Milton Lourenço (*)
SÃO PAULO Se bem que aguardada e, de certo modo, imposta pelas circunstâncias, a decisão do governo brasileiro de colocar mais uma barreira à importação de produtos argentinos, ao exigir licenças não automáticas para a compra de autopeças, equivale a jogar uma pá de cal sobre o que resta do Mercosul, acordo que, nos termos atuais, só vem prejudicando o comércio exterior do Brasil. Como se sabe, em função de uma cláusula do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul em 26/3/1991, o País está impedido de fechar sozinho acordos comerciais com outros países ou blocos comerciais.
A medida adotada pelo governo brasileiro foi apenas o resultado de uma insatisfação que se acentuou nos últimos doze meses, marcados pelo aumento do protecionismo argentino, em flagrante desrespeito às regras estabelecidas pelo Mercosul, e por uma indisfarçável tolerância por parte das autoridades nacionais que vinha se mostrando prejudicial aos interesses do País. Afinal, se o Mercosul começou a ter suas bases solapadas não foi por culpa da indústria brasileira, que passou a ver seus produtos substituídos vorazmente por produtos chineses nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais argentinos.
É verdade que a crise global atingiu a Argentina em cheio, muito mais do que o Brasil, mas isso não justifica que tenha de abrir o seu mercado generosamente para China, fechando-o, ao mesmo tempo, para o seu sócio mais importante do Mercosul. A propósito, é de assinalar que, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), de janeiro a junho, as exportações brasileiras para aquele país caíram 42,7% em relação ao mesmo período em 2008, a um ritmo bem superior ao das vendas totais do País (22%). Já as importações de produtos argentinos pelo Brasil caíram 19,5%.
Esses números servem para mostrar o que representa hoje o Mercosul, que, na verdade, é um amplo acordo Brasil-Argentina, ficando Uruguai e Paraguai como figurantes, tal a participação reduzida que têm como sócios. É de lembrar, porém, que o Mercosul apresentou, em seus primeiros anos, resultados bastante animadores, a ponto de, em 1998, sete anos depois de sua criação, os demais países do bloco absorverem 17,4% das exportações brasileiras.
Mas, em 2005, essa fatia já era de apenas 9,9%. No ano passado, essa participação caiu para 8,9%, tendo, nos primeiros quatro meses deste ano, recuado para 7%. A se levar em conta os dados disponíveis, até dezembro deverá recuar ainda mais. Obviamente, não é só o Brasil que está perdendo espaço. Para a Argentina, o Mercosul também já não parece constituir um bom negócio. Em 1991, as exportações daquele país para as demais nações do bloco representavam 16,5% do total, tendo sido registrado um salto para 36,3% em 1997, época do auge do funcionamento do Mercosul. Em 2005, porém, essa participação caiu para 19,2% e vem declinando ano a ano.
Hoje, o comércio entre as nações que compõem o bloco representa menos de 20% das exportações totais desses países, o que é uma média muito baixa em comparação com a registrada na União Europeia, de 65%, e no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), de 70%. Mas, para o Brasil, não deixa de ser uma perda irreparável, se o Mercosul vier a redundar em novos impasses. Afinal, se hoje o Brasil pode ser considerado essencialmente um exportador de commodities, no caso de seu comércio com a Argentina e demais países latino-americanos isso não se dá. Para a Argentina, mais de 90% dos produtos brasileiros exportados eram manufaturados. Pelo menos até 2008.
O busílis da questão do Mercosul, se comparado com outros grandes acordos, é a diferença de competitividade entre os seus sócios. Foi preocupado com isso que o governo de Buenos Aires insistiu na criação do mecanismo de adaptação competitiva (MAC), que autorizou a imposição de medidas restritivas (cotas ou tarifas mais altas) contra produtos, sob a alegação de que sua importação poderia causar danos à indústria doméstica. Ora, isso contraria o que se entende por união aduaneira, que pressupõe a inexistência de tarifas no comércio. Esse foi um dos motivos pelo quais o Mercosul entrou em processo de definhamento.
Diante dessas dificuldades, a saída parece ser o retorno do Mercosul à condição de zona de livre comércio, mais compatível com a integração alcançada pelos sócios. Dessa maneira, cada integrante do bloco poderia negociar isoladamente seus acordos de livre comércio. Mas, ao mesmo tempo, é importante negociar com bom senso para que o Mercosul volte a atender aos interesses de todos os seus sócios.
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(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP.
E-mail: [email protected] Site: www.fiorde.com.br
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