Portugal: Erros crassos dos serviços públicos

Quem vive em Portugal há 27 anos, que é o meu caso, demonstraria muito má vontade se não declarasse que os serviços estão bastante melhores do que antigamente, quando atingiam o grau do absurdo. Um bom exemplo é ACIME, que na legalização dos imigrantes demonstra interesse em trabalhar junto com estas comunidades e que acabou com aquela situação ridícula em que o imigrante era pseudo-legal durante meio ano, pois entre caducar um visto e colocar o seguinte, passavam seis ou sete meses em que não poderia sair entrar livremente do país. Agora o atendimento pode ser marcado para um dia quase a seguir ao caducar do visto, embora ainda dura um dia inteiro para colocar um carimbo no passaporte, por incrível que pareça.

A existência dos “pay-shops” e das Lojas do Cidadão também facilitaram, e muito, o pagamento de serviços e hoje em dia pode-se tratar da maioria dos assuntos via internet ou multibanco.

Por isso, Portugal está de parabéns pela maneira em que implementou esses sistemas num curto espaço de tempo. No entanto, surgem situações como aconteceu com contas de serviços públicos no final deste mês que precisam de ser apontados e melhorados, porque é inaceitável que o utente seja tratado como um palhaço. Os portugueses não são palhaços – são pessoas.

Alegadamente (segundo a EDP, Electricidade de Portugal) por causa de uma greve dos CTT (serviço de correios) as contas de Abril não foram enviados aos clientes e ao que parece, nem as contas do gás e da água em muitos casos. Seguiu depois, destes serviços públicos, cartas com a conta a pagar mais IVA e ameaças de cortar o fornecimento caso não fossem pagas as contas imediatamente.

Vejamos o caso da EDP. A conta de Abril nunca chegou. Se fosse uma questão de atraso por causa da greve dos Correios, teria chegado com uns dias de atraso, mas simplesmente nunca apareceu. Suspeita-se que nunca foi enviado pois há 27 anos a utilizar o Serviço dos Correios em Portugal, nem se extraviou nenhuma correspondência e, seguindo a profissão de jornalismo durante esse tempo, estamos a falar de uma centena de milhar de cartas, no mínimo.

É um serviço excelente e foi sempre.

Nem sempre os outros serviços. Me lembro do caso da EPAL (Serviço Público de fornecimento da Água) a cortar erradamente a minha água numa sexta-feira a tarde, quando na altura estava um bébé com duas semanas em casa, no pleno verão. A conta tinha sido pago dentro dos prazos estipulados pela companhia e mesmo assim foi necessário pagar a restituição do serviço. Me lembro de ser multado por não pagar o Imposto Complementar a tempo porque os próprios serviços tinham colocado um endereço errado e nunca chegou a conta.

Pedir um telefone da Portugal Telecom é sempre uma experiência interessante, e quanto às suas contas, a cereja no topo do bolo foi uma vez em que nem sequer tinha telefone em casa, durante três meses, e contabilizaram chamadas feitas durante esse prazo quando teria sido impossível fazê-las. No serviço da então TLP, disseram-me estas palavras: “Sabe, às vezes quando passa um autocarro na rua, caem as chamadas”. Sem comentário.

A Telepac anda três semanas para colocar uma conexão de Internet, depois envia as facturas ao endereço errado e corta o serviço quando não é pago (referente a uma conta de nove meses antes). Até agora, o fornecimento de energia eléctrica e gás funcionavam sem sobressaltos mas tinha de chegar o dia.

No dia 18 de Maio, foi enviado uma factura a pagar até ao dia 30 de Maio com o assunto em negrito bastante insolente: “Atraso no pagamento. Eventual interrupção do fornecimento de energia eléctrica”.

Depois de avisar que a conta de 71,77 Euros não tinha sido pago (como, se a factura nunca chegou?) a carta continua o seu tom ameaçador: “No caso de se vir a concretizar a interrupção, o fornecimento só poderá ser retomado após o pagamento do valor em débito e das despesas correspondentes aos actos de corte e religação da instalação, estes nos montantes de €20.10 e €131.38 (acresce IVA à taxa legal)...poderão existir custos adicionais (acrescidos de IVA à taxa legal) relativos às seguintes operações: de soldadura ou dessoldadura €11,71 de restabelecimento urgente: €17.85”.

Isto num país onde o salário médio ronda os 620 Euros e onde continuam a haver pensões de miséria que nem para comer chegam.

Não podendo pagar por multibanco, pois o prazo tinha terminado e quem viajar nem sempre está à porta para receber o correio, a companhia EDP nem sequer providenciou um código alternativo para pagamento em atraso (como fazem outros serviços) e nem tomou em conta o facto que a situação era provocada por uma avaria nos serviços públicos.

No atendimento telefónico, informaram que “Não é a nossa culpa. Terá de pagar na segunda-feira numa das nossas lojas de atendimento”. Mas não é a minha culpa também, e por quê é que devo perder uma manhã inteira numa fila interminável para pagar uma conta atrasada porque não chegou a factura a tempo?

Telefonei antes de ir pagar no Marquês de Pombal em Lisboa, perguntando se poderia pagar com multibanco (tendo explicado bem a situação), pois em Portugal ainda há serviços que exigem o pagamento com dinheiro ou em cheque. “No Marquês de Pombal? Pode pagar por multibanco”. “Mas tem a certeza?” “Certeza absoluta. Há mais uma coisa em que posso ser útil?”. “Não, se posso pagar por multibanco, então foi só isso que queria saber”.

Desloco-me para o Marquês de Pombal (porque gosto de viver estas experiências pessoalmente), tendo cancelado uma reunião com agência de publicidade, tendo rearranjado uma entrevista com um jornalista e tendo adiado a reunião da redacção. Entro no edifício da EDP, onde encontro duas funcionárias, que apontam para o “pay shop” no centro comercial ao lado, onde me informam, depois de ter estado na fila há imenso tempo, que “Pagamento só com Eurocheque”.

Nestes casos, os que controlam os serviços são incompetentes. Que se coloquem a par das novas tecnologias e arranjarem soluções mais fáceis aos utentes, como códigos alternativos de multibanco para pagamento em atraso, como juntar a quantia na factura seguinte (renderia mais dinheiro ao Estado) e que tratem os cidadãos de uma forma civilizada, e não com a tamanha arrogância que se encontra quer na carta, quer nos serviços de atendimento da EDP, onde dizem “Não é a nossa culpa”.

Pois, nunca ninguém tem a culpa de nada em Portugal. Onde ninguém assume a culpa, ninguém assume a responsabilidade e quem paga a irresponsabilidade e falta de culpabilidade dos outros é o peão, o povo, o palhaço em que o sistema me tornou hoje. Por isso o país anda a cair a pique na classificação económico e em termos de indicadores sociais. Por isso o cidadão é tratado a chuto. Por isso sou hipertenso. Por isso o país inteiro está a falar de cerveja e futebol e por isso temos situações absurdas como aquela que vivi hoje. Mais uma.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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