, para diminuir a quantidade de recursos e processos, age como aquele improvável ministro da Saúde de uma hipotética Republiqueta de Bananas que, para resolver os graves problemas da saúde pública, ao invés de investir em prevenção e remédios eficazes, manda distribuir cianureto e arsênico aos doentes pobres do país...
E tem outro remédio? Tem, sim. Vários!
O STJ tem que respeitar suas próprias súmulas e as do STF (é o mínimo que se espera); tem que promover e preservar a correta aplicação da lei (essa é sua atribuição constitucional); e tem que observar e se submeter às normas constitucionais (tal como todos os demais órgãos públicos e os cidadãos em geral).
E tem prevenção? Tem, sim!
O Judiciário como um todo (e não só o STJ) tem que utilizar os instrumentos legais disponíveis (arts. 17, 600, 601 e 740, todos do CPC) para aplicar multas severas à Brasil Telecom pelos inúmeros recursos protelatórios e temerários que vem interpondo essa sim a verdadeira causa dos milhares de processos e recursos que aportam em todas as instâncias do Judiciário e, com isso, desestimulá-la no descumprimento da lei e, quem sabe, obrigá-la a buscar acordos com os lesados. Num país civilizado, ela já teria sido obrigada pelo Judiciário e outros órgãos de controle da atividade empresarial a buscar acordos administrativos com os consumidores lesados, liberando o Judiciário para outras questões tão ou mais importantes...
Afinal, não somos todos iguais perante a lei? Somos, mas no caso em tela, a Brasil Telecom é muito mais igual do que os milhares de cidadãos brasileiros lesados pela antiga CRT da qual ela é sucessora.
E a Justiça, por princípio, não é cega?
É, mas nesses julgamentos ela olhou demais para o direito da Brasil Telecom. Ou, por outro ângulo, a Justiça está sendo cega demais em relação aos direitos dos milhares de consumidores lesados. Por isso, é necessário levantar-lhe a venda para que ela veja com seus próprios olhos as ilegalidades e injustiças que está cometendo. Quem se habilita?
Flávio Carniel - advogado (OAB-RS nº 53.729)
[email protected]
Fonte: Espaço Vital
http://www.guiasaojose.com.br/novo/coluna/index_novo.asp?id=1301
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter