Ficção que agride a realidade

Amor à Vida, o folhetim que a TV Globo exibe todas as noites em horário nobre, é uma afronta aos brasileiros. Um médico rico, adúltero, renega o filho gay, é pai biológico do próprio neto (do qual o filho gay, casado com uma ex-prostituta contratada pelo pai, acredita ser o genitor). Até a semana passada, o protagonista milionário idolatrava a filha.

Orlando Pontes

Médica como ele, mas fruto de uma relação do ricaço fora do casamento, a moça acabou enredada num crime que não cometeu. Mas o pai, mais sujo do que poleiro de pato, por influência do filho gay - que só pensa na herança do pai que ainda não morreu - apóia a internação da própria filha num manicômio para tratar de uma dependência química da qual ela não sofre, e que ele. Ocupado com suas amantes, não teve tempo de investigar.

Tudo isso se passa apenas numa das famílias do núcleo principal da novela. Mas existe outro casal gay onde a traição impera. Dispostos a "engravidar", os dois rapazes contratam uma médica para servir de barriga de aluguel. A doutora "seduz" um dos moços, e acaba engravidando dele pelo "método convencional".

Noutro núcleo, uma mãe, ex-bailarina de programa de TV, sonha em ficar rica usando a filha como isca para fisgar milionários. Vive orientando-a a dar o golpe da barriga. A pobre, no entanto, se apaixona por um vizinho, tão despreparado quanto ela, de quem engravida. De quebra, ele é desempregado.

O pai do desafortunado não poupa adjetivos como "corno" ou "piriguete" para chamar o filho e a moçoila por quem este se derrete e aceita passar por todo tipo de humilhação - inclusive vê-la se jogando nos braços de qualquer um que aparente ter muito dinheiro. Ainda assim, ela vive repetindo que é "difícil, dificílima!", ou "inteligência pura".

Esses são apenas alguns dos "ensinamentos" que a novela global transmite para milhões de famílias, repito, em horário nobre. Embora travestida de ficção, a trama das nove, na verdade, segue o padrão Globo de mostrar a sociedade e a cultura brasileiras ao mundo - lembremo-nos de que as novelas da emissora são vendidas para dezenas de países da África e da América Latina.

Isto é uma afronta, repito mais uma vez. Evidentemente, o povo brasileiro não precisa ser homofóbico (e não é!). Nossas famílias não devem ser, obrigatoriamente, poços de virtudes (e não são!). Nossa gente não tem obrigação de ser a mais inteligente do mundo (e não é mesmo!).

Entretanto, também não temos gays em todas as casas, nem pais prejudicando filhos ou irmãos trapaceando contra irmãos em todas as famílias, ou gente de pouco estudo se prostituindo ou vendendo os filhos em troca de uma fácil ascensão social.

Este, com certeza, não é o perfil médio dos brasileiros. Porém, se não for imposto algum tipo de controle sobre a programação de nossas emissoras de TV, em especial a líder de audiência, um dia será. Lamentavelmente.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey