Por Suely Salgueiro Chacon *
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal, pode ser visto como um instrumento limitado para o alcance de taxas mais elevadas de crescimento econômico, e não como a solução para a mudança definitiva na qualidade do crescimento no Brasil.
Além disso, sabemos que boa parte das medidas anunciadas no âmbito do PAC, já haviam sido aprovadas antes, e já constavam do planejamento governamental e do orçamento, enquanto outras dependem de aprovação no Congresso e de uma série de fatores conjunturais para serem implementadas.
Mesmo dando um crédito à disposição do governo de se comprometer com uma "agenda para o crescimento", algo que era esperado desde o início do primeiro mandato do presidente Lula, não podemos ignorar que, no entanto, que ainda carecemos de uma sinalização concreta para o planejamento de longo prazo com vistas ao desenvolvimento sustentável.
Diante dessa agenda limitada, cabe aqui fazermos uma avaliação preliminar do que foi proposto e dos pontos que ficaram de fora. O PAC espera dispor nos próximos 4 anos de um montante em torno de R$ 504 bilhões, entre investimentos públicos e privados, para investir no país. E a expectativa é que com o Programa possa proporcionar um crescimento de pelo menos um crescimento de 4,5% em 2007 e 5% ao ano entre 2008 e 2010 do Produto Interno Bruto (PIB). Dos investimentos previstos, R$ 300 bilhões sairão do Orçamento da União e das estatais. O restante virá da iniciativa privada. Só a Petrobras investirá 40% desse valor, aproximadamente R$ 120 bilhões, os quais R$ 54,9 bilhões serão investidos ainda em 2007. Outros R$ 60 bilhões serão recursos do Orçamento da União. O governo estima que a cada R$ 1 investido pelo setor público, R$ 1,5 será investido pelo setor privado.
Destacamos alguns dos principais pontos contemplados palas medidas do PAC:
Infra-estrutura (energia, água e saneamento) e logística
As principais medidas do PAC estão relacionadas com esses setores. O grande impulso deve vir do investimento público e do novo Fundo de Fundo de Investimentos que disporá dos recursos do patrimônio líquido do FGTS, a ser administrado pela CEF. Os recursos previstos devem chegar aR$ 5 bilhões para investimentos em energia, rodovias, ferrovias, portos e saneamento. A rentabilidade do fundo dependerá do sucesso dos empreendimentos que comporão o portfolio do fundo. Ou seja, o risco é do investidor. Os trabalhadores poderão optar por aplicar até 10% de seu saldo de FGTS nesse fundo, assumindo também o risco do investimento. Também a ampliação do limite de endividamento dos estados e municípios para investir em saneamento é uma fonte prevista para financiar as obras de infra-estrutura. O governo selecionou mais de 100 projetos de investimento prioritários em rodovias, hidrovias, ferrovias, portos, aeroportos, saneamento, recursos hídricos (estes com recursos da administração direta, saindo do orçamento da União, via ministérios setoriais e autarquias), além de energia elétrica (via Eletrobrás), gás e petróleo (Petrobras).
Habitação
A principal medida para incentivar a melhoria nas condições de habitação é a ampliação em R$ 1 bilhão, em 2007, do limite de crédito para habitação. O principal foco é a população em situação de vulnerabilidade social e com rendimento familiar mensal de até 3 salários mínimos. A maior parte do investimento previsto para habitação se concentra na região Sudeste, e o menor percentual vai para a região Centro-Oeste.
Ambiente de negócios
Para melhorar a captação de investimentos privados o governo, dentre outras medidas, espera aprovar o projeto de lei em tramitação no Congresso, que cria o Sistema Brasileiro de Defesa da concorrência, centralizando o controle na Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE). Também conta com a aprovação da Lei de Licitações. Quer ainda disciplinar a gestão, organização e controle social das agências reguladoras. O governo inclui nesse item a abertura do mercado de resseguros e a recriação da SUDAM e da SUDENE, medidas já implementadas.
Meio ambiente
Um ponto que consideramos como um avanço é o tratamento dado à questão ambiental. O governo entendeu que a adequada regulamentação do meio ambiente é necessária. Embora a idéia é fortalecer a captação de novos investimentos, as medidas ambientais significam um avanço no sentido da conscientização acerca da importância da adequada preservação dos recursos naturais. Sem essa base não adianta termos novos investimentos, pois o crescimento e o desenvolvimento ficariam comprometidos. Nesse item o governo pretende enviar um projeto de lei complementar para o Congresso estabelecendo competências para legislar sobre o meio ambiente. A regra básica é: se o projeto em questão impactar mais de um estado, a competência será federal. Se impactar mais de um município, será estadual. Além disso conta com a aprovação do marco regulatório para o saneamento, medida já implementada.
Política fiscal
Apesar das medidas de desoneração preverem uma renúncia de cerca de R$ 6,6 bilhões em 2007, o impacto das medidas fiscais propostas pelo PAC é muito limitados. O governo não proporá uma reforma tributária, apenas propõe, dentre outras medidas, desonerar, via MP e decreto, os setores de bens de capital (máquinas e equipamentos), matérias-primas para a construção civil, equipamentos de transmissão digital, semi-condutores, computadores, prorroga o benefício da depreciação acelerada de equipamentos por dois anos.
Nos casos de investimentos em infra-estrutura (energia, portos, saneamento etc), a empresa ficará isenta do recolhimento do PIS/Cofins. Outras duas medidas devem trazer alívio de caixa para as empresas: a data para recolhimento das contribuições ao INSS passará do dia 2 para o dia 10 de cada mês. E do PIS/Cofins, do dia 15 para o dia 20 de cada mês. Com isso o governo espera melhorar o fluxo de caixa e aumentar a margem de investimentos privados. Também nesse item foram relacionadas duas medidas já implementadas: a Lei das Micros e Pequenas empresas e o reajuste de 4,5% da tabela do Imposto de Renda, que já acumula uma defasagem de cerca de 44% nos últimos dez anos.
Gestão pública
Esse é um ponto que merece destaque. A preocupação com a gestão pública demonstrada pelo governo indica uma disposição de melhor conduzir a máquina pública nos próximos anos, e também cuidar para que todas as medidas previstas sejam de fato implementadas. O PAC prevê a criação da Comissão Interministerial e Administração de Participação Societárias da União (CGPAR) e do Comitê Gestor do PAC.
Cabe aqui lembrar mais uma vez a importância de se pensar em um horizonte de planejamento de longo prazo, que vise a implementação efetiva de medidas para o desenvolvimento sustentável.
Da análise do Programa, destacamos que o PAC acertadamente concentra grandemente sua ação no sentido de melhorar a infra-estrutura, com mais facilidades para os setores de habitação e saneamento especialmente. Esse é um pré-requisito essencial para que se projetem novos patamares de crescimento. Além disso, a construção civil é um dos setores que mais rapidamente responde a novos investimentos, e é também grande geradora de novos empregos, tanto diretos quanto indiretos. O PAC também traz medidas para melhorar o ambiente de negócios no Brasil, que hoje tem apenas a 70ª. economia mais livre do mundo. Nesse sentido o governo pretende fortalecer as agências reguladoras, de modo a dar mais previsibilidade ao investidor, dentre outras medidas. Outro ponto a ser considerado como positivo é a preocupação com a gestão pública, fundamental para que possamos supor que o governo tem uma real disposição de melhor dirigir a máquina pública. Os incentivos fiscais, no entanto, ficaram restritos a alguns setores, frustrando a expectativa de ajuda aos setores mais prejudicados com a defasagem cambial.
Embora o PAC traga a perspectiva de mais recursos para investimentos, a verdade é que esse conjunto de medidas não toca em questões estruturais que poderiam de fato levar o país ao desenvolvimento. Além de não viabilizar de fato o crescimento, pois não prevê cortes substanciais nos gastos do governo, muito menos na carga tributária, o PAC confirma a continuidade de uma política que não prioriza o planejamento de longo prazo. O Brasil só conseguirá alcançar as condições para o desenvolvimento quando tivermos um Projeto para o Brasil, que viabilize medidas estruturais e amplas que ataquem as causas do atraso e valorize a diversidade regional.
Dentre as medidas não contempladas pelo PAC, destacamos:
Diminuição dos gastos do Governo
O que se viu é que o PAC não prevê a redução de despesas correntes, e a única sinalização para a diminuição dos gastos é o limite estipulado para a folha de pagamento dos funcionários do Executivo federal. Os reajustes não poderão ultrapassar a variação da inflação mais 1,5% ao ano. Também o aumento do salário mínimo, conforme lei já proposta ao Congresso, será indexado à variação do IPCA, acrescido do crescimento do PIB de 2 anos anteriores. O governo espera ainda que as receitas aumentem com a queda projetada dos gastos com juros da dívida. A taxa anual média cairia de 12,2% em 2007, para 11,35% em 2008, 10,5% em 2009 e 10,05% em 2010. Com essa estimativa de redução de gastos financeiros, o déficit nominal do governo cairia também anualmente.
A verdade é que o PAC não prevê corte nas despesas, mas apenas contenção do seu crescimento nos próximos anos. É importante lembrar que o custeio da máquina pública cresceu em média 6% nos últimos quatro anos, enquanto o PIB cresceu apenas 2,5% em média no mesmo período. Também a necessidade de gerar superávit primário e a manutenção da elevada taxa de juros ajudou a aumentar os gastos do governo.
Juros e câmbio
Esses assuntos não foram contemplados pelo PAC, contudo podem ser decisivos para o alcance dos resultados esperados. A queda tímida da taxa de juros básica anunciada pelo Banco Central na última quarta-feira já indica a continuidade de uma política demasiadamente conservadora, que vem inibindo os investidores. Além disso, os setores mais prejudicados pelo câmbio não foram contemplados com a desoneração fiscal, como era esperado, o que também pode prejudicar a expansão do crescimento como um todo.
Burocracia
Em relação aos entraves burocráticos no âmbito governamental, o PAC não traz qualquer medida significativa que aponte para a diminuição dos mesmos. O ambiente empresarial se recente das dificuldades geradas pela máquina estatal para abrir e manter os empreendimentos no Brasil
Reformas fiscal, trabalhista e previdenciária
As reformas citadas e tão demandadas pela sociedade não foram contempladas pelo PAC. Apesar da necessidade das mesmas, é compreensível que essas reformas não tenham vindo nesse pacote, pois requerem um aprofundamento maior e merecem ser tratadas individualmente. Contudo, esperava-se um compromisso explícito do governo com as mesmas, o que não aconteceu. Apenas a reforma da previdência foi citada. Para sua discussão será criado um fórum de debates.
Agropecuária e agronegócios
Esses setores não foram citados no PAC. Isto preocupa, pois a população que mora no meio rural pode ser excluída de eventuais benefícios das medidas anunciadas. Além disso, esses setores respondem grandemente pela composição do PIB brasileiro, e a sua exclusão pode comprometer as metas de crescimento propostas.
Enfim, o governo não pretende instituir medidas substanciais que mudem problemas estruturais como o baixo investimento governamental, em termos relativos à iniciativa privada, os gastos elevados da máquina pública, os tributos elevados para o consumidor e para o setor produtivo, dentre outras dificuldades para um crescimento mais estável da economia. A burocracia e a falta de um ambiente mais seguro, menos propício à corrupção também são fatores que afetam o crescimento dos investimentos.
Porém, mais grave do que isso é o fato de que o governo insiste em medidas paliativas, em detrimento de um plano amplo que envolva todas as regiões do Brasil em um esforço coordenado para o desenvolvimento do país, o que vai além do simples crescimento econômico, tendo como parâmetro o aumento do PIB. Isto significaria atuar em várias frentes para valorizar as potencialidades sócio-econômicas das regiões, seus recursos naturais e especialmente as instituições voltadas para o desenvolvimento, como é o caso da SUDAM e da SUDENE, que renasceram capengas e sem condição de atuar de fato pelos objetivos relacionados com o desenvolvimento regional. E mais que isso: é preciso valorizar o brasileiro. Toda essa discussão em torno do crescimento econômico deixa de lado questões fundamentais que garantiriam o desenvolvimento como é o caso da educação.
Em acréscimo, vale enfatizar que o desenvolvimento sustentável tem que ser prioridade não apenas para o governo, mas para toda a sociedade. É algo que deve estar presente em todas as discussões nos próximos anos. E essa discussão deve ser pautada em torno de um Projeto para o Brasil, e não em medidas isoladas que buscam minimizar os efeitos negativos da falta de planejamento para o desenvolvimento.
Se o Brasil deixar passar a oportunidade de promover de fato o desenvolvimento, nosso país estará condenado a regredir não só economicamente, mas socialmente também. Os avanços que fomos capazes de gerar para a melhoria da qualidade de vida no Brasil podem ser perdidos, caso não se ponha em prática medidas efetivas para promover um processo sustentável de desenvolvimento.
É importante ressaltar mais uma vez que apenas o crescimento econômico não é suficiente para termos o desenvolvimento, que se traduz em melhor distribuição de renda e mais acesso aos requisitos básicos para uma vida digna. Contudo, sem crescimento na economia não é possível a geração de emprego e renda, nem de novos investimentos, o que compromete a oferta de serviços como de educação e saúde.
O desenvolvimento sustentável consiste em um processo contínuo e complexo de geração de melhor qualidade de vida para uma sociedade. Esse processo envolve quatro dimensões: econômica, social, ambiental e institucional. Todos os atores que compõem uma sociedade participam desse processo e são por ele influenciados, conforme se alcance mais ou menos sucessos. Com o intuito de promover a discussão em torno dessas premissas, o Conselho Federal de Economia tem como prioridade nesse ano de 2007 discutir o Projeto para o Brasil, que prevê que o desenvolvimento só pode ser alcançado na medida em que valorizamos todas as regiões do país a partir de suas potencialidades. Isto é ir além do crescimento, e ao mesmo tempo garantir que ele aconteça em um contexto amplo e definitivo.
Cortesia: COFECON
*Economista. Doutora em Desenvolvimento Sustentável e Gestão Ambiental (CDS/UnB). Coordenadora do Curso de Economia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (CORECON-CE).
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